Vencendo com o Rei Davi (Sermo 08)
Hoje em dia, vários sistemas de pensamento, espiritualistas ou esotéricos, filosóficos ou cabalísticos tentam seduzir as pessoas, especialmente na hora do perigo, da dor ou da adversidade, procurando conduzi-las aos “controle da mente”, “literatura de auto-ajuda” ou “programação neurolingüística” para assim resolverem seus problemas. Toda a busca de solução de nossos problemas fora de Deus resulta em uma blasfêmia contra o Todo-poderoso. Por mais bem-intencionados que esses sistemas possam parecer (eu disse possam parecer) sempre resta neles algum fundo espúrio, que visa, antes de prestar uma ajuda, relativizar nossa fé e desvirtuar nossa pertença à Igreja.
O fato é que só há vitória quando Deus está ao nosso lado, Fora disto é ilusão, alienação e confusão doutrinária capaz de gerar desvios de fé e até problemas mentais. É prudente saber que “a nossa proteção está no nome do Senhor, que fez o céu e a terra” (cf. Sl 33,21).
Embora algumas visões fundamentalistas tentem enxergar no Antigo Testamento um compêndio doutrinário, observa-se que o que aparece ali é mais um conjunto de fatos históricos do que qualquer outra coisa. Na verdade, o contexto doutrinário que interessa à Igreja e aos fiéis se encontra no Novo Testamento. O Antigo nos relata a ocorrência de lutas do povo pela posse da terra, contra a natureza hostil e pela sobrevivência contra todo tipo de ameaças do mal.
No entanto, há um episódio, narrado no capítulo 17 do Primeiro Livro de Samuel que é emblemático a partir de sua pedagogia eminentemente libertadora. Como todos recordam, Israel estava em guerra contra os filisteus, também conhecidos como “os povos do mar”. Naquele dia as tropas se encontravam em Soco de Judá, perto de Azeca. Do meio dos filisteus saiu um guerreiro enorme, chamado Golias. Era quase um gigante. O estilo exagerado das narrativas judaicas afirma que era um homem de quase três metros, guarnecido por armadura, escudo e capacete que pesavam mais de cinqüenta quilos. Na arrogância de alguém mais forte ele desafiava: “Estou desafiando hoje o exército de Israel! Apresentem alguém, e lutaremos corpo-a-corpo” (v. 19).
Davi era um jovem pastor. Não era forte nem pertencia ao exército de Israel. Ele havia ido ao local da batalha para levar algum alimento para seus irmãos alistados na tropa de Saul. Quando viu a bazófia de Golias, Davi ficou indignado e se dispôs a enfrentar o desafiante. Ele sabia que o Senhor o ajudaria nessa batalha.
A nossa vida é cheia de desafios. Volta-e-meia somos confrontados com eles, através de batalhas terríveis movidas pelo demônio, nosso inimigo natural, que instrumentaliza pessoas, sistemas e elementos, com o fito de nos derrotar, gerando confrontos e embates, com o fito de nos desestruturar. Esta é a tática do inimigo. Também somos desafiados pelo pecado, nossas limitações, egoísmo, ganância, luxúria e tantos outros obstáculos que querem nos afastar do caminho certo. Davi enxergou o desafio e se dispôs a enfrenta-lo com a ajuda da mão de Deus, que sempre é fiel.
Quantas vezes, diante das dificuldades e das ameaças nos acovardamos e achamos que íamos ser derrotados? Em quantas oportunidades nos sentimos impotentes, incapazes de enfrentar o inimigo? Davi por certo experimentou esse temor, também.
Sabemos, pelas Escrituras, que ele não se acovardou. Respeitou a envergadura do inimigo, mas se dispôs a enfrentá-lo e a vencê-lo. Ele não tomou a possibilidade de luta contra Golias como um fato isolado, uma questão sua, mas encarou a batalha como uma coisa de Deus, pois era o exército de Israel, a tropa do Senhor que estava sendo afrontado. Uma das justificativas de enfrentar o enorme oponente seria a de mostrar a todos, não sua coragem ou sua perícia bélica, mas o poder do seu Deus: “...deste modo toda terra saberá que existe um Deus em Israel” (v. 46).
Na hora do perigo, a adversidade sabe que existe um Deus Todo-poderoso em nossa vida, ao nosso lado? Imbuído dessa certeza de vitória, Davi foi ao encalço do inimigo. Numa “bolsa de apostas” o combate entre o franzino Davi e o corpulento Golias teria uma proporção de cem por um. Imaginem um garoto magrinho, sem nenhum preparo, subir num ringue para enfrentar um Mike Tyson? Qualquer um de nós, diante de um desafio na vida, logo vai dizendo: “Eu não tenho como vencer essa batalha!”. Os hebreus estavam com muito medo de Golias. Olhavam para ele e fugiam (v. 24). Pois Davi foi lá e venceu. E por que venceu? Porque confiou, não no sistema, não na técnica, não nas suas aptidões, mas confiou no poder do seu Deus. Vamos ver os segredos da vitória (impossível) de Davi?
1. Não tema o poder da comunicação!
Golias usou a gritaria, a insistência. Durante 40 dias ele desafiou e buscou a intimidação. Como muitos, hoje em dia, ele tentou ganhar “no grito”. É assim que funciona: a mídia, a opinião-pública, os falsos amigos. Na busca de reciclar e padronizar o comportamento da sociedade, ela quer dividir, criticar, julgar e impor atitudes.
2. Não tema o peso do desafio!
Olhe para Deus e conscientize-se que ele é maior e mais forte do que qualquer perigo. A ele pertence a vitória! Saiba que tudo é possível àquele que crê. Não diga a Deus o tamanho de suas angústias (porque ele bem o sabe), mas diga aos seus problemas o poder do seu Deus. Se ocorrerem trevas em algum momento de nossa vida, é para que valorizemos como um dom a luz do amanhecer.
3. Não tema o poder da aparência!
Lembre-se que Golias era enorme. Sua aparência era assustadora, o que fazia seus inimigos tremerem e fugirem apavorados. Na vida da gente, às vezes o mal, a dúvida, as crises e as dificuldades são igualmente horripilantes, algo de meter medo. Com o intuito de nos assustar e nos fazer fugir, o mal vem revestido de falsas couraças, como a mentira, a propaganda falaciosa ou os maus conselhos de infiéis. O povo estava com medo de Golias. Davi, acostumado a matar leões e ursos resolveu enfrentá-lo, sem usar os qualificativos que os medrosos lhe davam, como “gigante”, “poderoso”, “assustador”. Apenas afirmou: “Pois bem, esse filisteu incircunciso, terá a mesma sorte dos leões e ursos que matei” (v. 36). Davi viu o mesmo homem que o povo viu. Ele correram, Davi atacou. Golias podia ser forte, mas não tinha o “pacto da aliança” com Javé.
4. Tenha discernimento espiritual!
São Paulo fez aos seus leitores e a nós também a seguinte pergunta: “Quem nos separará do amor de Cristo?” (cf. Rm 8,35). As coisas espirituais devem nortear nossa visão da vida e do mundo. No caso do apóstolo, ele menciona alguns obstáculos: Tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo e espada. São coisas que atormentam muitos de nós, hoje. Na epístola Paulo assinala que a fé, a confiança e o amor depositados em Deus nos tornarão mais que vencedores, graças àquele que nos ama. No caso do rei Davi há uma notável semelhança. O povo via a ameaça do enorme Golias. Davi enxergou a aliança de um Deus que ama seu povo e não o desampara. E a vitória aconteceu.
5. Use o melhor que você tiver!
Quando Davi decidiu lutar com Golias deram-lhe a armadura de Saul. Não serviu! Saul era mais alto e mais gordo que Davi. Além disto, por sua compleição franzina, o conjunto era por demais pesado, e o impedia de andar. As coisas dos outros (crendices, cultura, idéias, remédios, etc.) são boas para eles. Cada um conhece qual é a sua espada e o seu capacete. Para enfrentar todos os males da vida – enfrentar e vencer – use as virtudes e limitações que você tiver. Nós vencemos o mal, os perigos e todas as ameaças usando o cinturão da verdade, a couraça da justiça, o calçado do zelo, o escudo da fé, o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus (cf. Ef 6,14-17).
6. Use a profecia como arma!
O mal, antes de atacar, ofende, diz palavrão, radicaliza. Foi assim que fez Golias. No confronto de Soco de Judá (também conhecido como “Vale do Terebinto”), enquanto Golias amaldiçoava, Davi louvou e profetizou. Enquanto o gigante filisteu vociferava uma falsa confiança, Davi o repreendeu em nome do Senhor (a profecia) avisando que o mataria e cortaria sua cabeça. E não deu outra.
Para vencer as batalhas contra o mal precisamos ter fé, ser realistas e estar com os pés no chão. O inimigo se organiza contra você. As chamadas “teias de Satanás” que começam pelos programas de televisão, pelos impressos de má qualidade moral, pela corrupção e pelo laxismo social estão sempre se organizando contra as pessoas de bem. Não queira perder sua mulher, seu marido, seus filhos, seus amigos, sua alma para o diabo. Lute. Organize-se. Antecipe-se ao inimigo. Vença as trevas em sua vida.
Às vezes – e não são poucas essas ocasiões – a gente não sabe saborear essa noite escura. As provações ocorrem, invariavelmente, não apenas para testar a nossa confiança em Deus, mas também para fortalecer a nossa fé. Vamos aproveitar a adversidade para tirar dela algum proveito espiritual. Só obtém a vitória quem se dispõe a buscar as coisas ao Alto (cf. Cl 3,1-4). Para quem tem fé, mesmo que a derrota se afigure como iminente, a vitória surge inesperadamente, por obra e graça do Deus que não desampara os que nele crêem. Essa vitória pode ser contra o pecado, os problemas na família, a doença ou a falta de sentido de vida. Na vida só é vencido (doente, problemático, viciado, angustiado) quem não tem Deus consigo.
Há algo muito importante: para vencer não pare enquanto o triunfo não for completo! Davi derrubou Golias e depois cortou sua cabeça. Não pare enquanto não vencer. Não fique satisfeito com vitórias aparentes ou provisórias. É preciso “cortar a cabeça” do mal. Mulher que apanha do marido, chefe de família entregue à bebida, filhos nas drogas, doença, desemprego, separação, falta de moradia e de perspectivas de vida, tudo leva ao desespero. Ore, não pare! Lute até a vitória final. A vitória sempre acontece em favor daquele que tem fé e a busca com persistência. Quem tem medo das derrotas já está vencido. Quem não se entrega ao desânimo ou ao pessimismo, de uma forma ou de outra vence. A vitória sempre agracia a vida daqueles que tem confiança no Senhor.
Vejamos o confronto entre Davi e Golias. Quais as armas do filisteu? Primeiro, ele era um guerreiro; um guerreiro enorme, e como se diz “armado até os dentes”, com capacete, armadura, lança e espada. Na verdade, um inimigo temível. E Davi? Um jovem, pastor de ovelhas, armado “apenas” com uma funda (usada para espantar os lobos que rondavam o rebanho) e cinco pedras. Como a gente sabe o desfecho da luta, ficam as perguntas: como ocorreu isto? O que fez a diferença?
Ergo os olhos para os montes: de onde virá o meu socorro? O meu socorro vem de Javé, que fez o céu e a terra. Ele não deixará que meu pé tropece, o seu guarda jamais dormirá. Sim, não dorme nem cochila o guarda de Israel (Sl 121,1-4).
Quer vencer? Quais os inimigos que o afligem? Por que quer vencer? Seu objeto é lícito? A causa é justa? Ou sua busca de vitória aponta apenas para a ostentação, orgulho ou aparência? Lembre-se de Davi; sua causa era justa. Se ele venceu nós também podemos vencer. Nosso Deus é o mesmo. Vamos ver abaixo os objetivos de Davi na luta com Golias:
1. Conquistar coisas de valor mesmo sob risco;
2. Combater alguém que zomba de sua fé e ameaça sua vida;
3. Vencer alguém (alguma coisa) que quer destruí-lo;
4. Usar sua vitória como testemunho do poder de Deus, capaz de fortalecer a fé da Igreja.
A chave para a vitória de Davi pode se converter na nossa: “Javé me livrou das garras do leão e do urso. Ele me livrará também das mãos desse filisteu” (v. 37). Ele venceu porque se colocou nas mãos de Deus. Davi nunca chamou Golias de “gigante”. Chamou-o de incircunciso (pagão, herege). Gigante é o nosso Deus, e com ele VOCÊ se torna gigante. Nunca se deve supervalorizar o perigo. O valor e o poder maior estão no nosso Deus. Anos mais tarde, cheio de unção, Davi proclamaria:
Ainda que eu caminhe pelo vale das sombras, nenhum mal
temerei, pois estás junto a mim; teu bastão e teu cajado
me deixam tranqüilo (Sl 23,4).
Quem tem fé sabe que Deus tem poder, capacidade de levar às vitórias contra quaisquer inimigos. Você já viu um daqueles caminhões enormes, de altura descomunal, chamados out of road, com rodas e pneus muito altos, um motor roncando assustadoramente? Pois um gigante daqueles se controla com uma pequena chave de ignição, um simples freio ou até, na emergência, uma pedra debaixo da roda. Uma coisa portentosa dominada por algo simples, porém significativo. A vitória que vence o mal é nossa fé.
Afinal, quem pode vencer o mundo senão aquele que tem fé que Jesus é o Filho de Deus? (cf. 1Jo 5,4s). Ter problemas e crises na vida é inevitável; ser superado por eles é opcional. Davi era um homem de uma fé obstinada. Ele venceu Golias, seus inimigos, as adversidades da monarquia e, sobretudo seu pecado.
Hoje as batalhas de nossa vida são igualmente assustadoras. Contra quem lutamos? Contra nós mesmos, nossos instintos, nossas idéias pré-concebidas, nosso radicalismo. Lutamos também contra o pecado, a doença, a descrença e as ameaças que agridem nossas famílias. Existem batalhas em nossa vida que se Deus não pelejar por nós, estamos perdidos.
Lembre-se: o Deus da vitória está com você. É preciso colocar-se nas mãos de Deus. O que significa isto? Significa transferir nossos medos para Deus, entregar a ele nossa doença, nossa fragilidade e nossa condição de pecador, sem ressalvas ou retratações, na certeza de que não estamos sozinhos.
Deus, por meio do seu poder, que age em nós, pode realizar
muito mais do que pedimos ou imaginamos. A ele seja dada a
glória na Igreja e em Jesus Cristo por todas as gerações, para
sempre. Amém! (Ef 3,20s).
Meditação que realizei num retiro de religiosas na cidade de Santa Maria (RS) em maio de 1999.