OS NOSSOS CASAMENTOS GREGOS

À Simone

Uma colega, nossa diretora, está para nos deixar depois de dez anos conosco no mesmo setor da Justiça por uma daquelas necessidades de serviço, em decorrência do que toda esta última semana foi uma comoção.

Há uma atmosfera clara de consternação no ar; e, de minha parte, em tendo-a como amiga querida que em muitos momentos me compareceu como autêntica irmã, valendo-me com apoio e carinho inestimáveis durante aquelas horas de reveses que volta e meia a todos colhem neste mundo, venho procurando meditar na situação inusitada a fim de não permitir em meu íntimo o desenvolvimento dos germes negativos da inconformação e da revolta. O que não é tão difícil: trata-se ela de alguém de valor em si, de verve, que enfrenta a mudança inesperada dando exemplo de profissionalismo e de equilíbrio.

Todavia, é na sua intenção que publico, hoje, este artigo. Pois a situação toda me evocou, não sei porquê, o enredo de um dos melhores filmes a que já assisti até hoje, Casamento Grego - uma ótima metáfora daquilo que consiste as nossas vidas no terreno das convivências, com o longo decorrer dos anos.

Casamento Grego é a deliciosa história do envolvimento entre um americano e uma moça de família grega estabelecida nos Estados Unidos... cuja casa, naquela rua residencial, era a única com um "panteão" nos jardins. A julgar por esta primeira e gritante diferença dentre todos os modelos residenciais americanos, claro que esta união não haveria de se passar em brancas nuvens, o que faz com que o primeiro contato do rapaz com o pai da moça seja um esperado pandemônio... pois o altivo e digno senhor grego odiou, logo de cara, o americano que lhe pretendia a filha, apesar de toda a amistosidade do rapaz, um boa praça de bons sentimentos, que amava a jovem com sinceridade e disposição para enfrentar todas as imensas novidades e diferenças representadas por ambas as famílias, em favor do casamento de ambos.

Só que com o passar do tempo, e em percebendo que aquele americano simpático, embora típico, não oferecia grandes riscos, nem denunciava qualquer desrespeito gritante às suas tradições, buscando, inclusive, assimilá-las na medida do possível, já que concordara com o casamento na igreja ortodoxa da religião da família - esta família acaba por incorporar o rapaz e aceitá-lo, com euforia caricata, e tão completamente, ao ponto de determinadas situações causarem-lhe perplexidade e desconforto: pois que aquela família grega era assim - gritavam, brigavam e cantavam e dançavam, no momento seguinte. Era gente que não acabava mais! Mulheres demais, peculiaríssimas, expansivas, extravagantes; homens inflamados e passionais. Mas todos, indiscutivelmente, e de dentro das suas idiossincrasias, alegres, felizes, espontâneos, sinceros - cheios de calor humano!

De fato, uma boa família à qual se integrar!...

Sabem? Uma facção da minha própria família é italiana, e eu mesma, bem como meu marido, possuímos a descendência consanguínea, bisnetos de italianos que somos. De modo que houve uma unanimidade de comentários de familiares meus que assistiram a este filme, no sentido de que era uma reprodução de nós mesmos. Porque somos bem assim: família grande, que dança e canta em todas as festas possíveis. Família bem heterogênea, com temperamentos os mais díspares; família que vez ou outra se mete em dissenções passageiras, para depois de três ou quatro meses estar dançando e cantando nas festas outra vez. Sobretudo, porém, família composta de pessoas sinceras, dispostas a estender a mão uns aos outros. Família de fé. Família unida!

Mas por quê a situação mencionada acima me evocou a reflexão neste sentido? Porque todo grupo com o qual convivemos pela extensão de uma década reproduz, em variados contextos, a história retratada no Casamento Grego. Por contingências profissionais, um grupo é chamado a trabalhar e a conviver por tempo indeterminado, num regime de confinamento profissional que freqüentemente reproduz as mesmas situações dos contextos familiares - pois afinal somos seres humanos, lá e cá - e talvez que de dentro de uma intensidade maior, mais significativa, pois que esta convivência se dilata por intervalo extenso que compromete mais da metade do nosso tempo, em detrimento mesmo da nossa presença no seio da família. E é assim que se reproduzem, ali, os cenários consanguíneos: diferenças a serem compatibilizadas da melhor forma; bons momentos vividos em comum; desafios, lições de cooperação mútua, de harmonização entre opostos. Por vezes arduamente, queridos, aprende-se que estar certo não é o bastante; que não existe o errado, existe o aprendizado; que o diferente de nós é simplesmente o diferente, que percebe a vida de um outro ângulo, diverso daquele de onde a percebemos - e não o vilão...

Lembro-me de uma vez em que, fazendo turismo em Fernando de Noronha, durante um passeio de barco o grupo no qual estava viveu momentos de superprodução cinematográfica. Saimos para mar alto, para o mergulho de profundidade; só que havia a necessidade de se passar por um estreito onde o mar batia com violência, formando ondas enormes. De fato, agarrada com os outros à balaustrada traseira do barco, assustava-me o tamanho das ondas que progressivamente investiam contra a embarcação, nalgumas vezes igualando-a em altura, quando não a superavam em tamanho; e, em função disso e do aguaceiro que nos atingia barco adentro, a gritaria era medonha! Não sabíamos se ríamos, acossados pelos nervos naquela aventura insólita, se deixávamos o temor tomar conta, pois afinal o barquinho parecia tão frágil!...

Sobretudo, porém, a lembrança mais viva é a do timoneiro, tranqüilo na condução da embarcação mar adentro, ultrapassando a fúria gigantesca daquelas ondas. A imagem é nítida na retina do meu espírito, até hoje: o homem ignorava a gritaria e nos conduzia na revolução caótica daquele trecho de mar com a calma de quem sabe da necessidade de apenas ter que manter firme o barco, deixando as águas poderosas passarem, embalando-nos com imponência no seu volume agigantado. Vencemos assim, com segurança, aquele trecho acidentado dos mares de Fernando de Noronha, e seguimos entusiasmados para a nossa experiência de mergulho...

Em todo setor da vida, quem toma a frente de situações e de seres humanos deve agir como aquele timoneiro. Não pode se assustar com o volume da responsabilidade que eventualmente lhe pese sobre os ombros, confiante em si, na providência da sua própria experiência. Há que se conduzir pessoas a contento num determinado rumo momentâneo. E há que se gerir, durante algum tempo, um agrupamento mais ou menos numeroso de seres humanos, completamente díspares em atitudes, iniciativas e pensamentos; há que se impor o foco principal, com sensatez, clareza, firmeza e equilíbrio, fazendo ver o essencial acima dessas idiossincracias... consciente de que a jornada ininterrupta em busca do bem estar, da tranqüilidade e do alcance acertado dos objetivos da missão é a finalidade maior; e de que a jornada em si não tem fim, e é mutante!...

E de que mudam também os participantes desta jornada! Uns chegam, uns vão em busca de outros rumos...

E de que neste bom combate somos os vencedores!

Sempre!...

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 23/08/2008
Reeditado em 23/08/2008
Código do texto: T1142298
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