Existe um bem mais precioso?

Prólogo:

Já não pulamos mais no pescoço de quem amamos e tascamos-lhe aquele beijo estalado, ansiado, molhado. Na cama já não valorizamos os folguedos preliminares como dantes, temos pressa e receio de acordar as crianças com nossos arroubos sentidos. Não queremos escandalizar a vizinhança, sempre à espreita, com nossos gritos e gemidos.

Reprimimo-nos por conveniências sociais, familiares e religiosas. Abrimos mão de prazeres apenas sonhados, fantasiados nas madrugadas tristes de nossa solidão nefasta. Fabricamos fantasmas, trancamo-nos em nossas casas, enaltecemos nossos medos como as crianças fazem com a vantagem de vivenciarem uma fase passageira.

O denodo acabou. Transformamo-nos em "vacas de presépio" dizendo amém a todas às desgraças e mazelas sociais. Somos obrigados a tudo e, no entanto, quando queremos colo, proteção, ninguém nos ampara. Estamos sós nesse mundo cão que nos devora. Sentimos medo, mas não reagimos.

E assim, vamos ganhando tempo, enquanto envelhecemos na mesmice mesquinha da mediocridade crescente. De uma coisa tenho certeza: para mim a Santa jamais deixará de ser Santa, assim como a noite de 17 de outubro de 2008 jamais será esquecida. Essa noite foi absorvida pelos espíritos em festa. Foi iluminada pela confirmação da acrisolada visita desejada e consumada com a posse consentida na casa dos sonhos coloridos.

Valorizemos a vida. Nossas vidas precisam ser valorizadas. Que sejamos racionais, mas lutemos intimoratos por nossos sonhos, conquista de nossos ideais... E, principalmente, que não digamos apenas EU TE AMO, mas ajamos de modo que aqueles a quem amamos, sintam-se queridos e amados mais do que se saibam e imaginem ser amados e desejados.

Após esse devaneio que sei será compreendido apenas por quem se comprometeu e comigo vivencia, às escondidas, uma fase colorida, diferente, talvez reprovável, passarei a urdir sobre o questionamento proposto, demasiado complexo: Existe um bem mais precioso?

A água? O alimento? O amor? A paixão? O sexo? As virtudes teologais? os filhos? A família? A vida? A natureza como um todo? Não. Dentre os bens relacionados e tantos outros que poderiam ser citados, não existe um bem mais precioso do que outro.

Todos são importantes e preciosos. Todos são essenciais à felicidade e à existência digna, pacífica e fraterna. Quero, todavia, destacar o direito à vida. A Constituição de 1988, no art. 5o, garante “a inviolabilidade do direito à vida”. A de 1946 (art. 141) e a de 1967 (art.150) asseguravam “a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade”.

Surpreende a constatação de que, embora um direito originário, condicionante dos demais direitos da personalidade, um direito fundamental absoluto, não teve a necessária visibilidade nas Constituições anteriores (1891, 1934, 1937), que tutelavam os direitos “concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade”, sem nenhuma referência direta ao direito-matriz, o direito à vida.

O direito à vida integra-se à pessoa, categoria humana, desde o primeiro momento de existência intra-uterina até o óbito, abrangendo o direito de nascer e viver, de trabalhar e subsistir (art. 7o, art. 203, III, CF/88), de ser socialmente assistida (art. 203, CF/88), de receber alimentos (art. 5o, LVII, CF/88), não importando se nascitura, criança, adolescente ou idosa (art. 203, 227, § 1o, 230, CF/88, Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso) ou se portador de anomalias físicas ou psíquicas (art. 227, §1o, II, CF/88).

A Ordem Jurídica respeita e protege, assim, o bem supremo que é a vida humana, em todas as fases de sua manifestação.

O Estado protege esse direito tão sagrado a ponto de permitir que um desequilibrado “case e batize”, cometendo crimes hediondos diversos ou continuados, tripudiando sobre os sentimentos alheios, zombando das leis, da sociedade e das autoridades, e ai daquele que lhe der um beliscão pelas estripulias ensandecidas que foi conscientemente capaz de premeditar, meticulosamente, e cometer.

A proteção de qualquer ente humano, até de um meliante é aplaudida, defendida “com unhas e dentes” (Aguerridamente, com grande denodo) pelos defensores dos direitos humanos.

Assim acontece no caso concreto com a mais rumorosa situação do triste episódio Eloá. Os médicos do Centro Hospitalar de Santo André, no ABC, aguardam a decisão da família da estudante Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, sobre doação de órgãos (ao que tudo indica, os noticiosos confirmarão, isso já foi decidido). A adolescente, que foi mantida refém durante mais de 100 horas pelo ex-namorado, teve morte cerebral confirmada às 23h30 deste sábado (18/Out).

Eloá e a amiga, Nayara Silva, de 15 anos, ficaram feridas no desfecho de um seqüestro que durou mais de 100 horas. Na segunda-feira (13/Out), por volta das 13h30, motivado por ciúme, Lindemberg Alves, de 22 anos, antes considerado calmo pelos amigos, invadiu o apartamento da ex-namorada e chegou a manter quatro reféns.

No mesmo dia, ele libertou dois adolescentes que estavam no local para realizar um trabalho escolar de geografia. No dia seguinte, libertou Nayara. Entretanto, como parte das estratégias de negociação (não se discutirá no momento se foi uma decisão certa ou errada, mas entendo que com bandido armado, louco e municiado não se deveria abrir mão do controle da situação), a adolescente voltou ao apartamento na manhã de quinta-feira (16/Out).

Ora, se o Estado tem a obrigação de proteger a vida dos seus concidadãos por que Eloá e seus amigos não foram protegidos das ações de um louco enfurecido e possível oligofrênico? Conveniência social? Política? Religiosa? Em um texto pretérito escrevi:

"E, se a tua mão direita te escandalizar, corta-a e atira-a para longe de ti, porque te é melhor que um dos teus membros se perca do que seja todo o teu corpo lançado no inferno". (Mateus 5,30). (Texto – Por que o crime compensa?).

Por favor, concordem ou não com meu espírito que ora grita em subida agonia, mas o bandido Lindemberg Alves poderia sim ter sido abatido com um tiro de comprometimento pelo pessoal do GATE.

Não sou atirador de elite, mas com minha maquineta PUMA Modelo 67, com cartucho calibre .357 Ponta Oca Expo. 158 Gr ou SPL + P + Gold Ponta Oca .38, a uma distância de 100 metros, consigo explodir alvos com dimensões de 5cm x 9cm (proximadamente o tamanho de uma testa humana).

Ora, o pessoal do GATE tem treinamento para a execução de tiro de comprometimento a uma distância bem maior do que míseros 100 metros. O criminoso não foi detido em sua (dele) sanha, mas a menina Eloá e toda a sua família e amigos sofreu e sofrerão as conseqüências.

Claro que se tivesse acontecido isso (tiro de comprometimento) o Estado seria criticado por toda a sociedade, principalmente pelos representantes dos direitos humanos, por ter tirado a vida de um jovem apaixonado, pobre homem de bem, trabalhador, rejeitado, e por se encontrar apenas em crise de corno enfurecido ou “corno de biqueira” (No Estado da Paraíba se usa muito essa expressão).

Algum leitor religioso poderá pensar ou mesmo dizer: “Ora, doutor, o senhor está incentivando a barbárie? Incentiva o exercício arbitrário das próprias razões ou como é mais conhecida a vingança privada?”. Não. Em absoluto. Apenas defendo o direito à vida!

Vejamos o que preestabelecem os artigos 23, 24 e 25, do Código Penal Brasileiro:

Art. 23, do CPB - Não há crime quando o agente pratica o fato:

I - em estado de necessidade;

II - em legítima defesa;

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Excesso punível.

Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

Estado de necessidade.

Art. 24, do CPB - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

Art. 25, do CPB - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Naquela ocasião todos os reféns estavam em estado de necessidade. A menina Eloá poderia estar viva e feliz, embora traumatizada com a violência sofrida. O agente do GATE que apertasse o gatilho e abatesse o criminoso que se encontrava armado, municiado, desequilibrado e furioso seria inimputável por força dos artigos 23, 24 e 25, todos do Código Penal Brasileiro.

Agora não tem mais jeito. Não adianta lamentar-se do que já é irremediável. A fera Lindemberg Alves terá todos os benefícios de nossas benevolentes leis e após cumprir apenas 1/6 da pena a que for condenado terá direito a progressão do regime prisional, isso sem contar com as demais benevolências da Lei em vigor, isto é, total proteção estatal.

Vejamos o que preestabelece a Lei de Execução penal (Lei 7.210, de 11 de julho de 1984):

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será:

I - material;

II - à saúde;

III -jurídica;

IV - educacional;

V - social;

VI - religiosa.

SEÇÃO II - Da Assistência Material

Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.

SEÇÃO III - Da Assistência à Saúde

Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.

§ 1º (Vetado).

§ 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.

Lendo os artigos 10 a 14 da supracitada lei juro que dá vontade de ser bandido e não um simples autodidata, eletricista, trabalhador braçal, um homem de bem. Por que escrevo isso? Ora, sabe-se que em nosso sofrido país muitos pais de família não têm três refeições por dia e os benefícios citado no artigo 11 da Lei de Execução Penal.

Esse será o tratamento “VIP” que terá o criminoso que destruiu a vida da menina Eloá e de sua família. Para o causador dessa tragédia o crime compensou porque o Estado o protegerá! Mesmo que seja condenado a 120 anos de reclusão pelos crimes praticados ele terá os benefícios do artigo 112, da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal).

Art. 112 da Lei 7.210/84 - A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

§ 1o - A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor.

§ 2o - Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.

O sistema penal brasileiro consagra o regime progressivo no cumprimento da pena. Os critérios para a progressão estão delimitados no artigo 112, da Lei 7210/84 (Lei de Execução Penal), cujo Capítulo I, do Título II, regulamenta a "Classificação", dispondo o artigo 5º: "Os condenados serão classificados, segundo seus antecedentes, para orientar a individualização da execução penal".

Pela classificação, a lei concretiza os princípios constitucionais da igualdade, personalidade e proporcionalidade. De acordo com o artigo 6º, essa Classificação deve ser feita por uma Comissão Técnica interdisciplinar, cujo trabalho, além da finalidade de individualização da pena, é destinado, também, a fornecer elementos para que as autoridades decidam sobre progressões e regressões do regime prisional, conversões de penas, livramento condicional etc.

Para a concessão do livramento condicional, o Código Penal (art. 83) condiciona à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinqüir.

Resumindo: em um primeiro momento, o exame tem por objetivo a individualização da execução, devendo ser, então, realizado logo após o ingresso do condenado na instituição penitenciária, ocasião em que a Comissão Técnica de Classificação deve colher os subsídios para se determinar a medida mais adequada para cada indivíduo recluso; posteriormente, os exames criminológicos, realizados no curso da execução, têm como escopo aferir a personalidade, a conduta social, os antecedentes e o comportamento carcerário do sentenciado. São feitos por um corpo técnico especializado e multidisciplinar, composto por psiquiatras, psicólogo e assistente sociais.

A Lei 10.792/03 deu nova redação aos artigos 6º e 112 Lei 7.210/84, dispensando o parecer da Comissão Técnica de Classificação e o exame criminológico, para as progressões e regressões de regime, as conversões de pena, livramento condicional, indulto e comutação.

Fica mantida a exigência de exame para classificação, que deve ser realizado ao início da execução, embora se deva registrar que esse exame não tem sido feito, na prática.

O sistema progressivo, adotado pelo Código Penal e explicitado pela Lei de Execução Penal sofreu profundas alterações decorrentes da nova redação, pois se exclui de forma expressa o parecer da Comissão Técnica de Classificação e o exame criminológico. Contudo, não se modifica o aspecto objetivo, vale dizer, para progredir, o condenado deverá ter cumprido ao menos 1/6 da condenação, e os aspectos relacionados ao mérito são substituídos, apenas, pelo ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. Não definiu a Lei o que seja o bom comportamento carcerário.

Sei que os termos técnicos, assim como a transcrição de artigos e parágrafos de uma determinada lei é maçante. Vou encerrar meu texto escrevendo e concluindo da forma que se segue:

Todos os homens podem, e devem, em qualquer circunstância, considerar que a vida é bela e viver de acordo com isso. Ninguém tem motivos para a considerar desprovida de nobreza e grandiosidade.

A dor e as contrariedades sempre fizeram parte da vida dos homens, e nem por isso eles deixaram de a amar e tentar superar suas dores, mágoas e descrenças crescentes nas instituições sejam elas democráticas ou não.

Mas acontece que nesta vida se sofre realmente, e que - ao contrário do que antigamente sucedia - aqueles que sofrem são agora muitas vezes abandonados pelos outros, principalmente por quem detém o poder e a responsabilidade e têm de viver sozinhos com a sua dor, à qual se acrescenta, então, a dor enorme da solidão, da perda de um ente querido, o desaparecimento de uma criança menina-moça na flor da idade como foi o caso da menina Eloá.

Sua família chora. Quem tem filhos chora. Chora toda a sociedade brasileira pela desídia de quem pode mudar esse estado de medo em que se encontra a sociedade até que surja outra desgraça familiar.