DE SÓCRATES A SPINOZA
Para Spinoza, Deus é razão (Logos), como também coração e amor; é a fusão da suprema razão e do supremo amor. Com uma visão filosófica prática, objetiva, experimental, ele difundiu que é importante que a verdade seja experimentada e não somente estudada, pois nessa verdade experimentada surge a compreensão do amor – experiência pura – distante dos raciocínios e dos esquadrinhamentos intelectuais.
Estudar teorias e acreditar em dogmas nada tem a ver com a visão objetiva de Spinoza.
As tradições de qualquer espécie contrariam a evolução; o teorizar e o acreditar congelam-se numa imobilidade temporal e assemelham-se à rigidez cadavérica daquilo que deixou de viver.
Na ética de Spinoza encontramos a questão da liberdade ou do livre arbítrio como algo a ser conquistado. Liberdade e responsabilidade encontram ali gritante interdependência: quanto mais livre é um ser, mais responsável ele é. E essa liberdade estaria ligada ao grau de consciência, de conhecimento, de responsabilidade e existiria, em pequeno, no homem, por conter esse ser, em sua essência, a pequena chama da Consciência Universal. Em sua essência, o homem é livre. E por mais que queira estar totalmente afastado ou totalmente aproximado de Deus, não o consegue, pois não pode negar o que faz parte dele e nem aceitar, passivamente, o que não conhece. Em outras palavras, a crença e o ateísmo são pólos que se tocam na negação absoluta de Deus que o próprio crente, num caso ou no outro, não consegue compreender.
Existe um paralelismo gritante entre o pensamento de Spinoza e o de Sócrates, apesar do abismo intelectual e espiritual no qual submergiu-se a humanidade nos séculos que os separaram.
Sócrates dizia que o homem não era o visível, o compacto, o tocável, senão o invisível, o da essência. Afirmava que todo o ser humano tinha em seu interior tudo para crescer, para se desenvolver. E que ele deveria conhecer primeiro a si mesmo, e depois as coisas que o cercam; que o princípio da sabedoria consistiria no reconhecimento da própria ignorância.
Sócrates, como Spinoza, foi condenado pelo poder político local, por opor-se às idéias dos dirigentes, por não cultuar as suas personalidades e nem as divindades do Estado, por ser um opositor das autoridades constituídas.
Apesar de ter a oportunidade de fugir, estratagema de um amigo que lhe preveniu sobre a morte iminente, não o fez. “Sócrates é imortal. Podem matar o invólucro de Sócrates, mas Sócrates é imortal”.E enfrentou a morte com serenidade. Possivelmente tenha compreendido que a verdadeira morte fosse o não pensar, a submissão aos pensamentos já pensados por outras pessoas e à cruel ditadura dos mercadores da verdade.
Para Spinoza, a verdadeira salvação consistiria no conhecimento, que é oposto ao fenomênico e ao sobrenatural que forjam a base do ateísmo.
Não pode haver um Deus ou um conhecimento propriedades de algum agrupamento previamente eleito ou escolhido, porque Deus e o conhecimento não são contingentes e nem privilégios de ninguém, por serem imanentes.E se Deus é também a Natureza e se manifesta através de nossa mente, todo conhecimento, qualquer que seja a sua hierarquia, tem a ver com Deus, que não é e não pode ser pessoal, personalizado, e é muito maior que sua própria criação.
Voltando às digressões iniciais de Spinoza, como, então, experimentar a verdade, e não somente esquadrinhá-la como vimos fazendo nos parágrafos anteriores? Como, então, fugir da cega fé que, no dizer de Nietzche, é sacrifício de toda a liberdade, de toda independência de espírito?
Para experimentar a realidade de ser, de existir, seria necessário experimentar a realidade da própria transformação psicológica , partindo do básico, que é o conhecimento dos pensamentos que habitam nossa mente e movem as nossas atitudes, a sociedade e todo o mundo. Seria necessário reverter o autoritarismo do império dos pensamentos que nos governam, apesar de imaginarmos que somos donos de nossa própria vida. Esta seria a verdadeira alavanca de Arquimedes.
Nagib Anderáos Neto
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