Que vale mais a vida ou a cifra?

O Orçamento Geral da União referente ao exercício financeiro de 2006 teve uma receita estimada de R$ 1.702.918 milhões. Desse montante "R$ 837.540 milhões (50,4% do total geral) correspondem receitas de emissão de títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional destinados ao Refinanciamento da Dívida Pública Federal, interna e externa, inclusive a mobiliária e registradas nas receitas de capital na rubrica de operações de crédito."

Ou seja de todo o dinheiro arrecadado no Brasil metade o montante foi para refinanciar a dívida do Brasil. Deixando ao Brasil um "total de R$ 816.096 milhões (49,2% do total geral)". Desse montante a receita obtida com "Operações de Crédito" foram de "R$ 1.005.960 milhões", quando podemos perceber claramente que o gigantesco montante recebido vem diretamente das operações monetárias e não do lucro final de empreendimentos físicos. Vale a pena conferir mais detalhadamente quais operações são incluídas nas "Operações de Crédito".

Antes podemos incluir como curiosidade primordial o montante do dinheiro que foi gasto em "Despesas de Capital". Lá consta que para a "Amortização da Dívida" foram gastos "R$ 926.771 milhões".

Nas despesas por tipo de crédito em 2006 o governo gastou "R$ 972.871" milhões para amortizar a dívida. Diz lá também que: "A Receita Orçamentária Líquida alcançou o montante de R$ 1.189.202 milhões, resultando em arrecadação inferior à previsão em R$ 471.570 milhões, ou seja, 28,4% abaixo do previsto." Contando as receitas mais importantes, descartando outras de menor relevância para o objetivo dessa demonstração, temos que em 2005 as receitas com tributos e contribuições foram de 155.057 e 309.860 milhões num total de R$ 464.917 milhões. Já em 2006 as receitas com tributos e contribuições foram de 166.503 milhões e 327.829 milhões num total de 494.332 milhões. No total em 2005 recebemos R$ 527.324 milhões e em 2006 R$ 591.460 milhões. Podemos perceber que a receita com contribuições e tributos, coisas que refletem diretamente o estado de nossa economia física e o nosso montante de capital investido em bens físicos e de produção, fica quase na metade da receita conseguida por operações de crédito.

Tivemos uma arrecadação com impostos de R$ 33.518 milhões sobre a produção e circulação de produtos, onde apenas R$ 6.727 milhões foram arrecadados com operações de crédito, câmbio e seguros. Depois temos as "Receitas de Contribuições estruturam-se em duas grandes fontes de receitas originárias: Contribuições Sociais e Contribuições Econômicas, cuja arrecadação foi de R$ 316.951 milhões e R$ 10.878 milhões, respectivamente, representando 96,7% e 3,3%."

Onde devemos ressaltar que: "A arrecadação das Receitas de Contribuições respondeu pelo ingresso de R$ 327.829 milhões, equivalendo a 55,4% das Receitas Correntes e 27,6% da Receita Líquida Total. Essas receitas constituíram a principal fonte de recursos correntes da União." E podemos destacar também que as "Receitas Patrimoniais somaram R$ 38.030 milhões e participaram com 6,4% das Receitas Correntes."

Nesse ponto é mister colocar que as "Receitas de Capital participaram com 50,3% da arrecadação líquida total (e 49,57% da arrecadação bruta total), correspondendo a R$ 597.742 milhões. Desse montante, os empréstimos tomados mediante Operações de Crédito foram responsáveis pela entrada de recursos no valor de R$ 542.168 milhões, que equivalem a 90,7% dessa categoria econômica." Onde o "total da dotação das despesas, adicionado à reserva de contingência, é superior ao total das receitas previstas, devido aos créditos adicionais abertos."

Mais abaixo temos as despesas da União.

O gasto com o poder Legislativo, foi de R$ 6.495 milhões, o gasto com o poder Judiciário foi de R$ 25.835 milhões, ressaltando que o gasto com o poder Judiciário é quase quatro vezes o valor gasto com o poder Legislativo, mas nada disso se compara com o poder Executivo, óbvio, mas tem-se que ressaltar esse fato para uma explicação que virá mais adiante.

O gasto com o poder Executivo foi de R$ 1.151.381 milhões. Donde gastos com amortização e refinanciamento das dívidas temos montantes de R$ 120.927 e R$ 376.833 milhões. Isso representa um gasto de R$ 500 bilhões com amortização e refinanciamento da dívida, e ainda mais temos outro dado mais alarmante, só com os juros e encargos da dívida temos R$ 151.150 milhões. Quando falei mais acima sobre os gastos do Judiciário e do Legislativo foi para ressaltar que a discussão nacional que toda hora surge nos noticiários sobre aumentos de salários dos políticos não chega minimamente a 10% do que se gasta com os juros e encargos da dívida.

Para complementar. "No Poder Executivo, o item Demais Despesas da União totalizou R$ 121.727 milhões. Destacaram-se as Concessões de Empréstimos, no valor de R$ 22.569 milhões, Outros Serviços de Terceiros – Pessoa Jurídica com R$ 14.634 milhões, e Outros Benefícios de Natureza Social com R$ 14.564 milhões, representando, respectivamente, 18,5%, 12% e 12%, desse agrupamento." Quando se diz que a concessão de empréstimos é necessária, num discurso para proteger bancos e bolsas de valores, vemos que os empréstimos efetivos foram uma porca miséria.

Se compararmos o PNB do Brasil em 2006 que foi aproximadamente de US$ 800 bilhões, mais da metade disso foi movimentação de dívida, refinanciamento, amortizações etc.

Agora vejamos um texto mui interessante sobre a diferença entre PIB e PNB que data de 2002, mas já mostra sinais do caos:

>>>>>>>>>> O PNB é pior que o PIB <<<<<<<<<<

ROBERTO MACEDO

O Estado de São Paulo, Quinta-feira, 18 de março de 2004, Espaço Aberto, p. A2

Quatro décadas atrás, o mais difundido indicador da produção ou renda de um país era seu produto nacional bruto (PNB) anual. Depois, virou moda o produto interno bruto (PIB). Conforme argumentarei em seguida, o PNB precisa recuperar a atenção que recebia no passado.

Como o I do PIB indica, este mede a produção de bens e serviços realizada internamente a um país, ou seja, dentro das suas fronteiras geográficas, mesmo se realizada por fatores de produção de outras nacionalidades, como o capital estrangeiro nele atuante ou trabalhadores que nele aportaram, mas sem assumir a cidadania local. Como há interesse em saber quanto esses fatores de produção remetem de rendimentos para seus países de origem, chega-se à chamada "renda de fatores estrangeiros". Deduzindo esta dos valores que entram no país a mesmo título, ou seja, provenientes do trabalho e do capital dos seus cidadãos que atuam no exterior, chega-se à renda líquida de fatores estrangeiros (RLFE).

Esta será positiva se os ingressos de rendimentos desse tipo forem superiores às saídas, ou negativa, caso contrário. No Brasil, é negativa, pois há muito mais capitais estrangeiros aqui do que capitais brasileiros operando lá fora. É certo que o Brasil é hoje um país fornecedor de imigrantes, mas o rendimento que enviam está longe de compensar o fluxo negativo dos rendimentos de capitais. Como o N do PNB está a indicar, este mede a produção nacional, entendida como tal a dos seus fatores de produção, independentemente do país em que atuem. Para se chegar ao PNB, toma-se o PIB mais a RLFE. Como no Brasil esta é negativa, o PNB é menor que o PIB.

Distinguir uma coisa da outra não é importante quando a RLFE tem magnitude reduzida e não varia muito. Entretanto, este não é mais o caso do Brasil, pois como proporção do PIB a RLFE dobrou entre meados da última década e o início desta. Mais precisamente, alcançou 3,9% em 2002, o último dado disponível. A porcentagem pode parecer pequena, mas se refere a um valor econômico de grande magnitude, o PIB. Assim, tomando o valor deste no mesmo ano, nele a RLFE alcançou a expressiva soma de R$ 52 bilhões.

Como porcentagem do PIB, essa RLFE foi a maior desde 1988. Recorde-se que no início da década que inclui esse ano houve a chamada "crise da dívida externa", na qual o Brasil ingressou por conta do alto endividamento que vinha praticando desde a crise do petróleo ocorrida em 1973, quando os países exportadores desse produto se organizaram e passaram a impor preços bem mais altos ao mercado. O dinheiro que assim acumularam gerou uma oferta de recursos para empréstimos, os "petrodólares", à qual o Brasil recorreu com intensidade. O que precipitou a crise foi a política de juros altos praticada nos EUA a partir do final da década de 1970, pois contaminaram as taxas internacionais e a dívida brasileira. Esse pagamento de juros elevou a RLFE a taxas entre 5% e 6% do PIB de 1982 a 1985.

Ainda como registro histórico vale lembrar que por muitos anos a RLFE ficara abaixo de 1% do PIB, com essa estabilidade e valor explicando então o desinteresse pelo PNB. Assim, nos dados que consultei, com início em 1956, ela permaneceu dessa forma até 1975, quando pela primeira vez ultrapassou a barreira do 1% por causa do citado endividamento em "petrodólares".

Passada a "crise da dívida externa", a RLFE se acomodou em torno de 2% do PIB até meados da década passada, quando deu o novo salto para o qual estamos chamando a atenção. A razão agora é outra, ou seja, a forte elevação da remessa de lucros e dividendos na esteira dos investimentos estrangeiros que aportaram no País para participar do processo de privatização, em setores como os de telecomunicações, de eletricidade e o bancário.

Com isso estamos diante de um efeito mais permanente a ampliar a RLFE, pois esses investimentos fincaram raízes no País, e não se trata mais de um endividamento financeiro que passou pela contingência de juros elevados que acabaram cedendo. Na forma de investimentos diretos, o capital estrangeiro busca remuneração, e esta vem sendo alcançada e remetida para seus acionistas no exterior. Por sua vez, o quadro da economia e da política não estimula reinvestir os lucros, o que é mais uma complicação.

As implicações desse distanciamento entre o PIB e o PNB são muitas. Como exemplo recorrente, há a que diz respeito às já triviais notícias de queda dos rendimentos reais dos trabalhadores. Uma das razões é o vazamento de sua renda para pagar maiores tarifas de serviços públicos e bancários, parte das quais se torna renda enviada ao exterior. Quanto à estimativa de queda de 0,2% no PIB do ano passado, notícia que recentemente recebeu grande destaque, será interessante ver o que aconteceu com o PNB quando seus dados vierem à luz. Sua queda poderá ter sido até maior se as empresas estrangeiras tiverem optado por outro espetáculo de crescimento, o de suas remessas ao exterior.

Como implicação-síntese, a evolução do PNB dos últimos anos revela um quadro mais grave que o mostrado pelo PIB. Assim, conforme calculei, o PIB total cresceu 13,6% entre 1996 e 2002, enquanto o PNB cresceu bem menos, 9,24%, chegando a cair em 1999 e 2001. Quando recentemente se noticiou a queda do PIB do ano passado, circulou também a informação de que a última queda havia ocorrido bem lá trás, em 1992. Ora, esses tombos mais recentes do PNB foram ofuscados pela ênfase equivocadamente concentrada só no PIB.

Indiretamente, esse comportamento ainda pior do PNB ressalta ainda mais a vulnerabilidade do País na sua exposição externa. A privatização ampliou o passivo nacional, pois os capitais que aqui aportaram para participar dela equivalem a uma dívida externa que precisa ser remunerada. Nessa linha, o olhar dirigido ao PNB destaca também a importância que deve ser dada ao crescimento das exportações, para garantir recursos para essa remuneração.

Fica também ressaltada a importância de criar um clima que estimule o capital estrangeiro a reinvestir seus lucros no País, reduzindo a parcela enviada ao exterior.

Assim, olhando o PNB se percebe que o trabalho à frente é ainda maior que o exigido pelo fraco desempenho do PIB. É fundamental, portanto, que aquele indicador alcance posição de maior relevo no noticiário e na agenda das preocupações do País, pois reflete melhor que o PIB os problemas da economia brasileira contemporânea.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), é pesquisador da Fipe-USP e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie E-mail: roberto@macedo.com <<<<<<<<<<

Interessante notar que as escamoteações da economia monetária são enormes, e em um mar de números, dados, estimativas, e pressões, imposições, condições etc., temos um quadro em que os nossos economistas de hoje se inserem. Eles são meros autômatos incapazes de sair do molde reduzido em que vivem e se regozijam para perceber a realidade do mundo. Na minha cabeça, assim como na de qualquer pessoa esclarecida a coisa é muito fácil. Primeiro veio o homem depois veio a economia. Isso é um fato indiscutível, quem quiser argumentar sobre isso por favor dirija-se ao poste mais próximo. Levando esse fato tão concreto à risca temos que a economia serve ao homem, e não o homem à economia. Se para aplicar um pacote econômico deve-se exterminar a chance de milhões de pessoas de viver dignamente, quem deve ganhar? O plano econômico ou as milhões de pessoas? O que vale mais, nossa capacidade de recriação de modelos e nossa capacidade de reformulá-los aos nossos interesses ou relegar bilhões de pessoas a miséria, fome, desnutrição, morte etc. porque devemos seguir um plano econômico que promete dar fim aos problemas do mundo há mais de 3 séculos? Fica com vocês a resposta.