Cristal In Concert: orgulho de Assis e região!

A Jovian, pelos tempos de baterista do Cristal

O Cristal In Concert reúne artistas da música, do teatro e da dança mantidos ou convidados pelos projetos de banda musical, coral, teatro e dança da Fundação Rezende Barbosa.

Acompanhado de minha família, assisti ao evento realizado na noite de sexta-feira no teatro de Assis. Confesso que não entendo nada de música, nem de teatro, nem de dança. Assim como eu, dezenas de pessoas também nada entendem dessas artes. E quem precisa entender?

O que importa não é o entendimento que os receptores leigos possuem, mas a capacidade de penetração e de interiorização proporcionadas pela Arte.

Detalhes técnicos são percebidos por quem detém conhecimento. Algum instrumentista eventualmente perde o compasso durante a execução. Um membro do coral deixa fugir o ritmo. Um ator esquece ligeiramente a fala ou um dançarino atrapalha-se nos movimentos exaustivamente ensaiados. O que importa? Quem, completamente embriagado pela sensibilidade do Cristal In Concert, observa um ou outro detalhe?

Os únicos detalhes observados são aqueles inerentes à beleza. A beleza que se concebe da sinergia natural do crepúsculo e da aurora irmanados em um só grito, como se silêncio e som ou som e silêncio (termos bastante usados na apresentação) integrassem um mesmo elemento, não representando paradoxo, maniqueísmo ou simples dicotomia de especulação filosófica.

Apenas a Arte – e nada mais nem ninguém mais que ela – tem o poder de penetrar no espírito mais revolto ou medíocre, na alma mais perplexa ou iluminada, na vida mais insignificante ou enérgica, nos planos mais eloqüentes ou melancólicos. Desse axioma, dois exemplos: uma garota de cinco anos e um senhor de aparentes setenta anos.

Camille, cinco anos de idade, neta de uma amiga de minha mãe, mora no bairro de São Cristóvão, na cidade do Rio de Janeiro. Sua casa fica perto de pontos turísticos como a Feira de São Cristóvão, a Quinta da Boa Vista e o campo de treinamento do Vasco. Ela fala demais. Fala demais até tirar qualquer pessoa do sério.

Como o evento começasse às 20h30, chegamos ao teatro às 20h, escolhemos as cadeiras e nos sentamos. Durante trinta minutos, Camille importunava metodicamente minha mãe e a avó dela.

Iniciado o espetáculo, Camille silenciou, enfeitiçada pela harmonia que exalava dos atores, dos bailarinos, dos instrumentistas e dos membros do coral. Uma cadeira na ponta esquerda da fila do meio vagou. Camille correu para lá. Próximo dela, um senhor de cabelos brancos ralos mostrava-se tão encantado quanto a menina. Pelos trejeitos calmos e calculados, depreendi sua personalidade contida.

Enquanto os pulos dos atores encerravam uma cena para iniciar um novo bloco de músicas, percebi que só a Arte poderia reunir uma criança e um idoso, uma enérgica, o outro, tranqüilo. Uma, iletrada. O outro, aparentemente leitor dos mais refinados. Ambos sem entenderem os preceitos teóricos daquelas quatro manifestações artísticas, mas repletos da beleza exalada por elas.

Naquele instante, naquele preciso instante de beleza e de genialidade, Camille e o homem comungavam da exuberância dos anjos e do prazer dos mais deliciosos sonhos. Naquele exato momento, nem Mozart, nem Beethoven, nem Ravel, nem Chopin encher-se-iam, interiorizar-se-iam ou refestelar-se-iam de tanto deslumbramento.

Fosse criança, fosse jovem, adulto ou mais que adulto: quantos de nós não quereríamos estar naquele palco, aplaudidos, festejados e reconhecidos pelos dotes inatos e conquistados por meio de longos, árduos e, algumas vezes, desestimulantes exercícios? Quantos de nós não gostaríamos de soltar a voz no coral nas músicas mais emocionantes, interpretar as falas nas mudanças dos blocos, dançar na coreografia que acompanhou a música “Aquarela” ou executar algum instrumento?

Um ponto importante – que me remete ao planejamento dos escritores na elaboração de grandes obras de nossa Literatura – é a concepção do espetáculo! Do começo ao fim, as músicas encaixavam-se umas nas outras, como se estivéssemos subindo degrau por degrau de uma escada que levasse ao Firmamento.

Uma vez perguntaram-me o que diferenciava Assis de outras cidades. Eu lecionava turismo numa escola técnica e a pergunta partia de um experto em turismo. Antes que falasse qualquer coisa, uma “professora” interveio: - A Unesp, o Parque Buracão, o Museu, as boates...

- Unesp, parque de caminhadas, museus e boates temos em qualquer lugar! Isso não é turismo! É uma estrutura de qualquer cidade! Cortou o perito, dando-lhe as costas.

Esse episódio aconteceu seis anos atrás. Se tivesse de responder essa pergunta novamente e não fosse inconvenientemente interrompido por nenhuma “professora”, indiscutivelmente eu responderia, com convicção plena, que o Cristal In Concert é o que diferencia não apenas a cidade, mas toda a região de Assis de todos os outros lugares.

Algumas cidades e estados podem até dispor de uma banda musical ou de um coral ou de um teatro ou de um corpo coreográfico ou desses quatro elementos juntos. Mas nenhuma cidade nem nenhum território abrigarão a perfeição, a sublimação estética ou a delicadeza onírica do Cristal in Concert de Assis.

Se pudéssemos – assim como puderam algumas igrejas de Ouro Preto (MG), de Mariana (MG), de Congonhas (MG), de Sabará (MG), o conjunto arquitetônico e paisagístico de Brasília, alguns prédios de João Pessoa (PB), de Salvador (BA), de Olinda e de Recife (PE), de São Luis (MA) – tombar um bem cultural em nossa região, o Cristal In Concert seria o principal candidato a Propriedade Imaterial do povo da Região de Assis.

Para finalizar, narro uma pequena história. Em outubro de 2002 participei de um congresso jurídico, realizado no Teatro Guaíra, em Curitiba (PR). Ao fim da conferência, cada orador era ovacionado como campeão de uma disputa esportiva acirrada. Os cerca de dois mil espectadores aplaudiam, levantavam-se, aplaudiam mais, assobiavam, gritavam.

Imagino como o Cristal In Concert abalaria as estruturas do gigante Guaíra, conquistando cerca de dois mil curitibanos e recebendo, como verdadeiros artistas merecem, o calor estrondoso do reconhecimento que os curitibanos sabem dar aos grandes talentos.

Valeu, Cristal!

*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 1 de agosto de 2008.