Reminiscências sobre o ressentimento.

Tenho tentado entender alguns processos emocionais que vêm e vão durante o desenrolar da vida. Um dos mais cruéis sem dúvida é o ressentimento. A questão mal resolvida, a mágoa guardada, o sofrimento revivido e armazenado como arma contra o amor e contra o estreitamento dos relacionamentos. O mais intrigante do ressentimento é que o ressentido nunca questiona o objetivo do ressentimento guardado. Jamais questiona aonde vai chegar mantendo-se na posição de vitima do mal provocado por alguém. Torna-se, com base em sua mágoa, algoz de todas as coisas do mundo e de todas as pessoas. Julga-se como o maior dos sofredores e como maior vítima que possa existir entre todos os seres humanos com os quais se relaciona. Nenhuma dor é relevante. Ninguém merece perdão. Somente julgamento e condenação. Nenhum ser humano merece uma segunda chance. Se a segunda chance é dada, seu objetivo é somente o de ter por perto alguém para acusar em momento oportuno. E qualquer momento é oportuno. Nunca é oportuno o momento de ajudar. Nunca é oportuno estender a mão, para que o próximo se levante. O próximo não merece jamais ser levantado, mas julgado por seus atos, que certamente produziram a situação de sofrimento.

Salta-me aos olhos que o ressentido muitas vezes sente um certo grau de prazer em ver o outro sofrendo as conseqüências de seus atos. É mister que haja sofrimento. É necessário que seja notória a “justiça” diante dos olhos do mundo sobre aquele que em algum momento agiu de maneira considerada incorreta. Mesmo que seja apenas um ponto de vista o que o ressentido ache incorreto.

Este gênero de pessoa não tem palavras amigas ativas. Apenas reativas. Se ouvir palavras amigas, responderá apenas positivamente. Jamais tomará a iniciativa de elevar o moral ou o astral de alguém. Suas iniciativas serão apenas e tão somente para julgar os atos com os quais não concorde. Mesmo que sob o ponto de vista da maioria não seja algo tão errado assim.

Qualquer pessoa que se aproxime servirá apenas enquanto tiver uma conduta irrepreensível sob o seu ponto de vista. Após o primeiro deslize, certamente será alvo do julgamento que o ressentido tem pronto para qualquer pessoa que com ele discorde. Suas críticas serão ácidas até mesmo para seus filhos. Com esses o ressentido é ainda mais implacável: Apoiará incondicionalmente o filho que permanecer agindo conforme seus ditames. Ao afloramento de uma personalidade mais adulta, que revele vontade própria e modo de agir e pensar independente, certamente colocará o filho sob a mira de sua avaliação, que será intolerante a qualquer deslize. As frases “eu te disse” e “eu te avisei” juntamente com “você está colhendo o que plantou” na minha humilde opinião, são criações de um ressentido. Bons seres humanos não desejam ver o mal de ninguém. Sofrem quando o outro sofre e não se riem ao ver a desgraça alheia (outro ditado que deve ter nascido de um ressentido).

Conduzo-me então à teoria de que o ressentido jamais assumiu que errou. Sob seu ponto de vista, suas ações são reações às ações de outros ou às circunstâncias do ambiente ou do meio em que vivem. Sua falta de empatia, decorre então da irresponsabilidade por sua própria vida. Ao não assumir que seus erros decorrem de sua própria iniciativa, julga-se vítima do mundo e das pessoas. Toda e qualquer ação sua, será vista por ele como reação a algo que alguém provocou ou o ambiente em que vive proporcionou. Dificilmente assumirá ter provocado qualquer sofrimento em outrem. Somente quando confrontado insofismavelmente assumirá erros de atitude ou julgamento. A irresponsabilidade advinda do medo em que vive cria uma “capa protetora” contra qualquer ameaça a seu estado de pessoa “acima de qualquer suspeita”. Nada lhe diz respeito. Apenas o que lhe atinge e, isto certamente será culpa de qualquer outra pessoa. Jamais dele mesmo.

A evolução enquanto seres humanos nos leva à procura da empatia. É confortável nos sentirmos iguais. É valioso saber que o sofrimento de outro pode ser aplacado com um gesto ou uma palavra saída de nós. O crescimento enquanto pessoas passa por assumirmos nossos erros, grandes e pequenos, e aprendermos que somos humanos e falíveis. Que precisamos de perdão, compreensão e tolerância às nossas falhas. Certa ocasião o pastor David Wilkerson escreveu sobre “a grande responsabilidade dos que são perdoados”. Esta responsabilidade decorre de, ao assumirmos nossa pequenez e falibilidade, nos posicionamos temporariamente como inferiores aos outros e carentes de sua ajuda. Ao recebermos tolerância, ajuda moral e incentivo para continuarmos, através de pessoas que nos tratam como iguais e relegam nossos erros ao esquecimento, somos então responsáveis por gerar o mesmo bem estar em outros. Tornamo-nos então co-responsáveis pelo perdão. Tornamo-nos então um pouco divinos, posto que se diz do perdão ser divino!

Tenho dito que o verdadeiro amor decorre de algum tipo de sofrimento. Todo amor só se prova verdadeiro quando voluntariamente nos privamos de algo grande ou pequeno em favor de alguém ou uma causa. Quando de alguma forma nos sacrificamos, renunciamos ao nosso egoísmo e com atitudes ou palavras nos doamos um pouco. Por este motivo, não aceito em meus filhos adolescentes a afirmação de que “amam” alguém. Não sabem o que é amar, enquanto não renunciam a nada por seus amores. Neste caso, as pessoas têm apenas afinidades. Gostam das mesmas coisas e ao mesmo tempo. O amor decorre de sacrifício. Por isso em João 3:16 existe a afirmação da grandeza do amor de Deus pela humanidade.

A grande teia de aconchego e amizade que se forma com a prática do perdão promove a verdadeira evolução do grupo (quiçá da espécie), elevando-o à preocupação com outros valores, ainda mais elevados e transcendentes. Valores que formam por sua vez uma teia de bem estar, que acaba por rechaçar qualquer membro que alimente o ressentimento. Os membros do grupo (família, empresa, clube, associação, etc.) acabarão por aprender com seus pares a eliminar qualquer resquício de ressentimento. De forma natural, se abrirão aos outros e darão chance à eliminação de mágoas dantes tão difíceis de se conviver.

Não quero com este escrito fazer pensar que sou favorável à tese que diviniza o ser humano. Continuo crendo que jamais seremos seres divinos. O ser divino que nos ensina o perdão, através de seu exemplo (e existe outro meio de ensinar?), nos dá caminhos para segui-lo, mas ciente de que jamais chegaremos à sua perfeição. E é isso que nos torna seres privilegiados: O fato de que, ciente de nossa incapacidade para atingirmos a perfeição, Jesus se fez homem, viveu como homem, sofreu como homem, mas mostrou que é possível não errar, nos mais diversos aspectos da vida. O mais interessante de tudo isso é que Ele nos perdoou antes mesmo de o matarmos. Sabedor dos desígnios da raça humana, Jesus pôde prever cada um dos acontecimentos e, num supremo exemplo, nos deu perdão.

O que me faz ainda mais inquieto. Se Jesus que é perfeito sob todos os aspectos, não titubeou em perdoar um arrependido, fosse qual fosse sua falha. Por que então algumas pessoas são incapazes de perdoar? Julgam-se mesmo superiores?

Talvez o pior do ressentimento seja mesmo a velha frase (não me lembro o autor) “Guardar ressentimento é tomar veneno e esperar que outra pessoa morra.”

David Ferraz
Enviado por David Ferraz em 03/08/2008
Reeditado em 03/08/2008
Código do texto: T1111386