SERMO 04 - Quando vier o Paráclito

O kairós (um tempo especial) do Paráclito, segundo Jesus, traz para a Igreja uma nova dimensão, de conhecimento, memória e santidade. Quando ele chegar, “...o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, ele ensinará a vocês tudo e lhes trará à memória tudo quanto eu disse a vocês” (Jo 14, 26).

Incontáveis vezes, em nossas orações, temos rezado “...creio no Espírito Santo, na santa Igreja Católica...” ou, ainda, “...creio no Espírito Santo, Senhor dá a vida, ele que falou pelos profetas...” sem nos darmos conta da profundidade e da responsabilidade que é professar a fé na Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Ao exortar os cristãos, da Igreja nascente, à devoção ao Paráclito, São Paulo lembrava algo muito importante: “Ou não sabem que o corpo de vocês é templo do Espírito Santo, que está em vocês, que receberam de Deus, e que, portanto, vocês não se pertencem?” (1Cor 6,19).

O que significa ser templo do Espírito Santo? Todos os que crêem e realizam o batismo no Espírito possuem a presença permanente do Espírito Santo em si (cf. Rm 8, 9). A questão pode surgir: Há mais de um batismo? Há outro batismo além daquele que recebemos em criança? Perscrutando as Escrituras, vamos encontrar o batismo no Espírito Santo como uma promessa feita por Jesus a seus discípulos (cf. Mc 1, 8; At 1, 5). Na verdade, não há dois batismos. O batismo sacramental recebido na nossa infância e o batismo no Espírito Santo são como que o mesmo acontecimento. Por muito tempo pensou-se tratar-se de uma confirmação (a Crisma) ou um segundo batismo.

Ser batizado no Espírito Santo é permitir, através de uma clara consciência, em espírito de acolhida e conversão, que o Grande Consolador, cuja primeira efusão ocorreu no Batismo, aja em nós e através de nós. Consiste em fazer desabrochar todas as potencialidades do hóspede de nossa alma, dando-lhe espaço e oportunidades para atuar em nós. Não se trata de um novo rito ou de uma segunda cerimônia, mas apenas, de forma consciente, induzida ou buscada individualmente, de abertura aos dons do Espírito de Deus.

Deste modo, nossa fé nos faz compreender (e aderir) que o Espírito Criador foi enviado por Deus para transformar (o que está errado) e santificar (o que está certo) nossa vida. O batismo no Espírito Santo capacita o cristão para o prosseguimento nas obras de Cristo, entre os homens, na Igreja e na sociedade. Esse batismo, que consiste – por fim – no reavivamento daqueles dons e virtudes teologais que recebemos no Batismo e que, por um motivo ou outro, ficaram meio de lado, cobertos pela poeira do desânimo ou da indiferença. Trata-se da conscientização do poder da vida divina que o Espírito infunde (ou reacende) naquele que crê, gerando, desta forma, nova criatura.

Viver segundo o Espírito – como ensina L. Boff – é viver filialmente face a Deus na devota obediência de sua vontade; fraternalmente com os irmãos e senhorialmente frente às coisas do mundo como um livre senhor e responsável pela reta ordem das realidades mundanas. Quem vive segundo o Espírito viverá sempre, mesmo que passe pela morte, porque participa da fonte da vida que é Deus. O sinal do batismo, aprendemos isto desde as primeiras catequeses, é indelével, e nos acompanha eternamente. A Igreja professa sua fé nessa realidade.

De fato, não pode haver salvação, em hipótese alguma, nem fé, nem conversão, nem tampouco a santificação, sem a atuação do Espírito de Deus: “Ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor se não for inspirado pelo Espírito Santo” (cf. 1Cor 12,3). Essa comunhão efetua o entrelaçamento da natureza humana com a divina. Assim como a Igreja, comunidade dos crentes, é morada e santuário do Espírito (cf. 1Cor 3,16ss), também a pessoa que crê, de forma individual regenerado pela graça, torna-se habitação do Espírito de Deus. Por causa dessa presença divina que habita o coração humano, verifica-se uma transposição de pertença. O crente deixa de pertencer a si próprio para ser propriedade de Deus.

A advertência paulina no trecho acima, reporta-se à impropriedade do corpo humano, por ser morada do Espírito, dedicar-se às práticas sacrílegas e profanadoras do pecado. O Espírito não pode habitar em um santuário ocupado por valores contrários, que o impedem de realizar sua obra.

O santuário do corpo é referido pelo apóstolo como o local mais íntimo e precioso do ser humano, autêntico santo dos santos, onde a divindade é adorada e, por essa razão, faz sua morada. Como o corpo é o receptáculo do espírito, ao trazer o Espírito Santo para dentro de si, o crente torna seu corpo físico também participante dessa custódia. Por isso o corpo humano, santificado a partir do batismo, não pode entregar-se a práticas ilegais, imorais ou idólatras. A presença do Espírito de Deus no templo do nosso corpo, torna-o propriedade exclusiva de Deus. É sua residência, local onde ele atua e manifesta sua glória.

A esse ato de o Espírito Santo habitar na pessoa humana, a teologia chama de inabitação. Além desta habitação permanente, há que se considerar que o Espírito de Deus, além de tantos dons e carismas que suscita aos que a ele recorrem, igualmente, na economia da graça, concede o espírito de liberdade, pois “... onde está o Espírito do Senhor, há liberdade” (2Cor 3, 17).

A liberdade cristã é a resultante, sempre, da ação do Paráclito sobre a comunidade dos crentes. Com efeito, toda a tradição bíblica supõe que nem sempre o homem seja capaz de tomar decisões livres. Liberto, o cristão é tomado de uma coragem, que os escritos neotestamentários chamam de parresia, isto é uma liberdade de falar, agir e tomar decisões, que o Espírito de Deus confere aos discípulos, àqueles que seguem ao Ressuscitado.

Para alguns biblistas modernos, essa pertença a Deus ocorre em face das seguintes considerações: a) por direito de criação; b) por direito de libertação e redenção; c) por direito de propriedade moral e espiritual; d) por dever de gratidão (de nossa parte); e) por direito da obra redentora de Cristo; f) por direito da inabitação do Espírito Santo.

Quando professamos nossa fé, orando o Credo, enaltecemos o mistério da encarnação que o Espírito realizou no seio virginal de Maria. “O Espírito é Deus (cf. Jo 4, 24) – afirma Santo Tomás de Aquino – o que vem confirmado por São Paulo: ‘O Senhor é Espírito’ (2Cor 3,17, que acrescenta em conclusão: ‘Por isso nós cremos no Espírito Santo, porque ele nos faz amar a Deus e liberta-nos de amar as coisas do mundo’ ”.

O amor de Deus transforma os dons do Espírito em frutos, favoráveis à edificação da Igreja-comunidade, à família humana e à nossa salvação pessoal. Nós conhecem os chamados “sete dons do Espírito Santo”. Sete, como se sabe, é um número simbólico, que significa coisa perfeita, plena. Assim, ao falarmos em “sete dons” estamos dizendo que os dons de Deus são ilimitados, em poder e número. Sua riqueza é incalculável! O amor, por exemplo, é o primeiro dom do Espírito Santo. E do amor, quantos dons podem derivar? Milhares! O amor é o princípio da vida nova em Cristo, como força que dimana do Espírito Santo. Essa força nos permite - mais que isso, nos impele - produzir outros frutos de amor.

O batismo nos dá, teoricamente, três grandes dons, chamados virtudes teologais: a fé, a esperança e o amor (ou caridade). Disse teoricamente, pois cada um deles se desdobra em outros, e na realidade somos agraciados, já desde a primeira unção com um número infindável de dons.

Vamos fazer um exercício de simples aritmética, para interpretar a lógica bíblica dos números. Somando os três dons básicos (ou virtudes teologais) aos sete dons do Espírito, a que resultado chegamos? Três, na simbólica apocalíptica é o número da divindade (talvez por causa da Trindade). Ora, três mais sete igual a dez. Então explica-se a equação: 3+7=10. O que significa o número dez? No Apocalipse, o yod representa o sagrado, a ação de Deus. Aceitando os dons de Deus aceitamos “viver segundo o Espírito”.

Deste modo, se dermos oportunidade de Deus desenvolver em nós sua ação, teremos, pela soma das três virtudes teologais e dos sete dons, os chamados “frutos do Espírito Santo”, que - também teoricamente - são dez. E que frutos são esses? “Os frutos do espírito são: caridade, alegria, paz, longanimidade, afabilidade, bondade, fidelidade, mansidão, benignidade e continência. Contra estes não há Lei. Os que são de Cristo Jesus, crucificaram a carne com as paixões e concupiscências. Se vivemos do Espírito, andemos também segundo o Espírito” (Gl 5, 22-25).

Se em suas vidas as pessoas não conseguem tornar visíveis esses frutos, apesar de haverem recebido o Espírito Santo no batismo e na crisma, talvez seja pelo fato de não invocarem o Paráclito de forma adequada, ou porque não têm fé suficiente ou, ainda, porque não conformaram suas vidas segundo o Espírito de Deus. Em São João há uma alocução de Jesus que nos esclarece a respeito do dom de Deus: “Na verdade eu vos digo: se pedirdes ao Pai alguma coisa em meu nome, ele vos dará. Até agora nada pedistes em meu nome. Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa” (Jo 16, 23s).

No evangelho de São Lucas há um paralelo mais completo que ensina: “Digo-vos, pois: Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos abrirão. Pois quem pede, recebe; quem procura, acha; e a quem bate, se abre. Que pai dentre vós dará uma pedra a seu filho que pede um pão? Ou lhe dará uma cobra se ele pedir um peixe? Ou se pedir um ovo lhe dará um escorpião? Se, pois, vós que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu saberá dar o Espírito Santo aos que pedirem!” (Lc 11, 9-13)

Os carismas, referidos por Paulo (cf. 1Cor 12, 4 14, 40), como diferentes serviços prestados pelo Espírito, são os dons que cada um ganha para manifestar o Paráclito para a utilidade de todos: “Há diversidade de dons mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades mas um mesmo é Deus que realiza todas as coisas em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1Cor 12, 4-7).

A lista paulina não é completa, pois os dons do Espírito não caberiam em uma relação, por mais inspirada que fosse. A variedade dos carismas – dizia João Paulo II em 1998 – corresponde à variedade de serviços, que podem ser momentâneos ou duradouros, privados ou públicos. Cada um tem o seu e deve recebê-lo com gratidão, colocando-o generosamente a serviço da comunidade. A generosa vinda do Paráclito é a síntese da doação de todos os dons. O texto de São João vai servir como iluminação para a nossa reflexão mais tarde: “Quando vier o Paráclito, ele convencerá o mundo do que é pecado, justiça e julgamento. Convencerá do que é pecado, porque não creram em mim; do que é justiça, porque vou para o Pai e já não me vereis; do que é julgamento, porque o príncipe deste mundo já está condenado”. (Jo 16, 8-11).

A presença do Paráclito, legítimo ajudador do povo de Deus, estabelece um julgamento contra o “príncipe desde mundo”, autêntica síntese de todo o mal. Por “Príncipe deste mundo”, a exegese bíblica vê tudo aquilo que se opõe ao Reino dos céus. Tanto podem ser sistemas, idéias, políticas ou práticas materialistas, de pecado ou iniqüidade, como a própria pessoa de Satanás, querendo a perdição dos filhos de Deus. A liberdade que o Espírito suscita, dá condições ao ser humano de fazer sua decisão entre as coisas do mundo (cujo “príncipe” já está julgado) e as “coisas do alto”, os dons mais elevados (cf. 1Cor 12, 31).

A pessoa divina do Espírito Santo perpassa as páginas da Sagrada Escritura. Encontramo-la do Gênese ao Apocalipse, sobre as águas (Gn 1, 2) e com a Esposa do Cordeiro (a Igreja), ansiando, no fim dos tempos, a parusia, a segunda e definitiva vinda de Jesus Cristo. “O Espírito e a Esposa dizem: “Vem”. E quem escutar, diga: “Vem”. E quem tiver sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida” (Ap 22, 17).

A missão conjunta de Cristo e do Paráclito realiza-se na Igreja, que é Corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo. Os fiéis chegam à comunhão com o Pai, por Cristo, no Espírito Santo, ensina o Catecismo. É no sentido da conversão e da unidade que o Espírito Paráclito intercede por nós (cf. Rm 8, 26). Como alma da Igreja, o Espírito anima o povo de Deus, na esperança da volta de Cristo, a parusia tão fielmente expectada. O mesmo Espírito que habita em nós, e que ressuscitou o Filho, haverá de dar vida a nossos corpos mortais (cf. Rm 8, 11). Quando diz “Vem!”, o Paráclito está, ao mesmo tempo em que atesta a veracidade de todas as promessas de Deus, reforçando nossa esperança e ajudando a desenvolver nossa perseverança.

Nós, com toda a Igreja, cremos nesse Espírito de ajuda, que nos acompanha durante essa fase de espera da vinda gloriosa de Jesus Cristo. Vamos buscar no salmista um subsídio para essa busca: “Ensina-me, Senhor, a cumprir tua vontade, pois tu és meu Deus. Que teu bom Espírito me guie, por terra aplainada!” (Sl 143, 10).

Quando observamos que o mundo cultiva, cada vez mais, valores que se distanciam do Evangelho de Cristo, constatamos que ali está faltando o Espírito de Deus. Igualmente nas pessoas angustiadas, vazias, entregues a mil derivativos e vícios, incapazes de se relacionar, de acolher, perdoar, nota-se que falta a presença do Espírito Santo. Só a presença do Paráclito, nas relações internacionais, nas estruturas da sociedade, nas famílias e no coração das pessoas tem condições de efetuar as transformações necessárias. O que falta, então?

Na atmosfera que nos rodeia, existem sons, imagens e outros estímulos eletrônicos, não é mesmo? O que é necessário para captá-los? Um aparelho de televisão, um rádio, uma antena. Enfim, é preciso sintonizar. E é justamente isso que falta, muitas vezes na vida das pessoas: colocar-se em sintonia com o Espírito Santo, com aquele nosso “aparelho”, chamado coração. Quem permite que o Paráclito tome conta de sua vida, é capaz de descobrir, com maior clareza, o sentido de sua vida. Para encontrar esse sentido é necessário que aspiremos aos dons do Espírito.

Há pessoas infelizes, amargas, sem alegria, sem fé, que não tem em suas vidas aquele rumo, aquele verdadeiro sentido que só o Espírito Santo pode dar. Muitos não sabem haurir, como que garimpar, os dons de Deus, colocados à disposição de todos. Só é infeliz quem desconhece, ou se mostra indiferente, à ação do Paráclito, e se deixa abater pelo desânimo, pela descrença e pela desesperança. Os dons do Espírito Santo têm base bíblica.

1. ENTENDIMENTO

É saber o que Deus quer de nós. Trata-se do dom de ver as coisas santamente esclarecidas, com a faculdade de ver o mundo segundo os olhos de Deus. O dom do entendimento nos leva a discernir valores.

2. SABEDORIA

É a capacidade de ver os fatos da vida com igualdade e misericórdia, sem preconceitos ou julgamentos prévios. É possuir critérios de Deus, usando seus caminhos com santidade.

3. PIEDADE

É adorar filialmente a Deus, através de contínuos e renovados atos de amor, louvor, adoração e ação de graças. Piedade é a forma consciente como se vive a espiritualidade, de acordo com o estado de cada um.

4. FORTALEZA

É a força e a coragem que Deus dá aos que nele crêem, para resistirem aos assédios do mal e perigos da vida. A fortaleza dá o estímulo indispensável aos trabalhos missionários.

5. CONSELHO

É um dom que deriva do entendimento e da sabedoria, e consiste em dar testemunhos positivos de vida. É ensinar a doutrina de Deus, mostrando seus caminhos, dando idéias e orientações cristãs. É admoestar e corrigir fraternalmente, de forma profética, amorosa e construtiva.

6. CIÊNCIA

É o dom de discernir entre o bem e o mal, entre os projetos de Deus e os apelos do mundo. É um dom indispensável ao profeta. Quem tem esse dom, conhece certas coisas, muitas vezes obscuras aos demais. É estar aberto às realidades que Deus quer revelar. Chegamos à vocação, seja ela religiosa, familiar ou missionária, pelo dom da ciência.

7. TEMOR DE DEUS

Também conhecido como “santo temor”. Não se trata de ter medo de Deus, como o nome pode sugerir, mas temer a prática de algo que ofenda a Deus. É o receio de quebrar a comunhão e assim separar-se do Amor.

O Espírito Santo Paráclito nos é enviado da parte de Deus para dar rumo novo e definitivo à nossa vida. Essa presença divina, e só ela, possui a capacidade de efetuar todas as transformações que esperamos. Quando o Paráclito vem à nossa vida, quando o deixamos agir em nós, tudo se transforma, a partir de nosso coração e de nossas ações. Para isso, como recomenda o apóstolo Paulo, é preciso guardar o precioso depósito da fé, com a ajuda do Espírito Santo que habita em nós (cf. 2Tm 1, 14). Fomos batizados no Espírito para sermos um só povo, um povo fiel e diligente, que tem no Paráclito aquele que suscita a comunhão e provê a santificação.

Ele é o organizador da nossa vida cristã e a luz que ilumina as trilhas da nossa vocação, seja ela leiga ou consagrada. Assim como é Deus quem chama, também é o mesmo Deus que, por meio do seu Santo Espírito, alegra, dá discernimento, mostra o caminho, produz firmeza e perseverança. É surpreendente sua presença na vida de quem foi vocacionado para as coisas do Reino.

Que a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a

comunhão do Espírito Santo estejam sempre com todos vós

(2Cor 13, 13).

Pregação realizada em um retiro das irmãs Servas do Espírito Santo, na cidade de Canoas (RS), 2000.