A libertação do Paraguai
Como disse Leonardo Boff, não se pode falar do Paraguai sem antes, humildemente, pedir desculpas pelo genocídio que as tropas da Tríplice Aliança perpetraram durante os cinco anos de guerra. É uma dívida ética ainda pendente. Nós criticamos muito a truculência norte-americana, sem ver que a do Brasil está para a América Latina assim como a dos EUA estão para o mundo.
Depois de maios de 60 anos de domínio do Partido Colorado, finalmente, irrompeu uma figura de alto valor ético e político na pessoa de Fernando Lugo. Foi padre da Congregação do Verbo Divino e bispo de San Pedro, uma diocese pobre. Formado em “Ciência da religião” e em “Sociologia” com especialização em doutrina social da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma. Foi professor de teologia e membro do seleto grupo de assessores do CELAM (Conselho Episcopal Latino-americano).
Lugo inseriu-se profundamente nos meios pobres e na cultura índia (ele fala fluentemente guarani). Esta prática pastoral lhe fez entender o acerto de partir do universo dos pobres, dar-lhes vez e voz, fazer corpo com suas causas, participar de suas agruras e alegrias corroborando para que se tornem sujeitos de sua libertação, construtores de um outro tipo de sociedade e de outro modelo de Igreja, fundado em redes de comunidades de base.
Integrado nos meios populares, sentiu na pele a urgência de mudanças políticas de seu país. Não havendo lideranças significativas que pudessem romper a “ditadura” do Partido Colorado e de combater a corrupção instalada em todas as instâncias do poder, entendeu que ele poderia prestar esse serviço a seu povo, desenvolvendo uma “liturgia” no sentido antigo da Igreja, mais que um conjunto de ritos e celebrações, era entendida como um serviço ao povo no sentido do bem comum.
Pois essa “liturgia-serviço” foi assumida pelo bispo Lugo. Coordenou a formação da “Aliança Patriótica para a Mudança”, apoiada pelo Partido Liberal Radical Autêntico e por um leque de partidos menores que o levaram à presidência do país.
Roma se opôs à sua decisão, chegando até a suspendê-lo “a divinis” (proibição de exercer o ministério). Uma vez eleito, triunfou a sensatez e o Vaticano acolheu seu pedido de voltar ao estado leigo. É infeliz a expressão “redução ao estado leigo”, pelo simples fato de que este estado é o de Jesus, que é da tribo de Davi, de leigos, reis e poetas.
Portanto, ele foi “promovido” ao estado de leigo, ao de Jesus (que nunca foi sacerdote). Lugo quer exercer o poder dando centralidade aos pobres e ao povo guarani, sem querer fazer da política seu destino de vida; mas, apenas, uma passagem de serviço.
Apesar de bispo, é um homem que sabe escutar e acolher os clamores que vêm de baixo, fruto da experiência sofrida de muitas gerações. É uma honra para a Igreja e para a própria Teologia da Libertação oferecer um quadro desta densidade política e ética para servir a um povo que tanto sofreu historicamente e que merece um destino melhor, integrado nas novas democracias do Continente.
Teólogo leigo. Doutor em Teologia Moral