O bem necessário
Considero de grande valia a leitura do livrinho O que é Pós-moderno, escrito por Jair Ferreira dos Santos para a coleção Primeiros Passos (Brasiliense). O livro é dos anos 80, mas só fui lê-lo em 2005 quando me preparava para um mestrado que provavelmente jamais irei fazer. Amo por demais a vagabundagem intelectual e não me vejo entre acadêmicos rigorosos ou entre farsantes da pior espécie.
Apesar da desagregação terrível engendrada pelo capitalismo, recentemente alguns amigos se juntaram para uma discussão num bar em que a música não tocava tão alto e os esnobes-vencedores-possuidores-de-off-roads-e-triplex-e-celulares-que-tocam-com-os-relinchos-dos-seus-puro-sangues não haviam invadido o local ainda.
Falamos sobre vários temas, usando de franqueza, sem que ninguém brandisse em seu favor um MBA da Fundação Getúlio Vargas, uma amizade com executivos do Banco Mundial ou o primeiro milhão conquistado antes dos 40 anos. Ninguém sacou de um charuto havana, ninguém pediu uma garrafa de vinho de R$ 300, a mesma que tomou em Paris na última primavera. Nem passou inopinadamente a falar do atual namorado da Ivete Sangalo.
Mas ao ouvir a expressão “pós-modernidade”, um desses amigos reagiu dizendo que há controvérsias sobre se estamos mesmo na pós-modernidade, ou se tudo o que se passa não é apenas e tão-somente a velha modernidade, num estágio avançado. Seria de decrepitude(rs)?
Discordei no ato, lembrando a existência desse livro de bolso, em que o Jair faz uma caracterização bastante convincente, ajuntando exemplos gritantes capazes de nos fazer ver que esta é uma nova fase na história da humanidade, com seu alto grau de dispersão, superficialidade, ênfase na tecnologia, degradação ideológica (para o bem ou para o mal)
Mudo de parágrafo para, sem equívocos, repetir a última frase do anterior: “para o bem ou para o mal”.
Ora, nada é tão pós-moderno quanto a corrupção desses conceitos e a inversão dos seus pólos. No último feriado, ouvi de um alternativo-neo-yuppie um elogio ao que ele chamou de uma aliança inevitável entre o bem e o mal, que também chamou de “o diabo”. Podem me dizer que não há grande novidade nisso, até me recordando os versos de Raul Seixas “Olha o mal / Vem de braços e abraços com o bem/ Num romance astral”. Acho que a novidade é que há uma ideologia não assumida como tal, que, longe de relativizar o conceito de mal e bem, com a ampliação das possibilidades de se viver, criou uma aura de legitimidade para o mal. E o bem que se vire e se adapte, porque são os novos tempos, compreendem? Em suma, o mal também virou um produto. E o bem também só serve se souber se embalar e se vender. Então até para fazer o bem, é preciso ter uma boa estratégia de marketing.
Sim, a pós-modernidade existe. É a era do capital em escala máxima de lucro e penetração planetária. O resultado é o caos cultural e social, o esfacelamento das mentalidades, a violência.
Mas por favor, não me tenham como um reacionário. Sem querer voltar ao passado, moderno ou não, advoguemos (rs) uma outra pós-modernidade, em que a fragmentação signifique a constituição de novas unidades e em que vender não seja mais do que um mal necessário.