Sociologia da fofoca
Em tempos de política, nos quais vemos homens e mulheres sedentos e se debatendo pelo poder, creio ser oportuno lembrar dos mecanismos da fofoca. Não é preciso ser nenhum especialista para saber do que se trata. Para o leitor entender sem titubear, lembro da fofoqueira do bairro, da rua ou do condomínio. Aquela que fica de plantão vigiando a porta da casa do vizinho. Estou realmente falando daquela pessoa que, não poucas vezes, notadamente nas cidades do interior, ficam na janela tentando ouvir algo sobre a vida alheia, para depois ter o gosto sádico de sair falando pelos quatro cantos da cidade, do trabalho, das organizações ou mesmo das igrejas. Não é um tipo raro de ser humano. Ele está em todo lugar. Em geral, trabalha na surdina e tem por mérito a capacidade destrutiva de aumentar o que escutou por um ouvido, não deixando de lado, é claro, a dramatização, o sensacionalismo, a perversidade e o julgamento moral.
O problema da fofoca e, por ressonância dos praticantes dela, é que eles estão sempre com a razão. Todavia, a fofoca está presente nas relações sociais e é capaz de carregar diversas roupagens de perversidade. Destaco algumas: a fofoca, tal como muitas coisas que sofrem as mudanças do impacto das novas tecnologias, está mais do que ostensiva na internet, nos e-mails, no Orkut e nos famosos blogs e sites. É bem verdade que ainda temos a fofoca oriunda dos telefones e cartas (muitas vezes anônimas). Parecem coisas do passado, mas ainda existem, pois ainda vemos as conversas em pé de ouvido, os soslaios duvidosos, a fala indireta em determinados lugares e a narrativa mansa no silêncio das canções da missa.
A fofoca é o crime perfeito. Ela possui a proeza de consumir a energia psíquica e a economia emocional das pessoas. Atinge com força a criança e o adolescente; rasga a alma do adulto; arrebenta com a reputação e histórias de vida e, por fim, mata psicologicamente as pessoas que são vítimas. Por natureza, o palavreado saído da boca humana não deve de todo ser a verdade. Em primeiro, porque as pessoas não querem e não desejam a verdade, e, em segundo, se for verdade, não tem porque a produção da fofoca. Logo, a fofoca é, por definição, um fenômeno dramatizado, aumentado, deificado, inexistente e impossível. Mulheres e homens feios viram modelos (o contrário também é possível), um homem fraco se transforma em um verdadeiro super-herói, uma mulher independente em meretriz e uma formiga é facilmente chamada de galinha ou um grilo de elefante. O importante é o exagero e a pura e clara intenção da destruição do adversário, do inimigo e do estranho. Dito de outra forma, o problema é “o que incomoda”, a questão da alteridade, do outro que não é tal como eu desejo: a fofoca é um perverso mecanismo que os seres humanos utilizam para lidar com este outro, com a diferença e com o incômodo. O praticante da fofoca - antes de tudo - é um medroso, um incapaz, um fascista e está longe do entendimento da nobreza e da singularidade do outro.
Infelizmente, dificilmente estaremos livres dos olhos e da boca amarga do fofoqueiro e da fofoqueira de plantão. Seres humanos, ao contrário dos animais, gostam desse tipo de comportamento, seja para nutrir sentimentos de mais valia, seja pelo simples fato de ainda poder dizer que há vida. Antídoto contra a fofoca? Acho que inexiste um bom remédio, a não ser a possibilidade da renúncia da própria identidade, do apagar da personalidade e do esquecimento do caráter. Obviamente, o proprietário da fofoca sairá vitorioso e ela terá feito o serviço de destruir sonhos, produzir inimigos, sujar reputações, manchar memórias e enlouquecer os homens e as mulheres de bem.