Pensando com Kant sobre os problemas da Metafísica e a possibilidade do conhecimento
A História da Filosofia é como uma cartola nas mãos de um mágico, ela sempre traz uma nova surpresa, desvelando pensamentos raros como este que adiante será apresentado. Contudo, apesar da sua grandeza, como outros pensamentos, apresenta pontos que valem a pena serem discutidos, algumas questões levantadas pelo autor merecem ser retomadas para que novas reflexões se tornem frutuosas.
Este artigo não tem a pretensão de “consertar” o pensamento kantiano, mas através dele, pensar sob um ponto de vista diferente dos já conhecidos. Kant não pode ser reduzido ao que será exposto a seguir, pois serão tomados apenas alguns temas relacionados à Crítica da razão pura. São problemas referentes, principalmente, à Metafísica e à possibilidade do conhecimento.
Kant está inserido num contexto em que estão fortes duas correntes de pensamento – “racionalismo” e “empirismo” – o que não quer dizer que um pensador que faça parte de uma dessas linhas reduza a sua reflexão a somente ao que ela se propõe, mas, como filósofos, suas reflexões são bem mais abrangentes. Nesse sentido, Kant busca demonstrar que os princípios básicos da ciência são universais e necessários, ou seja, a priori. E, ao mesmo tempo, Deus, liberdade e imortalidade não são objetos da ciência, estes são objetos metafísicos e não podem ser conhecidos, mas somente pensados.
Somente são passíveis de conhecimento os objetos que se dão no espaço e no tempo. Contudo, está intrínseco no homem a busca de conhecer o que está além da experiência. Com isso, a razão se abrange, mas, mesmo assim, ela não consegue abarcar (conhecer) o que está fora do espaço e do tempo.
Desse modo, fica claro que espaço e tempo são condições de possibilidade para o conhecimento, são formas puras (a priori) da intuição sensível e, portanto, formas próprias do sujeito. O caminho percorrido por Kant para tentar solucionar as questões metafísicas foi através do dualismo: fenômeno-nôumenon, ou seja, distinguir o reino da experiência daquilo que transcende a experiência (objetos metafísicos). O motivo pelo qual os problemas metafísicos parecem insolúveis é, exatamente, porque o entendimento é limitado, conseqüentemente, os limites da experiência constituem os limites do conhecimento.
Sendo assim, problemas referentes a Deus, à liberdade e à imortalidade não podem ser discutidos em matéria de conhecimento, mas de razão, sendo tratados, por exemplo, pela Moral. Deve-se, então, delimitar o conhecimento e não se contentar com idéias fora da intuição sensível. As idéias devem ser verificadas sensivelmente para constituir conhecimento. A experiência consiste na aplicação do entendimento a sensações e, o mundo conhecido (situado no espaço e tempo) é o resultado desta aplicação.
Percebe-se que a reflexão conduz à concepção de que não é possível a Metafísica como ciência, pois seus objetos não podem ser conhecidos, mas apenas pensados. Essa conclusão gera uma discussão que até os dias atuais ainda são pertinentes. Ao conceber que a Metafísica não é ciência, acarreta que outras disciplinas como Teologia, Ética e Psicologia, por exemplo, também não sejam ciências.
Quanto à possibilidade dos juízos sintéticos a priori, sabe-se que eles derivam de conceitos a priori, que são constitutivos da mente humana. Esses, além de serem anteriores à experiência, universais e necessários, ampliam o conhecimento, pois o predicado do juízo acrescenta algo ao sujeito. Ao contrário dos analíticos, que apresentam apenas desmembramento de conceitos. Por exemplo, ao descobrir o espaço e o tempo como formas a priori, Kant pôde dar grande contribuição à Matemática e à Geometria, segundo ele, suas proposições são necessariamente verdadeiras, porque são descrições formais das estruturas a priori de espaço e tempo, respectivamente.
Portanto, é imprescindível o uso puro da razão, pois usá-la dogmaticamente não é o caminho correto no processo de crítica de sua própria limitação em busca da ciência transcendental. Uma base segura, ou seja, um conhecimento bem fundamentado é um passo significativo para que as questões metafísicas possam ser discutidas.
Tal processo ocorre na relação sujeito-objeto, dessa forma: o sujeito capta as representações dos objetos pela sensação, na razão forma-se uma “imagem” e, conseqüentemente, o entendimento forma um conceito que, posteriormente, comporá juízos. Na Lógica formal esse processo é claro, chamado de “atividades do espírito”.
Todo esse processo se dá no espaço e no tempo e, portanto, percebe-se o quanto é importante o esclarecimento sobre tais conceitos. Neles são possíveis as intuições externas e internas dos fenômenos no sujeito, mas somente como aparecem, pois a coisa em si de cada objeto não é possível conhecer, faz parte do mundo noumênico.
O ego transcendental é a base de toda a discussão acerca do conhecimento, pois é o sujeito que conhece. O próprio Kant denomina “Revolução Copernicana” o fato de que não é a consciência que se adapta às coisas, como é o pensamento tradicional, mas as coisas devem se adaptar à consciência.
Trata-se de uma questão em que há muitas controvérsias entre os vários historiadores da Filosofia, alguns afirmando que esta inversão já havia acontecido no pensamento cartesiano. Parece haver mérito de Kant na reflexão, visto que, para Descartes, o objeto era um problema quanto à sua existência verdadeira ou não. Para Kant, a existência dos objetos é clara e eles que se adequam aos conceitos da razão.
Portanto, Kant torna-se referência não só em matéria de Teoria do Conhecimento, mas o seu pensamento é marcante em toda reflexão do período contemporâneo, sendo, também, relevantes seus problemas metafísicos e éticos. Ele é protagonista de um pensamento muito complexo, dessa forma, todo escrito sobre ele é uma pequena parcela de interpretação acerca de algo que é muito superior e que, por conseguinte, um simples comentário não é capaz de abarcar a sua totalidade.
Edir Martins Moreira, graduando em Filosofia pela FAM