COM AMOR E PRAZER

Amor e sexo, de uma forma ou de outra, todos praticam à sua maneira e escolha;

... deslumbrados com a vista estonteante que emanava daquele vale onde a paina, desgarrada da paineira, vaga ao sabor do vento; os colibris beijam delicadamente as flores da encosta cortada por um riacho manso e límpido e o sol, com a sua luz abrangente, desnuda todos os encantos daquele lugar onde outrora fora palco de sangrentas lutas entre colonizadores e os nativos. Seus gemidos de dor são abafados pelo canto harmonioso dos pássaros que gorjeiam nas árvores, ao redor da casa em que todos os sonhos daquele jovem casal irão desabrochar.

Nos tempos do Romantismo, um trecho como este serviria de alegoria para um ardente e complicado caso de amor. Era a humanidade, na procura constante de inovação, voltando-se à Natureza em busca das mais extravagantes comparações, mistificando este sentimento, concedendo-lhe qualidades até absurdas, com o objetivo de compensar ou de "aquecer” uma relação que os trâmites normais dos costumes não permitiam. Todos os indivíduos são providos de imensa curiosidade em explorar o contexto do universo em que vivem; se há sinal de rotina, iniciativas visam a suprir a necessidade individual de aventura.

As fases pós-guerras acentuaram a classe paternal e o conservadorismo dela proveniente. Em contrapartida, foram lançados adereços que valorizavam a sensualidade; época em que Chapllin, com seu imortal Carlitos, fazia a platéia se emocionar. As inovações do cinema trouxeram motivos para que a sociedade saísse de casa e se infiltrasse na cultura moderna, oposta aos ambientes reservados em que viviam. Hollywood, com seus musicais e filmes de amor criava seus mitos. Com eles, veio a fama e desta as separações: inovação que abalou os padrões existentes calcados em hábitos antigos.

Com o surgimento da classe "teen" (anos 5O) e o lançamento do anticoncepcional feminino; motivados por filmes de propostas juvenis e os embalos do rock and roll, parte dos segredos são abolidos e o passado tende a ser esquecido. Anos 6O e 7O: os "hippies" retomam o ambiente romântico com outra visão. Tempo das "tribos", da paz e do amor, dos grandes concertos, acampamentos coletivos. Os jovens iam superando os tabus, proliferavam-se os motéis e o amor tornava puro, sem máscaras.Os meios de comunicação se encarregavam de abordar a realidade oculta pela moral que se rendia, indefesa, perante os fatos.

Anos 8O e 9O: as conquistas pessoais estão no apogeu.Caiu a censura, os seguimentos sócio-culturais, em vez de se opor, adaptam-se à nova realidade. O que era vulgar virou popular, o que seria liberdade chegou à promiscuidade: os corpos mal suportam tanta inovação. E as alegorias? Estão na moda. Os grandes sucessos enobrecem as fronhas, a cama macia; "doam ou rasgam" corações. E o inconsciente coletivo, alienado pelas fantasias, a falta de informações e experiência, consome. Manipulados pelos meios de comunicação, muitos se apaixonam, se casam, mas quando descobrem que amor não é sexo e que sexo não é amor, só então vêem seus sonhos transformados em fraldas e incertezas. Não há entendimento, os momentos de prazer são insatisfatórios. Então, descobrem que a cama não era palco, que a fronha não era cortina e o que nelas viveram foi uma farsa, mas se encontram num drama e real.

Amor e sexo são forças poderosas que se completam, porém não se interagem. Têm existência própria e não podem ser mascarados: ou sente-os ou não os sente. Juntos se fortalecem; todavia, podem ser praticados individualmente, ou seja, pratica-se o sexo sem amor, ou vive-se o amor sem o sexo. Amor é um sentimento abstrato, mas assume mil facetas: pode ser compreensão, companheirismo, cumplicidade; assume caráter paterno, materno e fraterno. É sensível às artes, às causas sociais e humanitárias: é conquistável, compartilhado. Oposto ao amor, a libido é algo particular como uma senha, um código genético secreto que se manifesta com maior ou menor intensidade. Uma relação, se baseada só no amor, torna-se insegura e monótona; se calcada só no sexo, faz-se enciumada e perseguitiva. O amor, em seu ponto mais alto, mesmo sendo um sentimento abstrato, torna-se palpável através das pessoas, coisas e tudo aquilo que o inspire. O sexo, por sua vez, visa ao prazer físico e a procriação. E os adereços? Estimulam o desejo, porém, não garantem a conquista e nem o êxito.

Uma relação duradoura é aquela que, no decorrer dos dias, faz-se uma sólida amizade, acompanhada de um forte apego físico e incendiada pelas fantasias e liberdades. Amor e sexo, de uma forma ou de outra, todos praticam à sua maneira e escolha; eles ganham, eles perdem, mas reconhecem que o melhor da vida ganha ênfase no momento em que se começa a jogar esse jogo, cujas regras a ciência e os tempos modernos estão prestes a entender.

A Notícia. Junho de 1997.