O DIA EM QUE VI DEUS

Há situações nas quais nos deparamos, de maneira mais flagrante que a cotidiana - entorpecedora dos nossos sentidos mais depurados com o bombardeio de stress e de preocupações rotineiras - com Deus "em pessoa", se me permitem uma expressão humanizada: em "carne e osso", diante dos nossos olhos. É sobre isto que pretendo falar neste artigo. Narrar um pouco de um dos episódios mais maravilhosos da minha vida: o dia em que "vi", sem nenhuma "neblina" circunstante, Deus!

Nos idos de 1986, estava na ilha de Fernando de Noronha, já pela segunda vez. A primeira deixou-me presa de um estado de espírito onírico. De um enlevo tão supremo, que não admiti visitar aquele lugar de sonho apenas uma vez! E algo me dizia que eu deveria aproveitar, sem demora, aquele período em que minha vida o permitia - solteira, e sem as responsabilidades atinentes à formação de uma família, dispondo de tempo e de recursos financeiros suficientes, eu sentia que o futuro mutável, provavelmente, traria novas coisas, que me dificultariam o retorno - como, de fato, se deu.

"Ah, Fernando de Noronha - é claro que é um paraíso! Quem ainda não ouviu falar?" - alguns já podem estar argumentando. "Mas é muito subjetiva a interpretação de que ir a Fernando de Noronha é "ver" Deus!"

A isto, respondo que concordo: Fernando de Noronha é, sem muito esforço de observação, um recorte do paraíso dos nossos sonhos, incrustado no tom azul turquesa daqueles mares. E também as sensações, ao estarmos lá, são subjetivas, como todas as outras das nossas vidas, porque cada ser é um universo sagrado que reage, com soberania, a todos os eventos da vida.

Mas refiro-me a algo mais profundo: a um tipo de reação experimentada em comum por mim e pela unanimidade dos grupos turísticos que me acompanhavam na época, inclusive contando com a presença de estrangeiros.

Entre todos os lances inesquecíveis da minha estadia de alguns poucos dias naquele "retalho do céu na terra", - numa época em que a própria ilha se via em seu estado ainda mais virgem, inalterado pelo homem, diversamente de hoje, quando já a urbanizaram muito, com estradas asfaltadas e com o aumento do número de pousadas para turistas - após as vivências inesquecíveis do mergulho naquelas águas tépidas e cristalinas, povoadas de uma fauna marinha multicolorida, de sonho; depois dos passeios pelas trilhas, deparando os quadros e as paisagens inacreditáveis, de uma luminosidade e beleza quase irreais, estranhas à experiência hodierna do nosso mundo urbano, e mesmo aos panoramas comuns dos pontos turísticos da maioria das cidades; após estes e muitos acontecimentos felizes, guardo com especial carinho o momento do passeio de barco.

Vou recordar para sempre as reações. Idênticas, por mais subjetiva seja a visão interior com que cada pessoa reage às diferentes ocasiões de sua trajetória curta no mundo.

É à qualidade destas reações que me refiro, ao afirmar que, em determinados momentos raros, literalmente "vemos" Deus, isentos de qualquer estado de turvação espiritual que nos imponha a mínima dúvida, de qualquer ponderação, de qualquer resistência.

O passeio de barco, contornando lentamente a ilha, consome um bom e extenso pedaço de tarde, que, no entanto, de tão rápido, se nos afigura reles cinco minutos, deixando-nos depois com aquela sensação de ter "despencado das nuvens" - a mesma sensação que nos assenhora, por sinal, quando aquele aviãozinho de dezesseis lugares levanta vôo sobre a ilha, levando-nos para longe desse lugar de luzes materializado nas paisagens terrestres. Lembro-me de ter chorado irresistivelmente quando, da janelinha do pequeno vôo, vi a silhueta mágica da ilha distanciando-se, brilhosa sob o sol, até desaparecer.

Cada ângulo de visão da ilha que se nos oferece à visão deslumbrada durante este passeio; cada curva, nuance de pedra, e pequena enseada; o tom verdadeiramente inacreditável na cor das águas, variando do verde esmeralda ao raro azul turquesa, vívido; os topos elevados dos rochedos povoados de aves típicas da região; o silêncio supremo daquela paisagem majestosa, com o famoso pico de Fernando de Noronha tão fotografado dos cartões postais; a transparência cristalina do mar - tudo aquilo dava a cada um a impressão de ter se teletransportado, repentinamente, para uma espécie de "Terra do Nunca" das histórias de Peter Pan - ilha encantada, belíssima, e mágica da estória de Walt Disney, para os que a desconhecem. De maneira que os comentários dentro do barco, quando algum se ouvia, já que os olhos não conseguiam se desprender do que viam em torno, eram idênticos: "é Deus! Estamos diante da presença viva de Deus!" - e outras variações da mesma idéia.

Recordo-me que, em dado momento, recolhida no nível superior do barco, e hipnotizada por um ângulo particular da ilha que me encheu de assombro, pela energia espiritual elevada que dali se desprendia, não conseguia parar de chorar. Porque era a perfeição, na sua melhor forma, o que eu tinha diante da minha visão fascinada. Aquela perfeição tão polêmica, na qual nunca acreditamos; em relação a qual relutamos em admitir sua existência, apelando para os "mas", "se", "porém", "depende". Aquela perfeição que ultrapassa as fronteiras pobres dos nossos sentidos comuns, para falar diretamente ao nível mais profundo da nossa alma.

Era isso o que estava acontecendo ali. De repente, todos se viram inesperadamente despojados dos seus sentidos comuns. Algo inexplicável em termos materiais descerrou-se fragorosamente, de domínios outros das visões das outras esferas, aos nossos olhares deslumbrados. Era como se um fenômeno qualquer, incompreensível, nos tivesse a todos arrancado, temporariamente, às realidades obscuras e ríspidas do nosso dia-a-dia, roubando-nos toda a noção de lugar, referências individuais, tudo que identificava o mundo como o entendemos, para proporcionar, àquele reduzido grupo, fugaz oportunidade de testemunhar coisas de dimensões mais altas, completamente depuradas, luminescentes, incomuns às sensações e aos sentidos da esfera onde ora nos situamos.

Num momento como este, dos tais que carregamos no imo do coração como jóia inestimável, para toda a eternidade, não existia subjetividade, porque a visão e a linguagem, a comunicação, se deram no nível da alma, comuns a todos os ali presentes. A divina ilha de Fernando de Noronha nos transmitiu mensagem maravilhosa - silenciosa, efetiva, acalentadora, transcendente - que só pôde ser traduzida pelas palavras mais próximas de significado que encontramos, pronunciando-as em voz baixa e enlevada, como se instintivamente não quiséssemos quebrar o encanto poderoso daquele momento. "É Deus!"; "Estamos na presença de Deus!"

A Presença de Deus é constante e onipresente em cada folha de grama e em cada ser que encontramos no nosso caminho. A diferença, se alguma há, é que em ocasiões como esta deparamos Deus de forma intocada, pura, não aviltada pela cegueira e ignorância humana. No dia em que tudo e todos na Terra atingirem este estado sublimado, teremos, a cada passo na vida material, e enfim, o tão sonhado paraíso.

Com amor,

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 11/03/2006
Código do texto: T121704
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