Embaixo do lençol

Prólogo:

lençóis brancos estendidos ao vento que brilhavam ao sol ou à luz da lua, às vezes, cobriam o corpo do homem só em um cômodo azulado. Esse espécime raro de ser não demonstrava insapiência e tampouco queria parecer insipiente a ponto de não compreender suas cogitações isoladas, nas madrugadas não tão frias quanto as que já vivenciara em São Joaquim, Santana do Livramento e Gramado.

Na madrugada de 20 de agosto do ano de 2008, embaixo do lençol, sobre uma cama espaçosa, de madeira forte e pesada, havia um corpo escanifrado, meio esconso, fragilizado pela dicotomia (fé e desesperança), hoje perene, herdada pelos desenganos da vida.

O matraquear sinistro, tique-taque cadenciado e repetitivo, quase hipinotizante do relógio parecia dizer: “não durma! Você precisa continuar a escrever. Faça algo bom pelos seus semelhantes".

Não. Não pensem os diletos leitores que escreverei algo erótico. O tema: “Embaixo do lençol” sugere exatamente isso? Trocista, resolvi encarar algo diferente, menos protervo. Ah! Agora posso dizer, ou melhor, escrever as palavras de meu falecido pai: “Quem não tem cão caça com gato”! (SIC).

O bom homem (Seu Muniz) faleceu em 1999 sem saber que esta expressão está errada. Desde pequeno aprendeu assim e morreu, aos 82 anos, sem que lhe dessem a oportunidade de saber que o certo é: “Quem não tem cão caça como gato”, isto é, sozinho.

Sem estar, ainda, sob o efeito da amnésia perguntei, pensando com meus botões, sem verbalizar esse devaneio, quantas pessoas por esse Brasil afora saberia disso? Oh! Triste sina de quem, igual a mim, tenta desmistificar antigos dogmas embaixo do lençol.

O friozinho da madrugada deixa a todos, não sou exceção, assim, meio preguiçoso. Fico indolente, às vezes, apenas do pescoço para baixo, senão vejamos: não é "Quem tem boca vai a Roma", mas sim "Quem tem boca vaia Roma". Claro que precisava ser corajoso para isso.

Alguns cristãos mais afoitos vaiavam os pretores romanos, sem receio de serem jogados às feras no Coliseu romano. Vaiam-se, aqui no Brasil, não apenas os magistrados e políticos, mas também jogadores, técnicos, ginastas e até o mais insigne representante da nação, não apenas por ter a língua presa ou um dedo a menos em uma das mãos.

Infelizmente outras nações seguiram a mesma torpeza da maioria dos brasileiros. E o que vamos dizer aos franceses ("Qui langue a, à Rome va"), aos espanhóis ("Preguntando se va a Roma") e aos italianos ("Chi lingua ha, a Roma va")?

Ah! Essa minha doida mania de querer ensinar padre-nosso ao vigário. Nosso idioma usa as terminações -inho ou -zinho para formar seus diminutivos, enquanto o latim, nossa língua mãe, usava o sufixo -ulus, que chegou até nós em muitos vocábulos de uso científico.

Falamos em pelezinha e película, em globinho e glóbulo, em rodinha e rótula, em corpinho e corpúsculo. Em cada par, qual é a diferença? Ambos os vocábulo são diminutivos, mas o primeiro é de emprego corrente, enquanto o segundo é mais erudito.

O coelho da Páscoa traz ovinhos; no entanto, quando falamos da reprodução humana, só aceitamos a forma óvulo. Nossa garganta tem uma úvula, mas não uma uvinha, e os frutos não têm pezinhos, mas pedúnculos.

Os falantes, não os escreventes, reconhecem a maioria desses diminutivos latinos, mas alguns leitores, certamente os menos injustos, talvez os mais perspicazes, vão querer me aplaudir por essas bobagens pensadas embaixo do lençol. Não sei se mereço tão solidária ovação. Afinal, não haveria outras coisas mais interessantes para fazer na alcova e embaixo do lençol? Não no meu caso. Creio que o livre e bom pensar faz o rude mais delicado.

Em princípio eu não deveria estar pensando tantas tolices. Mas sem um aprazível cobertor de orelha e às 3h37min do vigésimo dia do mês de agosto desse violentíssimo ano de 2008... Por que não pensar bobagens? É quase hora de eu me levantar e abraçar meus cachorros (Hulk e Jade), como forma de agradecimento por mais uma parte da noite bem dormida, em total segurança, sob a proteção dos leais companheiros.

Prestaram a devida atenção quando escrevi “Em princípio” no parágrafo anterior? A maioria dos “bons falantes” não distingue a supracitada expressão da outra parecidíssima: “A princípio”. No entanto, em princípio significa "em tese", "teoricamente", enquanto a princípio é sinônimo de "inicialmente", "no começo", "no princípio". Vejamos os exemplos abaixo:

1. Em princípio, todo homem é igual perante a lei. O contrato deverá, em princípio, ser renovado no ano que vem. Em princípio, eu não irei à festa. Se eu mudar de idéia, telefono para Pedro Henrique, Cecília, Solange, Fabianne, Fernanda, Madalena e Nathalia.

2. A princípio, eles acharam a proposta ridícula. Depois terminaram aceitando. A princípio, tudo eram trevas. Todavia, no 4º dia, segundo o Livro de Gênesis, criou-se o sol.

Atenção! Não me perguntem como era separado o dia da noite nos três primeiros dias antes da existência do astro rei.

Autodidata é assim mesmo. Estuda em todos os lugares e a todo o tempo. Ser pragmático tem dessas vantagens. Até embaixo do lençol tenta aprender algo. Esqueceram que sou hiperativo? Eclético? Talvez.

Falando em sol. Os raios de fogo do verão estão a caminho de minha janela. Não apenas de minha janela, mas de muitas outras para aquecer corpos frios de pais e mães desalmadas que agridem e desrespeitam seus filhos por motivos fúteis, tara inconcebível.

Neste exato momento, insandecidos, arquejam muitos pais amantes infames sob a égide torpe, dando vazão à maledicência, mais sofrida do que prazerosa, conspurcando o amor embaixo do lençol.