As Garras da Homofobia
As garras da homofobia.
Allan Cruz Mesquita
* Universidade Regional do Cariri – Urca
Resumo: Aborda questões relativas à violência contra homossexuais numa perspectiva
sócio-antropológica, mediada pela teoria das representações sociais, destacando os
conceitos de violência, de reciprocidade, de alteridade, de ética e de negociação da
realidade, a partir das representações sociais do homossexualismo e das implicações
produzidas no contexto de exclusão social.
Palavras-chave: violência, homossexualismo, ética e exclusão social.
VIOLENCE AND HOMOSEXUALITY
Abstract: It approaches relative subjects the violence against homosexuals in a partneranthropological
perspective, mediated by the theory of the social representations,
highlighting the violence concepts, of reciprocity, of ethics and of negotiation of the
reality, starting from the social representations of the homosexuality and of the
implications produced in the context of social exclusion.
Word-key: violence, homosexuality, ethics and social exclusion.
Este trabalho busca examinar a questão da violência ao homossexual, inserindo nessa
discussão referencial sócio-antropológicos, mediada pela teoria das representações
sociais. Parece-nos crucial levantar a questão da alteridade, visto que, a consciência do
outro, apresenta-se como a consciência da diferença, constituindo-se num problema de
proporções históricas, econômicas e culturais de contínua importância na vida coletiva e
comunitária. As relações estabelecidas entre o eu e o outro produzem situações onde se
percebe a presença do medo, da segregação e da exclusão. A noção de outro remete à
diferença como constitutiva da vida social, pois ela é produzida através da dinâmica das
relações sociais.
Para essa discussão o conceito de relação também é fundamental, não só por estar
presente na esfera cotidiana, mas, por constituir-se em nossa proposta, numa forma de
leitura. Relação na reflexão filosófica seria o ordenamento (intrínseco) de uma coisa em
direção a outra. Isto é, uma realidade que para poder ser necessita de outra, senão não é
(Sá, 1996). Dessa maneira, a vida social produz-se na heterogeneidade, onde a
negociação da realidade resulta do sistema de interações sociais, a partir das diferenças
e pela presença constante do potencial de conflito. Assim, a idéia de relação e de
reciprocidade só existe a partir do reconhecimento do outro, onde as impossibilidades
de trocas e de processos de reciprocidade podem produzir impasses sócio-culturais e
irrupções de violência no interior dos grupos/sociedades ou entre eles. “Velho,
1996:10”. Portanto, as relações sociais resultam de processos de interação e de
negociação, centrados na percepção de várias formas de alteridade relacionados às
diferenças entre os sujeitos, suas visões de mundo, perspectivas, interesses e, sobretudo,
aos múltiplos modelos de construção da realidade.
Segundo Mott (in Velho, 1996), o Brasil é o país campeão de assassinatos de
homossexuais, e ainda, entre todas as minorias são os mais odiados. A intolerância à
homossexualidade, a homofobia, tem-se apresentado das formas mais diversas, como:
chacotas, agressões simbólicas e físicas, omissão da lei e etc.; configurando um quadro
de violência que chega a barbárie.
Que causas motivariam a violência praticada contra o homossexual? A antropologia e a
história vão buscar explicar a rejeição à homossexualidade resgatando expressões como:
– “prefiro ter um filho morto que homossexual”. Nesse momento, percebe-se a repetição
de normas e de leis que se cristalizaram através de mitos e que vêm sendo reforçadas ao
longo do tempo pelo senso comum. É o caso de Javé, quando fez o seguinte decreto:
“(...) o homem que dormir com outro homem como se fosse mulher deve ser
apedrejado”. Por gerações e gerações nossos antepassados aprenderam na Bíblia, no
catecismo, na inquisição, que homossexual tem que morrer. “Mott, apud Velho, l996”.
No caso do Brasil, os homens brancos, donos do poder, precisavam exercer um
machismo ainda mais violento, devido a grande maioria de negros e índios que
mantinham sob seu domínio. Portanto, o machismo latino americano fruto da
escravidão, tornou-se mais violento que em outras partes do mundo.
Segundo Chineli “apud Velho, 1985” o homossexual é tido como um desviante. Cada
grupo cria suas regras específicas, que são impostas aos membros com menor poder de
influência social, visando a manutenção do status quo. O desvio, portanto, é uma
invenção da própria sociedade, que tem por finalidade o controle social. Para justificar a
punição do desvio, o corpo social desloca a culpa para a vítima, quando considera que o
homossexual é portador de um estigma, que justifica situações de discriminação –
Teoria do Estigma, de Gofman. O que significa que existe uma ideologia para explicar a
inferioridade, e dar conta do perigo que representa o homossexual.
Em consonância com a teoria das representações sociais “Joffe, l995”, afirma que:
“(...) as mudanças no ambiente social, produzem insegurança nos sujeitos, que por sua
vez exacerbam conflitos de identidade não resolvidos. Quando as pessoas ligam práticas
aberrantes a um “outro”, já não se faz mais necessário deparar-se com os conflitos que
também lhes pertencem.”.
As maneiras como os brasileiros lidam com o homossexualismo, possivelmente é
reflexo de suas tensões e problemas (inclusive de natureza sexual) não resolvidos.
Ainda segundo essa autora, cada grupo social tem vários depositários, grupos indefesos,
como alvos potenciais para projeção dessas tensões e problemas não resolvidos. Ocorre
que a ideologia dominante tende a propagar imagens de alguns grupos específicos como
sendo o seu “outro” total. Nas sociedades ocidentais um dos grupos que tendem a
ocupar esse lugar é o homossexual. Experiências subjetivas e internas são parte e
parcela desses posicionamentos sociais, porque a projeção de ações socialmente
inaceitáveis sobre outros está relacionada a sistemas de defesa primários, que
permanecem no sujeito durante toda a sua vida, e são reativados quando a pessoa
experimenta situações de impotência em relação a objetos do mundo externo “In, apud
Joffe, 1995”. Daí a separação de objetos em bons e maus, feita no processo de formação
da identidade e gerada também por divisões ocorridas na história de suas respectivas
sociedades.
O homossexual representa no imaginário coletivo o grupo mal. Os aparelhos
ideológicos do estado, a escola, a família, a igreja e os meios de comunicação têm feito
seu papel no sentido de alimentar esse imaginário e fomentar a violência brutal aos
homossexuais de tal forma, que os coloca na posição de não gente.
Na verdade, de pouco adiantará a discussão acadêmica se não transformarmos as nossas
práticas, ou ainda, as nossas implicações com essa prática. Nesse momento, faz-se
necessário salientar que toda questão prática implica e traz consigo a dimensão ética.
Toda nossa postura implica numa dimensão ética. Como afirma Dussel:
“É ao reconhecer o “outro” como “dis-tinto”, estabelecendo relações de diálogo,
construtivistas, de conversão, é nisso que consiste toda eticidade da existência. E nossa
ética vai se diferenciar conforme nossa relação diante do outro”. “In Guareschi.
1998:98”
As situações vivenciadas pelos homossexuais deflagram injustiças, que em parte, são
oriundas de determinada visão de ser humano que é defendida pelo modelo
hegemônico, produzindo práticas bem diferenciadas que vão da violência velada a não
velada. Distintas formas de dominação, nesse caso a ocidental, expressam e produzem
valores, de forma a promover uma negociação permanente, mesmo quando
representados socialmente como imutáveis e naturalizados.
Tanto nos fenômenos de reprodução social, como no de mudança e de ruptura, observase
a relação entre a violência física com as formas de dominação e seus diversos níveis
de legitimação.
A violência produzida contra os homossexuais em nossa sociedade não se relaciona
apenas à desigualdade, à diferença, mas ao fato de esta ser acompanhada de um
esvaziamento de conteúdos culturais, destacando-se os éticos, no sistema de relações
sociais.
Portanto, é necessário criar as condições propícias para a emergência de novos
paradigmas. Onde o fazer social reflita uma alteridade fundamentada no resgate de uma
ética comprometida com o processo de inclusão social das minorias, é também preciso
instaurar na sociedade brasileira um sentimento de indignação que gere a denúncia e
desbanalize as formas veladas de violência a qualquer segmento social e, nesse caso, ao
homossexual.
Bibliografia:
GUARESCHI, Pedrinho. Alteridade e relação: uma perspectiva crítica. In ARRUDA,
Angela (org). Representando a alteridade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
MOTT, Luiz. Os homossexuais: as vítimas principais da violência. In VELHO,
Gilberto, ALVITO, Marcos (orgs.). Cidadania e Violência. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1996.
SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Petrópolis, RJ: Vozes,
1996.
VELHO, Gilberto (org.) Desvio e divergência: uma crítica da patologia social. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.
VELHO, Gilberto, ALVITO, Marcos (orgs.). Cidadania e Violência. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1996.