Conversa de ônibus
Quem escreve, principalmente aqueles que escrevem sobre cotidiano, comportamento humano, não pode se dar ao luxo de descartar possibilidades sociais que favoreçam a criação, a criatividade. Então quando não estou agitada, ou com pressa, prefiro andar de ônibus, você interage com pessoas, você observa melhor as coisas, e principalmente pensa....
Hoje saindo da pós graduação entrei em um ônibus lotado, sinceramente quase nunca entro em ônibus muito cheios, pego um taxi, chamo meu pai pra me buscar, espero o próximo. Mas neste eu fui...
Após uns dois pontos depois que entrei no coletivo, percebi que na parte da frente do ônibus estava vazia, e fui pedindo licença e passando pra frente. Geralmente as pessoas não dão licença, e sempre acontece de você na hora de descer ter que dar aqueles gritinhos: “ Peraí motorista”. E sai empurrando a todos e sendo xingado de mal educado.
Estava relativamente perto de onde ia descer quando cheguei à frente do ônibus, quando finalmente parei, uma voz alta, grave perguntou:
- Você quer sentar?
- Não obrigada – respondi com um pequeno sorriso.
- Por que você não quer sentar, perguntou o homem indignado.
- Porque eu já vou descer.
- Ah bom, pensei que fosse pra não sentar no mesmo lugar que eu, não sou sujo.
Ouvindo aquela resposta mentalmente eu pensei “Opa! Acabo de descobrir o motivo da frente do ônibus estar vazia”. Olhei a volta e pessoas olhavam com rabo de olhos ao homem. A senhora que estava ao lado dele estava toda encolhida para não encostar-se a ele.
Eu então virei pra ele que me olhava, e falei que se ele segurasse minha pasta até eu descer eu agradeceria, pois o ônibus iria parar algumas vezes por causa de sinais e que freava muito em cima . prontamente o homem me atendeu e começou a discursar alto sobre sinais, semáforos. Que havia muito, e isso atrasava as pessoas demais. Que deveriam fazer vários viadutos, os carros passarem por cima, evitava assim sinais, que a cidade cresce diariamente, cada vez mais e a estrutura não está comportando mais tanta gente, que deveriam descentralizar as coisas do centro, mas não a saúde, pois o centro da cidade é central pra todos, mas as grandes empresas, lojas de carros, comercio poderiam começar a expandir a outros bairros também, assim desafogaria o transito tanto de pessoas como de carros e demais conduções.
Eu ali em frente a ele olhando para ele. Uma pessoa que a primeira vista poderia parecer bizarra, roupas esportes sem muito luxo, vários cordões, crucifixos, barba por fazer, parecia até bêbado. E continuou seu discurso, que faltava vontade política na cidade, aliás, no país, falou de presos com regalias comendo lagosta e o pobre quando tem ovo frito, implorando por uma caixa de remédio.
Falou do ex prefeito da cidade retirando a saúde de próximo do pobre, do sucateamento da mesma, e que se não fosse a boa vontade de alguns, alguns poucos muitos morreriam. Que naquele momento ele estava indo a um asilo levar medicamentos, mas antes pararia numa farmácia para comprar fraldas geriátricas para a instituição.
Neste momento alguns olhos se arregalaram. Certamente pensaram que o homem delirava. Foi quando ele sacou do bolso um bolo de dinheiro. E me perguntou se eu sabia o que era aquilo. Eu em tom amistoso e de brincadeira respondi se eu bem me lembrava era dinheiro, e que fazia tempo que não via tanto. Ele riu, e disse que era fruto de um happy hour feito em sua casa, cada dose de wisk tomado pelos seus amigos ele cobrava para poder ajudar todos aqueles que precisavam, cada mês ele ajudava uma instituição, uma família.
Curiosa, perguntei por que ele fazia isso. Ele me respondeu que a doença mental poderia ter afastado ele do trabalho ( era militar) e os amigos dele, mas a solidariedade impediu que esse afastamento fosse contínuo.
Ele fez do problema uma solução. Que este exemplo seja seguido por muitos. O caminho não é fácil, mas é recompensador, ou quem sabe solucionador.