O autor que não pensa
O bom escritor nem sempre é aquele que sabe escrever buganvília. Para colar palavras a uma folha de papel, é necessário saber pensar. Imagine-se o seguinte: determinado autor conhece mil palavras (as que não conhecer, procura no dicionário), diz-se inspirado e compõe um conjunto de versos. Ora, desejando escrever algo elevado mas, ao mesmo tempo, não conseguindo ultrapassar as barreiras da mediocridade, este autor que não pensa estará a tentar compor algo para o qual não está preparado. Contudo, com o texto nas mãos, este autor sem ideias encontrará um público que não procura ideias. O público, iletrado, é o terceiro lado de um triângulo que envolve texto (miserável) e escritor (medíocre). Por um lado, temos o poeta que não lê bem e que escreve mal, por outro lado, temos um público que, por ter leituras erradas (ou simplesmente não as ter), forma uma maioria e se torna palco para o mau escritor.
Não é de perder de vista o seguinte: sendo mau mas lido, o mau autor agirá como se fosse um bom autor. Ao se comportar desta maneira, o medíocre mostrará todo o seu esplendor: terá tiques de novo-riquismo. O vizinho já não lhe interessa. Os amigos alteram-se com os interesses. Tendo (mau) público, o poeta já não escreve somente os seus versos. Torna-se, igualmente, político, jornalista, ensaísta, romancista ou contista. O poeta começa a pensar que conquistou o seu direito de ocupar o seu lugar na sociedade quando, na verdade o seu lugar continua a ser pequeno e restrito (o público é que, por ser mau, vai aumentando cada vez mais).
Talvez exista um factor importante para caracterizar o bom autor: a legitimidade académica. Os tempos – o novo século, a crise, o fechamento da sociedade – não estão preparados para quem não quer pensar. É feio pensar-se que, para se escrever um poema, se necessite de nobilitação universitária, no entanto, numa altura em que tanto se escreve, a vida académica pode ser factor de diferenciação do indivíduo das massas. Porque é isso que realmente está em questão. Não se pode viver num mundo onde uns não se diferenciam dos outros, onde uma maioria ignorante controla e faz desaparecer aos poucos as minorias elitistas. Dizia Ortega y Gasset que, no topo da escala social, deverá estar sempre uma minoria culta, letrada, elitista. Em política ou em literatura, dever-se-ia pensar da mesma forma: as minorias são essenciais. Infelizmente, nem o parlamento é habitado por criaturas especialmente dotadas para o exercício da política, nem os livros estão a ser escritos por gente capacitada para tal.
É normal que exista gente que escreva mal para gente que leia mal. O planeta está cheio de animais. O inculto julga-se culto. O que lê mal considera-se intelectual. Mas aqui aparece um problema: se não se pode transformar a maior parte dos homens que escrevem mal em homens que escrevem bem, também não parece verosímil que se possa transformar o grande público num pequeno público erudito e fragmentado.