EROS & PSIQUE

No ciclo dos mitos olímpicos, Eros (cupido, para os romanos) filho da Deusa Afrodite e do Deus Ares, é representado por uma criança travessa ocupada em flechar os corações para torná-los apaixonados. Mas por ironia do destino ele acaba se apaixonando por Psique (Alma). Sua mãe Afrodite invejosa da beleza de Psique afasta-a do filho e a submete às mais difíceis provas e sofrimentos, dando-lhe como companheiras a Inquietude e a Tristeza, até que o Zeus, atendendo aos apelos de Eros, liberta-a para que o casal possa se unir.

Entre os filósofos gregos persiste essa imagem mítica. Os pré-socráticos Parmênides e Empédocles se referem ao principio do amor e do ódio que preside à combinação dos elementos entre si para formarem os diversos corpos físicos. Aristófanes, o melhor escritor de peças da época, conta o mito segundo o qual, no inicio, os seres eram duplos e esféricos, e os sexos eram três: um constituído por duas metades masculinas; outro por duas metades femininas; e o terceiro, andrógino, metade masculino, metade feminino. Mas como ousaram desafiar os deuses, Zeus cortou-os em dois para enfraquecê-los.Cada ser tornou-se então um se fendido, e o amor recíproco se origina da tentativa de restauração da unida primitiva.

Sócrates, no diálogo de Platão começa dizendo que Eros representa “um alelo de qualquer coisa que não se tem e se deseja ter”. Também usa um mito pra ilustrar sua afirmação: Eros é descendente de Poros (Riqueza) e de Penia (Pobreza).

A partir dessa discussão, Platão, pela boca de Sócrates, estabelece a relação entre Eros e a Filosofia. Como os deuses não filosofam e nem aprendem por já possuírem a eterna sabedoria, os tolos e ignorantes não desejam adquirir conhecimento, pois mesmo sabendo que nada saibam julgam saber. Só os pensadores desejam conhecer, pois sabem que não possuem conhecimento e sentem a necessidade de aprender. Por isso que se acostuma dizer que o filosofo ocupa um lugar intermediário entre a sabedoria e a ignorância.

Para Platão, Eros é ânsia de ajudar o eu próprio autêntico a realizar-se, na busca da outra metade que venha a nos completar.

O que os mitos nos revelam como verdade fundamental é que Eros é predominantemente desejo, desencadeado, portanto, a procura do outro que nos completa. Eros leva o homem a sair de si para que na intersubjetividade, ou seja, na relação com os outros, realize o encontro.

Quando dizemos que os amantes buscam o encontro, isso não significa que a meta alcançada represente algo estática. Muito ao contrário, começa ai o caminho que será o tempo todo objeto de construção e reconstrução.

Isso porque, se as pessoas são adultas e supostamente maduras, têm sua própria personalidade, que se caracteriza pela autonomia e individualidade. O amor, sendo objeto de união com o outro, estabelece um tipo de vinculo paradoxal porque o amante cativa para ser amado livremente. Pois o fascínio é gerador de poder: o poder de atração de um sobre o outro. Mas, no entanto, tal “cativeiro” não pode ser entendido como ausência de liberdade, pois a união é condição de expressão cada vez mais enriquecida da nossa sensibilidade e personalidade.

É fácil verificar isso na relação entre duas pessoas apaixonadas: a presença do outro é solicitada na sua espontaneidade, pois são os dois que escolhem livremente estar juntos. Já o amor imaturo, ao contrário, é exclusivista, possessivo, egoísta e dominador.

Não é fácil, porém, determinar quando o poder exercido pelo amor ultrapassa os limites. Vimos que a força do amor está na atração que exerce sobre o outro.

O ciúme exacerbado é o desejo de domínio integral do outro. Um exemplo é Marcel, personagem de Proust na obra na obra Em busca do tempo perdido, inquieta-se, varado pelo ciúme até dos pensamentos de sua amada Albertine, só descansando quando a contempla adormecida...

Não queremos dizer que o ciúme não existe também nas relações maduras. Etimologicamente, ciúme significa “zelo”: o amor implica cuidado e temor de perder o amado. Mas isso não justifica que o “zelo” obstrua a liberdade do outro.

Existe outro paradoxo no amor: ele deve ser uma união, com a condição de cada um preservar a própria integridade. Faz com que dois seres estejam unidos e, contudo, permaneçam separados.

Os riscos do amor é separação. Mergulhar na relação amorosa supõe a possibilidade da perda. Segundo o psicanalista austríaco Igor Caruso, a separação é a vivência da morte numa situação vital: é a vivência da morte do outro em minha consciência e a vivência de minha morte na consciência do outro. E quando falamos em morte, nos referimos não só ao sentido literal da palavra, mas às diversas “mortes” ou perdas que permeiam nossas vidas. Por exemplo, podemos deixar de amar o outro ou não mais ser amado por ele; ou, ainda, mesmo mantendo o amor recíproco, há o caso de sermos obrigados à separação, também nas relações duradouras, as pessoas mudam, e a modificação do tipo de relação significa conseqüentemente a perda da forma antiga da expressão do amor.

Quando a perda é muito grave, a pessoa precisa de certo tempo para se reestruturar, pois, mesmo quanto contém a individualidade, o tecido do seu ser passa inevitavelmente pelo ser do outro. Há um período de “luto” a ser superado após a separação, quando então, é buscado um novo equilíbrio.

Nas sociedades massificadas, onde o eu não é suficientemente forte, as pessoas preferem não viver experiência amorosa para não ter de viver com a morte.

Na sociedade contemporânea, fala-se e escreve-se muito sobre sexo e quase nada sobre o amor. Talvez o vazio conceitual se deva à dificuldade de expressão do amor no mundo contemporâneo. O desenvolvimento dos centros urbanos criou o fenômeno da “multidão solitária”: as pessoas estão lado a lado, mas suas relações são de contigüidade, seus contatos dificilmente se aprofundam, sendo raro o encontro verdadeiro.

Talvez o falar muito sobre o sexo seja uma tentativa de camuflar a impessoalidade fundamental dessas relações, na medida em que o contato físico simula o encontro.

Além disso, o trabalho na sociedade capitalista, estimulado pela competição e pelo individualismo, exige um ritmo exaustivo, mesmo para os que têm melhores chances, e mergulham a maioria das pessoas no trabalho alienado, rotineiro, de onde é impossível extrair algum prazer estabelecer vínculos.

Autor: Iraildo Dantas

Dados Bibliográficos:

Filosofando

Maria Lucia de Arruda Aranha

Ed. Moderna

Iraildo Dantas
Enviado por Iraildo Dantas em 30/09/2008
Código do texto: T1204896
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