Ai, ai...!

Vinha eu hoje, aborrecidíssima, do hipermercado, detesto ir às compras, mas tinha que lá ir tratar de um assunto de um computador, quando tive um encontro da ordem do surreal. Depois de andar de um lado para o outro a tratar dos assuntos - quem me dera ter dinheiro suficiente para ter um secretário, um cozinheiro e um jardineiro (!) - e de entrar no Continente, atulhadíssimo de gente, o que me fez sair às pressas, só com um pacotinho de chá, saí para a rua, para o ar fresco. Ah, mas ainda me aconteceu algo de inédito. Meti-me no elevador, porque ia carregada com o computador, e dei três voltas, para cima e para baixo, porque não sabia qual o número do piso de saída! Um horror. Foi uma coisa que fez maravilhas pelo mau já costumeiro mau feitio. Chegada à rua, felizmente corria um ventinho, só me apeteceu desatar a correr para chegar mais depressa a casa. Nisto, vejo duas senhoras de ar arcaico à minha frente. Como eu ia de fugida como se tivesse mil diabos a correr atrás de mim, ultrapassei-as. É então que a senhora mais velha me chama: «Menina...desculpe..menina» (que falta de óculos, pobrezinha). Parei e vi logo que eram Testemunhas de Jeová. «Queria falar consigo, um bocadinho.» «Eu estou com um pouco de pressa», disse eu. «Mas olhe, é só para lhe falar de Deus e da Humanidade!» E eu:« Pois, mas eu fui às compras, trago umas coisas congeladas, e não me dá muito jeito falar, agora, de Deus e da Humanidade». E ela:«Talvez outro dia, na sua casa... se preferir» - diga-se que já fui evangelizada acerca da maior probalidade de descendermos do barro em vez do macaco, na minha casa, enquanto fazia um bolo. Eu ia pesando a farinha e partindo ovos e a senhora, sem desarmar, ia dizendo coisas extraordinárias - «Minha senhora, eu não acredito em nada.» E ela: «Mas tem que acreditar no amor de Deus» e eu pensei, com algum consolo, que bom, sempre há alguém que me ama ... «Sabe» continua ela «ninguém está sozinho...». Extraordinário, como ela olhou para mim e se lembrou de falar em solidão. Mas eu aproveitei para dar o assunto por encerrado, definitivamente: «Desculpe, minha senhora, engana-se. Eu estou sozinha! É a história da minha vida».

E pus-me a andar, dando assim por terminada a breve pausa no meu dia para falar sobre Deus e a Humanidade.