Infidelidade versus Felicidade

Prólogo:

Com a obstinação dos loucos e o cinismo dos déspotas ouso imaginar se é possível alguém ser feliz diante de tanta violência urbana, miséria, banalização das maldades humanas; desregramento, insolvência social, desrespeito às mulheres e crianças, aos incapazes e animais; destruição, vilipêndio da natureza global.

Ivan Ângelo é escritor e jornalista. Certa ocasião, para a revista Playboy ele escreveu: "Ora, direis, um homem pode gostar de comida caseira e almoçar fora de vez em quando, não pode? Pode, pode. A mulher também. Tesão é lá e cá. Se um dos dois pára de encostar, pegar, provocar, mostrar, oferecer, seduzir, inventar, brincar inovar, explorar, liberar, ousar, cuidar-se... é falta de tesão. Pelo outro ou pela vida.".

Vou mais além perguntando: A felicidade é compatível com a infidelidade? É possível ser feliz sendo infiel? Ao concluir este arrazoado de idéias que certamente serão consideradas infames, espero ter respondido não apenas a estas questões, mas, sobretudo as irrespondíveis porque não foram formuladas, sequer imaginadas, por comprovado denodo lastrado na sensatez.

O título deste texto “Infidelidade versus Felicidade” já nos daria uma resposta a uma das perguntas. “Versus” significa estar em oposição a; contra. Na atualidade podemos observar que nem o homem experimenta mais toda aquela liberdade de outrora e nem a mulher é tão submissa, tola, apalermada, recatada e tendo suas ações obstadas como já fora em épocas passadas.

Não me tomem por apologista de comportamentos sociais dúbios, não me peçam explicações sobre frases óbvias compostas por palavras simples de nosso idioma pátrio, esqueçam os dogmas axiomáticos e até o que dizem os antigos sobre traição e deslealdade.

Encarecidamente solicito que sejam pragmáticos e leiam minhas palavras com os olhos da imparcialidade, sem esquecer, porém, a realidade das dificuldades vivenciadas pelos humanos, mas que precisam viver felizes e em sobeja harmonia.

Atenham-se, sem paixão, apenas e tão-somente ao título “Infidelidade versus Felicidade”. O leitor imparcial será capaz de comparar o antagonismo sugerido claramente na expressão “versus”, apoiando ou não a pretensão deste incipiente escritor de meia-tigela que, em absoluto quer ser o dono da verdade.

Com a expansão da identidade (isso teve início em 1970 com a queima dos sutiãs em praça pública) feminina para além dos domínios pessoais, as fantasias passaram a ser mais admitidas, também, nas mentes femininas.

Antes da década de 70 às mulheres eram incutidos os seguintes princípios: Arranjar um marido é tudo o que importa. Aconteça o que acontecer fique com esse homem e se dedique ao seu lar. Passe, lave e cozinhe. Tenha muitos filhos e agrade o seu marido no que ele necessitar porque se ficar encalhada será alvo de zombaria.

Textos, livros, filmes, coragem e sobretudo representantes (defensores da expressão ‘relações de gênero’, considerada difusa por muita gente) mudaram esses pensamentos e finalmente a mulher se transformou em pessoa humana deixando de ser objeto de posse e poço de mediocridades.

Por favor, não me compreendam mal. Não sou contra o casamento, de modo algum. Sei de muitos casamentos duradouros, mesmo baseado no conservadorismo da mesmice e dos princípios basilares da família tradicional cristã, mas haverá felicidade nessa composição preestabelecida? Não estaria a falta do denodo substituindo o arroubo, a paixão, o amor?

A grande verdade é que as mulheres sempre foram condicionadas a acreditar que, sem um casamento, estavam perdidas, condenadas a envelhecer numa vida solitária e sem prazer algum, mormente no sexo.

Mamãe Júlia já dizia: "Moça perdida (referia-se a mulher desvirginada fora do casamento) homem nenhum tem interesse por ela".

Com essa afirmação minha mãe ratificava que o interesse dos homens era apenas pelo dilacerar, às vezes ou quase sempre com rudeza, do hímen da bem-amada menina-mulher, inexperiente, esposa.

Pergunta inocente é essa minha: Como explicar ao homem rude a existência do hímen complacente (O que não se rompe à passagem do pênis)? É possível ter a posse de uma mulher? Não creio. Mulher não é coisa que se possa possuir como propriedade. É algo muito mais sublime do que imaginam alguns estúpidos e insensíveis homens.

Esses pensamentos são reminiscências de minha saudosa infância. Hoje não mais importa, pois a saudosa mamãe Júlia, em sua sã inocência, não sabia dessas modernidades, palavras difíceis, (para ela) mas antiquíssimas, isto é, existentes desde que a mulher existe.

Acredito que é intangível ou demasiado frágil a linha que une a mulher ao homem. Essa linha inconsútil deverá ser fortalecida no dia a dia, na aceitação dos limites de cada um dos conviventes, com beijos ternos, abraços ansiados, carinhos mil. Isso feito sem cobranças, de forma espontânea, fortalecerá essa união deixando-a sem pontos fracos.

Atenção! Estou escrevendo este texto especialmente para as mulheres que foram ou são abusadas. Se sua vida está parada dentro do tédio, sem uma pessoa carinhosa e atenciosa, ou com um marido que não lhe enxerga, outra pessoa poderá lhe dar toda a ternura de que necessita. O nutriente que fará vicejar a libido que foi vaporizada.

Saiam da cozinha e dos armários onde estiveram vivendo há tanto tempo com suas fantasias sexuais secretas e com seus desejos insatisfeitos. Transformem-se em mulheres abertas, vitais, que aproveitam a parte que lhes cabe dos prazeres da vida.

Você, mulher, pode tentar reprimir ou sublimar seus desejos sexuais, mas ele estará sempre presente, em alterações de caráter negativo da personalidade e em perturbações psicossomáticas. Não se reprima! Essa decisão, salvo outro juízo, poderá acender a chama da vida em seu corpo e na sua mente.

Você terá alguém para quem vestir sua roupa íntima mais delicada, se pentear, se perfumar, uma boa razão para se levantar e sair da frente do fogão e do tanque. A excitação vai substituir a solidão e enaltecer sua auto-estima.

Meu conselho para todas as mulheres é simples: toda mulher deve tentar tudo o que ela gosta no ato do amor e acho que deve tentar gostar de tudo. Uma das muitas maravilhas do sexo é a existência de novas fronteiras a serem exploradas, novos parceiros com quem praticar. Segurança, discrição e aceitação recíproca é fundamental.

Nunca uma relação sadia, higiênica e bem-aceita deve ser tediosa. Não esqueça jamais que todo casamento, bom ou ruim, termina sempre em abandono, divórcio ou morte. Não espere um dos três infortúnios acontecer para tentar ousar ser feliz antes de descobrir que ficou sozinha, irascível, amarga e depressiva.

A verdade é gritante: a mulher alçou e alça vôo alto nas fantasias antes reprimidas e complexas relações interpessoais. O básico (relação simples, "papai e mamãe") não mais interessa à empregada doméstica, à vendedora, à radialista, à executiva, à advogada, à juíza, à desembargadora, à vereadora, deputada ou senadora; à presidenta, enfim, às mulheres de todos os níveis culturais e sociais.

Todas, sem exceção, querem e merecem justamente exercer o livre arbítrio, o sagrado direito de ser responsável por suas ações. Ter e dar prazer são a lógica racional do momento. Não é dando, afinal de contas, que se recebe? Não se poderá esquecer esse princípio bíblico.

O binômio discrição e vontade entre os conviventes (amantes) completam o interesse em se libertar do jugo social e patriarcal. Ademais, a palavra traição já está sendo compreendida por muitos, única e exclusivamente no campo conjugal, como sendo um complemento de anseios reprimidos ou, quando muito um pecado venial.

No meu recente texto “Clima perfeito” fiz comentários sobre a história de uma dama rica, infeliz e casada, que durante as tardes tenta realizar suas fantasias sexuais e espantar o tédio trabalhando em um bordel. O filme (Belle de Jour) critica a sociedade burguesa e a separação das profissões por classes sociais, mas não é o único nesse gênero.

Posso citar outros exemplos. “O Amante de Lady Chatterley” foi proibido na época e passou a circular clandestinamente. "O Arco Íris" foi considerado obsceno. "Mulheres Apaixonadas" (no Brasil foi tema de novela) foi recusado pelos editores de Londres, só foi publicado cinco anos depois em Nova Iorque.

Madame Bovary é um romance escrito por Gustave Flaubert que resultou num escândalo ao ser publicado em 1857. Quando o livro foi lançado, houve na França um grande interesse pelo romance, pois levou seu autor a julgamento.

Essa publicação foi incluída no índex (lista de livros proibidos pela igreja católica) hoje todos os livros proibidos poderão ser considerados licenciosos, talvez pervertidos, mas não pornográficos.

Esses exemplos demonstram o quanto os padrões morais podem mudar de uma época para a outra, e também a hipocrisia de muitos diante de assuntos considerados polêmicos. Verdadeiro tabu social.

Ora, alguém possui o direito de nos dizer o que devemos fazer ou não entre quatro paredes, no banheiro, no elevador, sob uma escada, no interior de um automóvel, no sofá, no chão, em cima da mesa, na cozinha e até no quarto onde dormimos?

Sob esta perspectiva, quando duas pessoas assumem um presumido sério e duradouro compromisso convencionou-se ficar implícito desde o princípio do relacionamento que elas devem manter a fidelidade.

O que ocorre é que nem sempre isso se confirma. Em muitos casos, a tentação de um relacionamento sexual com outra pessoa torna-se irresistível e aquela intenção de fidelidade que parecia tão sólida, em obediência aos princípios familiares e religiosos, no início da convivência, com o objeto (propósito) de "amor eterno", no mínimo longo, vai por água abaixo.

Sabemos que a infidelidade pode ocorrer por fatores diversos. É de bom grado ressaltar: o que denomino de infidelidade, neste caso, é a falta de cumprimento ao acordo baseado em um contrato formal (escrito) de exclusividade sexual dentro de um relacionamento monogâmico (o casamento no Brasil é monogâmico).

Os amantes não poderão exigir exclusividade, ademais, como ser fiel a uma pessoa que não enxerga o outro? Que não abraça e tampouco beija na boca ou em local mais desejado e íntimo? Escrevi, em um recente texto (A casa dos sonhos coloridos):

“Hoje estou casada com uma pessoa que não me enxerga nem quando eu penteio os cabelos de um modo diferente do convencional. Ele se especializou em identificar erros e por isso ficou cego para os acertos. Vivemos uma relação de aparências. Toleramo-nos por conveniências sociais. Vivenciamos em fraterna harmonia por apego aos princípios familiares e religiosos. Isso é tão ruim que até já comecei a fumar escondido. Estou me reprimindo e me anulando”.

A personagem “Analu” do texto supracitado reprime-se (graças a Deus aos poucos está se libertando dessa sandice castrante) porque faz tempo não tira da mente a palavra infidelidade e outros ensinamentos religiosos e/ou cristãos obliterantes.

O livre pensar e o sagrado direito ao prazer lhe são negados, mas aos poucos ela luta pela conquista de sua individualidade. Isso teve início quando ”Analu” escreveu para o outro personagem (Henrique) do mesmo texto narrando suas limitações e infelicidades assomadas pelo espírito que se digladia com as virtudes morais.

Todo ser humano é potencialmente infiel! Os envolvimentos extraconjugais recuperam um ardor perdido numa relação enfadonha. Há um quê de maior e/ou melhor, na idealização que se faz da figura do amante que é percebida com uma sensualidade, inteligência, situação econômica (nem sempre) ou beleza física superior à do cônjuge, ou ainda, como este último ser alguém que possui falhas que provocaram a carência do outro. Claro que a situação econômica e a beleza física são irrelevantes quando se tem comprovado o carisma.

Há maior liberdade sexual que se experimenta nos dias atuais reiteradas pelos filmes, telenovelas, revistas e outras fontes. Leitores, telespectadores, ouvintes, têm suas curiosidades sexuais enaltecidas e a tentação de ambos os sexos a experimentar o sabor da conquista é incentivada pela rotina, descasos e/ou desatenções de ambos os cônjuges.

Homens e mulheres casadas necessitam renovar suas potencialidades. A autoestima dos amantes é o lenitivo que norteia, alimenta, rejuvenesce. É o alento que supre a desesperança da fogueira de fogo-fátuo, da paixão consumida pela chama débil da libido ensaiada e fingida, tal qual a luz bruxuleante de um candeeiro com pouco ou nenhum gás.

Os amantes vestem-se melhor e seus corpos cheiram bem e como dantes porque eles estão aspergindo a seiva do encantamento merecido e necessário à saúde física e espiritual. Eles estão vencendo a rotina, mesmice nutrida pelos dissabores da vida material.

Discrição e vontade. Esse era o lema dos que se queriam sem limites ou culpas infundadas. Foi assim, vestida de azul-turquesa que Analu se apresentou a Henrique tão logo ele desembarcou da aeronave que o trouxe da França coberto de glórias e conquistas alvissareiras.

No texto "Tertúlia do amor" descrevi esse encontro querendo mostrar que os que se querem bem já se conheciam. O enlevo espiritual foi explicado e finalizado da forma que se segue:

"Superando as incertezas do mundo material, com a ternura e amor que lhes convém, os que são iguais esquecerão as dores vivenciadas no pretérito da provança, as quais são necessárias para a edificação dos seus desejos mais ardentes na mais que esperada tertúlia do amor".

A comemoração do encontro esperado foi sublime. Sobre a mesa de Angelim Pedra uma taça de vinho tinto e outra de licor meio amarulento (ela adorava esse sabor), três travessas de aço inoxidável contendo: queijo gorgonzola, azeitonas, pastéis, patê de fígado de salmão, tomates verdes fritos, bolinhos de bacalhau, pães frescos, amendoim moído e tapioca com coco. A Coca-Cola® Zero um pouco resfriada era o complemento, talvez desnecessário, ao repasto dos comensais.

Havia apenas duas taças porque os que se querem bem beberiam em ambas sem outros convidados. Haveria a troca do beijo mais íntimo, de outros beijos menos desavergonhados, de carícias e intercursos apenas imaginados.

Analu com os cabelos soltos, recém-coloridos, enfeitados com pedras semipreciosas, exalavam um aroma singular. A mulher abstida e o homem renegado pelos seus afins teriam momentos felizes até que alguém ou a sociedade como um todo pudesse provar que eles estavam sendo infiéis e contrários as suas felicidades.