IGNOTO DEUS (AO DEUS DESCONHECIDO)

A Divina Liturgia foi durante séculos e continua hodiernamente sendo aonde há o encontro com a Poesia que se fez carne, Jesus, o Cristo. Perscrutá-la é tentar compreender o mysteryum fides (mistério da fé), e perceber quão profícua é para a espiritualidade de cada um. Por isso, convido-vos a vos lançar nessa meditação e perceber a sua espiritualidade, sendo a Nova Aliança entre o divino e o humano, em que “Jesus é o rosto divino do homem, e o rosto humano de Deus”.

A palavra liturgia significa originalmente “obra pública; serviço da parte do povo e em favor do povo”. Partindo do pressuposto que seja uma “obra pública”, as Igrejas nada mais são do que a manifestação da fé particular que é comum aos demais, por isso, comunidade de fé. Ela é muito mais do que sacramentos, isto é, sinais sensíveis (palavras e ações), acessíveis à humanidade é o píncaro para o qual tende toda ação, e ao mesmo tempo é a fonte donde emana toda a sua força, sendo Cristo Caputis Eclésiam (Cabeça da Igreja) o seu coração chama-se Liturgia.

A Augusta Liturgia tem dinamismo próprio, algumas vezes é preciso ficar em pé, outras sentar-se, ouvir a leitura ou cantar, seguirá um ritual e uma ordem que é fixa e mesmo que queira constantemente mudá-la sempre ficará preso a ela. Em nossas missas não foge a regra, é preciso percebê-la com olhos de poeta, já que “a missa é a coisa mais absurdamente poética que existe. É o absolutamente novo sempre” (Adélia Prado). Como não ficar estarrecido ao concelebrar uma missa do Santíssimo Sacramento no qual o Deus-poeta olha nos olhos e diz a cada um: “eu os lacei com laços de amizade, eu os amarrei com cordas de amor” (Os 11,4); “amei-te com amor eterno” (Jr 31,3) ou ainda “vê que escrevi teu nome na palma da mão [...] tenho sempre diante dos olhos” (Is 49,16) e continua “guardo-o como a pupila de meus olhos” (Dt 32, 10).

Como possui dinamismo própria há momentos em que é mister buscar o silêncio sagrado, mas atualmente tal silêncio é impossível achá-lo já que os cantos não nos deixam. Será que o silêncio é assustador? O medo nasce do silêncio? Porque nas celebrações há sempre cantos barulhentos, com instrumentos ruidosos e microfones altíssimos? Isso “não facilita a oração, mas impede o espaço de silêncio, de serenidade contemplativa” (Adélia Prado).

O medo é para muitos a origem da religião, ou como muitos preferem a religião é uma resposta covarde ao vazio do universo. Quiçá, seja essa a resposta para compreender as celebrações sentimentais, isto é, o termômetro da fé e a força do pregador é se baseia “o quanto me emocionei ou chorei” no final celebração. Não se pode negar o valor sentimental, mas ser a base da Augusta Liturgia é medíocre, é esquecer o essencial que visa levar ao encontro com o Sagrado e, perceber a realidade com assombro. Ao ligarmos os televisores e os rádios perceberemos que todos os discursos são melífluos, agradáveis, por mostrar um Deus que resolve todos os problemas e nem mesmo a literatura escapa disso, por isso o século XX é caracterizado como o maior produtor de textos sobre Jesus, mais até mesmo que a Idade Média. Será que foi um oráculo do autor sagrado do evangelho de São João quando diz que “muitas coisas que Jesus fez e que, se fossem escritas uma por uma, creio que o mundo não poderia conter os livros que se escreveriam ?” (Jo 21, 25)

É perceptível que a religião tornou-se folclore, quiçá, por esquecer completamente o ser e preocupar-se mais com o “show da fé”, pois esse show tem resultados no aqui e agora. A linguagem que se usa na Divina Liturgia não convida e não conduz o prosélito a fazer uma experiência com Jesus, caso o faça será de maneira superficial já que o tempo é efêmero, e “o tempo seca a beleza, seca o Amor, seca as palavras” (Cecília Meireles). Por isso que os nossos clérigos deveriam fazer uso da palavra na Santa Missa para educar o povo com uma catequese-bíblica-liturgica e não transmitir devoção, ela não salva ninguém quem salva é a fé em Jesus, o Cristo. A “linguagem religiosa é linguagem da criatura reconhecendo que é criatura, que Deus não é manipulável, e que eu dependo dele para mover a minha mão” (Adélia Prado).

Deus é a raiz do ser, tendo como significado tal proposição para o homem que Deus é tudo: sua causa primeira e seu fim último, a fonte de sua vida, a luz da sua inteligência, a chama da sua esperança, o objeto do seu amor, “com Deus está em jogo toda a nossa existência, presente e futura, a maneira de entender a vida, nosso projeto de humanização, os valores fundamentais aos quais confiamos a realização de nós mesmo” (Mondim).

Logo, ao concelebrar a Divina Liturgia nunca esqueçam, reverendíssimos leitores, que o mesmo Jesus, o Cristo, que é oferecido na missa é o mesmo que temos que professar e demonstrar com nossa vida, SÓ SE CONHECE AQUILO QUE SE AMA, MAS SÓ AMAMOS AQUILO QUE CONHECEMOS, e quem têm ouvidos que ouça.

Dixit.