Amor e Posse - Considerações sobre o Relacionamento Aberto
Cumpre-se necessário informar que este não é um texto que defende a total liberação sexual, compreendendo poligamia não como a completa falta de pudores, tampouco reduzindo a grandiosidade virtuosa inerente aos relacionamentos amorosos, transformando-os em chulas manifestações de libertinagem. O que se pretende expor é a corrente ideológica acerca dos relacionamentos considerados abertos, tendo em vista a atual decadência dos matrimônios e as novas tendências sociais. A maioria das pessoas julga o relacionamento aberto como o caminho mais fácil por acreditar que se trata de mera ausência de compromisso e respeito entre os parceiros. Todavia, confrontar ciúmes, orgulho e posse, é sempre o caminho mais difícil.
Ao contrário do modelo tradicional de casamento monogâmico, o relacionamento aberto não é um modelo fechado com regras claras que se aplicam a todos os casais. Muito pelo contrário: o relacionamento é chamado aberto não só porque se abre à possibilidade de múltiplos parceiros, mas também porque não se propõe a ter regras padronizadas aplicáveis a todos e quaisquer casais.
O relacionamento aberto não é sinônimo de várzea; não se resume ao lema “Ninguém é de ninguém”. Estamos falando do real significado de poder contar com alguém. O sentimento que nos leva a encarar o fato de que padeceremos sem um “porto seguro”. Necessitamos daquele nosso, acima de tudo, melhor amigo para nos amar nos aspectos mais íntimos, nos amar em cada pedacinho da extensão de nossos corpos e por toda a excêntrica complexidade de nossas almas.
Relacionamento aberto é sinônimo de relacionamento honesto, a união entre uma paixão sincera e real sem privar-se de certos desejos que, por serem considerados pecados, transformam-se em alvos mais visados, funcionando como um delicioso marketing para tudo aquilo que é errado.
Encontramo-nos em plena decadência do obsoleto modelo monogâmico de relacionamento, as relações estáveis e dígnas estão mais para pífia exceção do que para realidade. Eis que surge a necessidade para reflexão, olhar para quem somos, para nossa própria natureza; não para aquilo que fomos criados para ser. Se a nossa natureza é monogâmica por que ela encontra-se em extinção?
Toda e qualquer dor de cabeça é fruto da teimosia humana. Nada, além disso, justificaria a eterna luta da humanidade contra seus próprios anseios. Boa parte de tudo que foi criado no mundo vai de encontro aos nossos verdadeiros desejos. Pouquíssimas são as coisas em nossas vidas que nós temos a chance de fazer porque gostamos.
Foram criados tantos modelos de vida, modelos de comportamento, modelos até mesmo para amar. Modelos e procedimentos que contrariam tudo aquilo que nós realmente gostaríamos de fazer [“se não tivesse ninguém olhando...”].
Além de castrar nossas emoções, a sociedade adora classificar sentimentos humanos em certo ou errado. Qualquer forma de maniqueísmo é simplesmente abominável, o mundo é demasiadamente complexo para classificarmos qualquer coisa apenas como certa ou errada, sobretudo em relação aos sentimentos humanos.
Todos nós nascemos livres, até mesmos os mais coniventes e alienados possuem um desejo inócuo de liberdade. Porém nos encontramos conformados, aceitando o hábito transmitido de geração após geração, até mesmo no tocante aos relacionamentos amorosos, sem sequer levantarmos qualquer indagação a fim de verificar se aquele tipo pré-determinado de relacionamento nos agrada e corresponde às nossas expectativas pessoais. Tendo em vista que a maioria das pessoas não faz a menor idéia do que está fazendo no mundo, ignorar tais questionamentos no âmbito amoroso é compreensível.
Há aqueles que refletiram, sentiram seu coração e se encontram felizes dentro do esquema padrão de relacionamento, no qual ocorre uma troca de posse mútua, usualmente conhecida por relacionamento monogâmico. Você passa a ter posse sobre o seu parceiro e vice-versa, isso ocorre, entre outras coisas, pela demonstração de fidelidade mútua. Mas acredito que existem aqueles que se sentem um tanto quanto frustrados dentro do atual padrão de relacionamento, porém, como é mais fácil mentir, burlar, enganar, do que serem sinceros com suas próprias consciências, infelizmente eles ainda optam pela forma tradicional de relacionamento e cometem as maiores barbaridades com os sentimentos alheios, por que poligamia é feio, bonito é o que os olhos não veêm.
Dificilmente encontramos problemas com a nossa própria liberdade, não conheço quem se queixe do excesso de liberdade. “Não, estou bem obrigada“. Lutar pela própria liberdade não é tão heróico quanto parece, na verdade, no atual contexto histórico é tudo o que importa, não é mesmo? Lutar pela igualdade ou pela liberdade do próximo, isso sim é heróico. Respeitar que aquilo que você ama não é só seu, não lhe pertence por completo e encare, não precisa só de você para ser feliz.
Lembre-se, estamos falando de dois seres humanos. Seria ridículo falar em transferência de posse, são dois indivíduos distintos, com anseios e necessidades também distintas. Entretanto, a idéia de posse é outro elemento que juntamente com a já citada liberdade individual configura os princípios mais difundidos em nossa sociedade neoliberal. Basta olhar ao nosso redor, tudo consiste em enaltecer aquilo que é seu. Isso é meu, meu, meu, meu. A namorada é minha, minha, minha, minha. O infeliz é que o pronome possessivo acaba sendo infinitamente mais utilizado na primeira pessoa do que na segunda. Que tal deixarmos o pronome possessivo ser nada mais que um pronome?
Temos a péssima mania de nos encontrar apaixonados por sonhos, protótipos de seres humanos que gostaríamos de namorar. Projetamos também uma imagem de quem gostaríamos de ser aos olhos de nossos parceiros, geralmente uma versão mais casta do que realmente somos. Aos poucos as pessoas vão se revelando, os anos vão passando, e o relacionamento está mais maduro, então, surpresa, olha quem você está namorado.
No fundo, todos nós gostamos da sensação de sermos adorados. Celebre a arte milenar do xaveco, não se puna por isso, nada como alimentar nossos egos através de flertes e jogos amorosos. Junte a sensação aprazível proporcionada pelo flerte com a necessidade de liberdade e terá elementos suficientes para afundar um relacionamento tradicional. A menos que o serviço sujo seja bem feito.
Ciúmes é defeito, não prerrogativa de quem ama. Defeito este que deveria ser controlado em doses homeopáticas, ao contrário do que ocorre, quando é praticamente exibido como demonstração de afeto. Ciúmes é resultado da combinação excessiva entre orgulho e posse. Sentimos ciúmes quando nossa posse está sendo ameaçada e/ou quando nosso orgulho esbarrou em alguma coisa. Considerando, também, aquele ciúme proveniente da insegurança humana. Esse último se encontra presente também no relacionamento aberto, bem como eventuais problemas com o ego, entretanto o ciúme por posse já não existe no relacionamento aberto, pois fere a liberdade do indivíduo, fere quem somos e nos mantêm infelizes. Visto que já discutimos que nenhum ser humano nasceu para viver preso, castrado.
No tocante aos ciúmes por insegurança, são falhas, fraquezas humanas, portanto compreensíveis. O ciúme por insegurança reflete um medo enorme de perder aqueles que amamos, um risco que, infelizmente, todos nós corremos, inclusive no relacionamento fechado.
Quanto ao ciúme por orgulho, invariavelmente iremos sofrer conflitos internos relacionados ao nosso ego ao perceber que a pessoa a quem amamos também poderá se divertir sem nós. A idéia da independência conquistada pelo parceiro é indigesta, mas todos nós sabemos que a proibição só aumenta ainda mais o desejo de ser livre.
Cada indivíduo nasceu sozinho e morrerá sozinho, então é melhor encarar que não nascemos juntos, não morreremos juntos, e, então, por que precisaríamos passar todos os momentos felizes juntos? Apesar de amarmos vários amigos não significa que precisaremos sair com todos eles, ao mesmo tempo, todas as vezes.
Não existem pessoas perfeitas, logo você sempre encontrará pessoas que em alguns aspectos supera o seu parceiro, mas você ama o seu parceiro pelo conjunto, o melhor conjunto é o que faz escolhermos uma pessoa em detrimento de outra. Porém, quando confrontarmos os defeitos daqueles que amamos sempre nos lembraremos das outras pessoas que conhecemos e que não possuem aquele defeito, pensaremos como poderia ser melhor. Muitas vezes deixamos de fazer coisas em nossas vidas porque nosso companheiro não possui determinado gosto, ou simplesmente não quer partilhar contigo aquela experiência. Mas aquela experiência é tão única que você se encontra frente a duas soluções: passa pela experiência sozinho e perde a companheira ou então abre mão da experiência. Existe, claro, a terceira opção que nos leva à mentira. Nós vivemos apenas uma vez, existem possibilidades únicas em nossas vidas, você as deixaria passar apenas porque quem você ama não quer? Ou simplesmente não curtirá tanto quanto você passar por aquele momento?
Pense na idéia de aproveitar o que cada pessoa tem de melhor, de mais virtuoso, nem que seja apenas uma companhia mais agradável em um determinado lugar do mundo. Naquele determinado lugar, você prefere aquela determinada pessoa. E ficar com essa pessoa apenas porque aquele lugar era especial e encaixa-se perfeitamente com ela não altera em nada o sentimento que você tem pela sua companheira.
Se fosse apenas uma traição, em um relacionamento falso e monogâmico, aquela noite seria esquecida e não faria a menor diferença em relação ao sentimento que nutre por sua parceira. Sentimento, é isso que importa acima de tudo, não? Uma noite, por melhor que seja, ainda não será suficiente para abalar o relacionamento oficial. Se for o suficiente, então talvez esteja na hora de fazer escolhas. Mas essas escolhas devem acontecer qualquer que seja o relacionamento, ninguém deve manter-se contentado e infeliz com o que tem, insistir em algo que nem ele próprio acredita que dará certo apenas por medo de arriscar.
A mente humana é fantástica. Vamos a um exemplo prático. Um casal sempre enfrenta problemas, momento ideal para reparar que a nova secretária do escritório é uma gracinha. Porém, como o relacionamento é fechado você não poderá fazer nada com a secretária. Eis que então você começa a alimentar, dia após dia, a vontade de ficar com a secretária, em segredo, para não prejudicar o seu casamento, afinal, você ama sua esposa, porém está descontente com ela em alguns pontos, ou, simplesmente achou a secretária espetacular. Se você realmente ficasse com a tal de secretária talvez no dia seguinte toda a graça e desejo já não estariam mais presentes. O assunto nunca causaria problemas para o relacionamento.
Entretanto, você não ficou, pois você é um marido fiel. Acontece que dia após dia, cada vez mais o desejo pela secretária cresce e toda vez que a sua esposa apresenta algum defeito este parece ainda maior porque na sua cabeça você seria mais feliz com a secretária. A secretária, enquanto ainda está no plano inalcançável, é um sonho, e todo sonho parece ser ainda melhor do que realmente é.
Um belo dia, cansado de todas as brigas, de todos os conflitos, de todos os defeitos que sua esposa apresenta e comparando suas qualidades com a secretária desejada, supomos que então você se separe a fim de não cometer o adultério. Quando você realmente ficar com a secretária você não estará descobrindo se ela é a pessoa da sua vida, trata-se de apenas um desejo que calhou na hora errada. Muito provavelmente após dias, semanas ou meses, você perceberá a burrada que cometeu.
A proporção do estrago que uma simples secretária espetacular poderá fazer em um relacionamento fechado é infinitamente maior do que em um relacionamento aberto. Como já exposto, em um relacionamento aberto a secretária seria apenas uma noite espetacular e fim de papo. Não criaria especulações, sonhos e fantasmas. Seria uma noite e nada mais. E sua esposa seria sua confidente, e se ela quisesse vocês até conversariam a respeito.
Vamos à parte burocrática. Todo relacionamento possuí normas, traição é trair a confiança, prometer algo e fazer outra coisa. Logo, relacionamento aberto é absurdamente diferente de consentimento de chifre, popularmente conhecido por “corno manso”. Relacionamento significa relacionar, dividir, compartilhar, ao menos deveria significar, portanto tudo o que se passa no relacionamento é exposto da forma mais transparente possível.
Primeiro passo: é necessário verificar se os dois possuem maturidade para encarar o relacionamento. Ambos precisar estar na mesma sintonia e acreditar nas mesmas coisas. Isso leva tempo e reflexão sincera sobre o assunto. Em um relacionamento habitual, usualmente, as pessoas simplesmente deixam rolar e raramente planejam o relacionamento. No relacionamento aberto é necessária uma conversa franca antes de iniciá-lo. O Relacionamento Aberto requer muita maturidade e consciência do que está por vir, para pessoas imaturas e fracas aconselho que permaneçam na habitual forçada monogamia. Relacionamento aberto não é brincadeira, é necessária muita seriedade e responsabilidade. Afinal, não adianta construir um relacionamento aberto para continuar mentindo.
Segundo passo: é necessário estipular normas e regras gerais. Cumpre-se necessário deixar claro que o casal oficial é o casal oficial. Logo, manter casos ou vínculos não será permitido. Em suma, ficar com qualquer pessoa que ameace o posto do parceiro oficial. Ou seja, você pode ficar com outras pessoas além do seu parceiro só não pode alimentar esperanças dessas outras pessoas, permitir que elas almejem o posto de sua namorada. Para isso é necessário deixar bem claro a relação. Você possui namorada sim, só que o relacionamento é aberto, portanto você poderá ficar com outras pessoas. Não existem várias (os) “namoradas”(os), namorada(o) é apenas uma(um), as (os) outras(os) são esporádicas(os) e não possuem vínculo afetivo. Entre as regras também é interessante estipular algo em relação aos ex-namorados, ex-ficantes e etc.
Neste caso as pessoas costumam argumentar que o relacionamento aberto permite que nossos parceiros se apaixonem por outras pessoas. Errado! Ninguém consegue proibir ninguém de se apaixonar. Esse é um risco que todos nós corremos, infelizmente, não podemos evitar que duas pessoas fiquem juntas, se assim elas desejarem, qualquer que seja o relacionamento. A única forma de evitar seria castrar a liberdade de nossos parceiros, os mantendo presos a nós como se a nós pertencessem. O que devemos nos lembrar é que estamos sujeitos a nos apaixonar por outro alguém todos os dias, não necessitamos da menor razoabilidade para nos apaixonarmos, não precisamos de um contato físico para nos apaixonar, basta estar vivo.
A priori, todos nós nascemos livres. Pegue a estrada, ligue o som, e dirija até onde o coração deixar. Amor está mais para companheirismo do que para posse. Você não precisa ser dono de ninguém, nem nunca será, mas poderá ser seu melhor amigo, seu melhor companheiro. Quem ama sente ciúmes? Mentira, quem ama compartilha, acompanha. A idéia da monogamia é romântica, muito bonita, mas é extremamente utópica. Em um mundo de posses, o relacionamento é apenas mais uma.
Talvez você não tenha concordado com nada do que leu até agora. A idéia apresentada é difícil e deve ser digerida aos poucos. Se mesmo assim não conseguir aproveitar nada, ao menos se lembre que não é necessário abandonar sua vida social enquanto namora.
Seu parceiro pode ser seu melhor companheiro de farra, seu melhor parceiro de dança, seu amigo da curtição. Existem milhares de coisas maravilhosas no mundo pelas quais você pode passar, e por que não passá-las ao lado da pessoa que você ama? Tens vontade de experimentar algo novo? Convide-a. Não há necessidade para encarar o compromisso conjugal como uma fase séria e chata, monótona, e a vida de solteiro como agitada e encantadora, porém vazia.
Não há necessidade de escolher entre um ou outro, escolher entre ter todos e não ter ninguém ou ter apenas um enquanto queria ter todos. Se ainda não está preparado para ousar, ao menos tente aproveitar um pouco mais a vida ao lado de quem você ama e não se exclua do mundo apenas por ela. E, sobretudo, não tente brincar de ser certinho quando você sabe que nasceu torto.
“Eu fui à Floresta porque queria viver livre. Eu queria viver profundamente, e sugar a própria essência da vida… expurgar tudo o que não fosse vida; e não, ao morrer, descobrir que não havia vivido”. [Henry David Thoreau, Walden, or life in the woods]