Leitura e Exclusão
O texto a seguir pretente fazer um estudo brevíssimo sobre o acesso de leitores, estudantes ou não, a livros e material didático. Ou seja, aqui se pretende discutir as várias formas de exclusão (para os de menor ou nenhum poder aquisitivo) ou inclusão (para os de maior poder aquisitivo).
A partir do texto da professora Magda B. Soares "As Condições Sociais da Leitura", podemos claramente entender duas formas distintas de ler: a leitura como forma de promoção social (com função de informação e prazer/lazer) e a leitura para aqueles que não ascenderam à condição social alguma (tem como função o acesso a uma vida melhor, um bom emprego). Esse último grupo é chamado de "analfabeto funcional", com pouca compreensão para a leitura e com dificuldade até para assinar o nome. Assim são chamados pelas "políticas públicas" e usados para elevarem os chamados "indicadores sociais".
A autora traça um panorama bastante claro em relação à prática leitora: a leitura como ferramenta de ascensão social servindo às classes dominantes e a mesma leitura que é quase inacessível às camadas mais pobres da população.
A partir de inúmeras entrevistas, Magda Soares identifica: "os valores da leitura sempre apontados são aqules que lhe atribuem as classes dominantes, radicalmente diferentes dos que lhe atribuem as classes dominadas. Pesquisas já demonstraram que, as classes dominantes vêem a leitura como fruição, lazer, ampliação de horizontes, de conhecimentos de experiências, as classes dominadas a vêem pragmaticamente como instrumento necessário à sobrevivência, ao acesso ao mundo do trabalho, à luta contra suas condições de vida" (pg. 21).
Como podemos verificar, há dois direcionamentos de leituras completamente distintos. Sem condição de acesso à leitura, a camada mais pobre da população fica, por assim dizer, na obscuridade, sem acesso á verdade, como reafirma ainda Magda Soares: "Da língua escrita apropriam-se as classes dominantes, fazendo dela o discurso da verdade, repositório de um saber de classe, apresentado como um saber legítimo. O acesso à escrita pelas camadas populares pode, por isso, significar a renúncia ao seu próprio saber e ao seu próprio discurso, a sujeição ao saber e ao discurso do dominante". (pg. 22). Dessa forma, fica fácil a manipulação de dados, para que o acesso seja escamoteado.
Na interlocução direta com a autora, Paulo Freire em "A Importância do Ato de Ler', no seu terceiro artigo sobre a alfabetização em São Tomé e Príncipe, aponta: "...parece interessante agora, antes de concluir este trabalho com a transformação de mais alguns textos, fazer considerações em torno de um ou dois pontos, pelo menos, no campo do estudo da língua e da linguagem. Nesse caderno, a Introdução à Gramática não ultrapassa a análise das chamadas Categorias Gramaticais, nunca, porém, feita de maneira formal ou mecânica. Pelo contrário, sempre dinamicamente. Uma das preocupações nossas, considerando a necessidade que terão - é que seria funesto se não viessem a ter - os participantes dos círculos de pós-alfabetização de ler documentos do Movimento, de ler o jornal "A Revolução", de ler documentos oficiais do Governo etc... era introduzir o uso do pronome relativo "QUE" (grifo meu). A razão dessa necessidade está em que é exatamente esse pronome um dos que possibilitam o emprego muito comum, às vezes até abusivo, no discurso não- popular, das oraçoões intercaladas. Quanto mais estas orações distanciam o sujeito da oração principal de seu verbo, tanto 'MENOS FÁCIL" (grifo meu) fica a compreensão do discurso. Não é assim na verdade, que falam os grupos populares. Diante dessa constatação, não me parece que se deva simplesmente esquecer o fato mas 'INSTRUMENTALIZAR" (grifo meu) os grupos populares para que dominem essa forma de linguagem que revela outra estrutura de pensar 'QUE NÃO A SUA" (grifo meu) (pg.89).
Neste artigo, Paulo Freire cita o exemplo de um simples conectico ou pronome relativo como o agente transformador (ou não) da consciêntização do leitor. Não podemos perder de vista que essa forma de instrumentalizar a língua, remonta a "séculos de sucesso", é usado desde há muito, primordialmente como acesso ao poder, e hoje para perpetuá-lo.
Nossa função como educadores, orientadores, pais e formadores de opinião, é trabalhar pela inclusão, desconstruindo tanto quanto nos for possível o "discurso estabelecido".
Mas, como fazer para dar acesso ao livro a esse leitor excluído?
Cada um de nós tem um compromisso por assumir: dentro de nossas possíbilidades contribuir para a formação de um leitor crítico, que possa entender o mundo na várias formas e "linguagem" em que ele, o mundo, se apresenta. Nossa função é "despertar" o leitor de um sono "provocado", por assim dizer. Deixar de indicar livros de narrativas fúteis ou comprometidos com a mídia, ou mesmo estar atento para o comércio que se verifica hoje entre as escolas e editoras.
Precisamos emergir para um novo tipo de sociedade. Nessa nova sociedade que está por vir, deverá ficar definitivamente sepultado o "darwinismo social" em que vivemos hoje: somente sobrevive o mais apto, o mais bem preparado. É preciso preparar esse cidadão,(formando leitores críticos) ou essa criança que emergirá, para viver numa sociedade em que ela se sinta fortalecida pela leitura de bons livros: filosóficos, literários, políticos e toda gama de conhecimento. Só assim poderemos circunscrever um espaço livre - o espaço de pensar - para cada ser humano, respeitando seus limites, opiniões e sentimentos; edificando uma sociedade mais fraterna e solidária.
Bibliografia Consultada:
SOARES, Magda. "As Condições Sociais da Leitura" in: Leituras Perspectivas Interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1995
FREIRE, Paulo. "A Importância do Ato de Ler". São Paulo: Cortez, 1992.
UFF - 2004 - 1º semestre