A 'UNE' E O CONGRESSO DE IBIÚNA - 40 ANOS
O texto a seguir foi elaborado a partir de uma matéria publicada no jornal “A Tribuna” de Santos no dia 12 de outubro de 2008 e complementado com memórias de pessoas que, como eu, viveram intensamente a época da ditadura em nosso País. Ficou um pouco longo, mas acaba sendo muito pouco por tudo o que muitos brasileiros e brasileiras passaram na época do regime militar. A todos, a minha singela homenagem.
Mais um episódio marcante ocorrido em 1968 que, segundo Zuenir Ventura, foi o ano que não terminou. Zuenir conseguiu a proeza de vender mais de 400 mil exemplares de sua obra onde relata de forma magistral o que foi esse tão badalado, decantado e, ao mesmo tempo, sombrio ano de 1968. Foi nesse ano que explodiram de vez os movimentos contrários à ditadura militar, especialmente pela marcha dos estudantes.
Já escrevi um artigo com o título “1968-2008” onde fiz um breve relato de alguns fatos marcantes ocorridos na época, associando-os aos festivais de música popular brasileira que tiveram o seu epicentro na Rede Record, na época pertencente à família Machado de Carvalho.
No presente texto pretendo relembrar os 40 anos do famoso Congresso da UNE – União Nacional dos Estudantes – que teria seu início no dia 12 de outubro de 1968 em Ibiúna, cidade localizada no interior do Estado de São Paulo, distante 80 quilômetros da Capital. O auge da reação popular de 1968 precisava de um marco, que acabou sendo esse Congresso da UNE, coincidentemente no mesmo dia da Padroeira do Brasil.
No presente texto pretendo relembrar os 40 anos do famoso Congresso da UNE – União Nacional dos Estudantes – que teria seu início no dia 12 de outubro de 1968 em Ibiúna, cidade localizada no interior do Estado de São Paulo, distante 80 quilômetros da Capital. O auge da reação popular de 1968 precisava de um marco, que acabou sendo esse Congresso da UNE, coincidentemente no mesmo dia da Padroeira do Brasil.
A UNE era tida como uma entidade dirigida por subversivos e, portanto, considerada ilegal pelos militares. Sendo assim a realização do tal Congresso seria uma reunião ilícita e mais de mil jovens, que acreditavam poder transformar o mundo, foram presos sob a mira de fuzis empunhados por mais de 200 soldados e policiais que não tiveram praticamente nenhuma dificuldade em dominar aquele bando de jovens desorientados e surpresos com o que estava acontecendo. Todos foram levados para as celas da ditadura com a pecha de “os piores delinquentes possíveis”.
Desde que ocorreu o golpe militar no Brasil em 31 de março de 1964, com a posse de Castelo Branco como presidente, os generais nunca haviam sido desafiados tão abertamente como nesse ano de 1968, mais especificamente através dos estudantes, o que para eles deveria ser uma tremenda vergonha. Moleques e molecas desafiando generais... Isso era um acinte e eles sentiram que precisavam demonstrar que ainda eram fortes.
O evento fora planejado para durar cinco dias e teria como objetivo básico escolher o novo presidente da UNE, além dos protestos contra o regime. Como a UNE era uma entidade clandestina, o assunto exigia sigilo, o que, infelizmente, não foi levado à risca. Há de se concordar que seria mesmo muito difícil manter secreta uma reunião onde estariam presentes cerca de mil pessoas, em uma cidade pequena e pacata como Ibiúna, que na época contava com uma população fixa de apenas seis mil habitantes.
Inúmeros carros chegando à cidade, jovens em profusão, muitos cabeludos e com roupas esquisitas para os padrões do tranquilo interior, chamaram a atenção de todos, e a notícia começou a se espalhar. Para se ter uma idéia, como muitos não haviam levado comida, um determinado grupo comprou, numa só noite, o estoque de pães suficiente para abastecer a cidade por uma semana. Deu no que deu.
Inúmeros carros chegando à cidade, jovens em profusão, muitos cabeludos e com roupas esquisitas para os padrões do tranquilo interior, chamaram a atenção de todos, e a notícia começou a se espalhar. Para se ter uma idéia, como muitos não haviam levado comida, um determinado grupo comprou, numa só noite, o estoque de pães suficiente para abastecer a cidade por uma semana. Deu no que deu.
Concorrendo à presidência da UNE tínhamos Jean Marc Von der Weid e o estudante José Dirceu, esse mesmo que foi ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula. Jean Marc viria a se eleger posteriormente num Congresso menor. Os dois candidatos tinham correntes de pensamentos conflitantes. A de Jean, ligado à chamada Juventude Universitária Católica, era focada no movimento das massas. A de Dirceu – ligado ao PC do B – envolvia uma teoria mais dirigida a pequenos grupos, como o dos guerrilheiros, por exemplo, do qual ele viria a fazer parte, tendo como destino a região do Araguaia.
Enquanto isso, as fichas dos presos eram analisadas uma a uma e a liberação ou permanência em detenção era determinada pelo grau de risco que, segundo os analistas, cada um oferecia. Uns ficaram detidos por dias, outros por semanas, e alguns por mais de um ano.
Entre a juventude prisioneira, esse acontecimento não foi levado tão a sério. Como não haviam sido separados de suas bagagens, muitos tinham comida e demais mantimentos. Um fato interessante é que, mesmo defendendo e apoiando o socialismo, ninguém dividia o que possuía com os demais. A bandeira do socialismo, ou seja, a decantada solidariedade socialista, foi exatamente até o ponto em que a fome falou mais alto. Mas houve casos de “companheiros” que seguiram os ideais do regime socialista à risca. Ter sua escova de dentes usada por um dos líderes do movimento fazia parte do “socialismo em questão”.
Entre a juventude prisioneira, esse acontecimento não foi levado tão a sério. Como não haviam sido separados de suas bagagens, muitos tinham comida e demais mantimentos. Um fato interessante é que, mesmo defendendo e apoiando o socialismo, ninguém dividia o que possuía com os demais. A bandeira do socialismo, ou seja, a decantada solidariedade socialista, foi exatamente até o ponto em que a fome falou mais alto. Mas houve casos de “companheiros” que seguiram os ideais do regime socialista à risca. Ter sua escova de dentes usada por um dos líderes do movimento fazia parte do “socialismo em questão”.
Depois de 1968 e do Congresso da UNE, o endurecimento do regime foi brutal, com a chegada do Ato Institucional número 5 (AI-5), que marcou a cassação de deputados federais e a criação dos senadores biônicos, que eram indicados pelo próprio regime. A imprensa foi totalmente amordaçada e era proibida qualquer reunião política. O Jornal da Tarde, pertencente ao Grupo “O Estado de São Paulo”, circulava com receitas de culinária no lugar de seus editoriais, em protesto contra a ditadura imposta à imprensa.
O Congresso de Ibiúna não foi realizado, o presidente da UNE não foi eleito na ocasião e praticamente nada foi feito do que havia sido planejado.
O Congresso de Ibiúna não foi realizado, o presidente da UNE não foi eleito na ocasião e praticamente nada foi feito do que havia sido planejado.
Mas, a partir desse ano de 1968 e da proibição de realizar-se o Congresso de Ibiúna, os valores da sociedade foram transformados e vieram a evoluir de uma forma bem profunda, através do aperfeiçoamento das relações humanas, principalmente depois das manifestações de contrariedade da juventude da época. E tudo isso teve seu início com o levante dos jovens estudantes contra a ditadura e o sonho de implantar o socialismo no Brasil. Não há dúvida de que o mundo passou a ser outro a partir dali. Foi quando o povo mostrou o quanto estava insatisfeito com os rumos do País dos generais.
Encerro este artigo com uma certa emoção ao relembrar alguns fatos da minha história e também com uma certa melancolia por sentir que a juventude de hoje está sem objetivos definidos, com dificuldades para encontrar um rumo de luta, vendo-se perdida no meio da selva da vida e procurando satisfazer somente a seus anseios, e não os da sociedade.
A única manifestação importante desses jovens estudantes ocorreu no ano de 1992 quando idealizaram o movimento chamado “caras-pintadas”, que pedia o “impeachment” do presidente Fernando Collor. O fato acabou se concretizando, não tanto pelo movimento estudantil que, nem de longe teve a força e o idealismo daqueles de 1968, mas sim pelos acordos políticos, ainda mais que a votação pelo “impeachment” foi transmitida ao vivo pela televisão e não ficava bem aos senhores políticos votarem contra o afastamento do presidente em exercício.
A única manifestação importante desses jovens estudantes ocorreu no ano de 1992 quando idealizaram o movimento chamado “caras-pintadas”, que pedia o “impeachment” do presidente Fernando Collor. O fato acabou se concretizando, não tanto pelo movimento estudantil que, nem de longe teve a força e o idealismo daqueles de 1968, mas sim pelos acordos políticos, ainda mais que a votação pelo “impeachment” foi transmitida ao vivo pela televisão e não ficava bem aos senhores políticos votarem contra o afastamento do presidente em exercício.
A sobrevivência da humanidade depende da força da juventude pois é ela quem vai adequar o mundo moderno àqueles que estão chegando agora.
Nossa geração conseguiu encampar muitas causas universais, trabalhando, lutando e, por vezes, dando a vida, para uma sociedade mais honesta e mais justa.
Então, sem medo de errar, eu afirmo: nós fizemos a nossa parte.
Nossa geração conseguiu encampar muitas causas universais, trabalhando, lutando e, por vezes, dando a vida, para uma sociedade mais honesta e mais justa.
Então, sem medo de errar, eu afirmo: nós fizemos a nossa parte.
Referências: Jornal “A Tribuna” de Santos
Entrevista de Júlio Penin Santos
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Santos, 13 de outubro de 2008