Honestidade das Leis
Um dos mandamentos do bom juiz diz:
"Entre a justiça e a lei, faz justiça!"
Isso significa que, numa situação que, embora legal, seja injusta, o magistrado deve fazer justiça, amoldando sua decisão a critérios de honradez e dignidade.
O mandamento, claro, se refere a magistrados, que podem e devem interpretar e aplicar as leis.
Este artigo propõe, contudo, uma reflexão sobre a honestidade das leis. Sabemos que toda lei, por fundamento, tem que ser elaborada pelo Poder Legislativo, atendendo aos anseios da população que o elegeu e as necessidades da coletividade. Depois disso passa pela sanção ou veto do chefe do Poder Executivo, também eleito pelo povo, que a analisa sob os critérios da possibilidade e aplicabilidade.
Sem mergulhar nos detalhes, logo concluímos que as leis, sendo elaboradas e sancionadas pelos representantes do povo, devem ser justas. Se não o forem, ainda existe o Poder Judiciário, cujo mandamento, como já vimos, é fazer justiça até mesmo diante de leis injustas.
Como pode, então, diante da certeza de que é justa, uma lei ser desonesta?
Honestidade tem a ver com honradez, com retidão de caráter. Uma pessoa honesta preza pelo respeito às leis e, mais ainda, aos direitos naturais de todos, mesmo que não sejam objetos de qualquer lei.
Outro dia um preposto de uma empresa-cliente me contava que viveu algum tempo no Alaska e que se surpreendeu com a postura das pessoas. Era normal ouvir alguém dizer 'isso é ilegal' diante de qualquer situação. Contou isso para dizer que, lá, as pessoas estão sempre preocupadas em saber se podem ou não, diante da lei, agir desta ou daquela maneira. Quando se veem diante de uma contrariedade, logo rejeitam dizendo: 'não, isso é ilegal'. Aí parece, pelo relato que ouvi, residir uma harmonia plena entre o povo e os seus representantes. As leis são aplicadas e fiscalizadas por todos.
Entretanto, eu me pergunto: Por que é que no Brasil as pessoas sempre procuram, diante de uma lei conflitante com seus interesses, um jeitinho de burlá-la?
Pergunto isso como advogado, após vinte anos encostando a barriga nos balcões dos tribunais, em busca de justiça para meus clientes. Não vou entrar, contudo, no assunto da (in)eficiência da máquina governamental e judiciária, tampouco divagar sobre a corrupção ou desvio de verbas públicas que, como se sabe, são ilegais e sujeitam seus praticantes a prisão. Estou falando é de brasileiros decentes, que buscam um mundo melhor mas, por um motivo ou outro, encontram obstáculos institucionais.
A conclusão a que chego é de que, em algum momento, algumas leis, apesar de justas, deixam de ser honestas, mais precisamente na hora da aplicação. Vamos a alguns exemplos:
É honesto fixar limite de velocidade numa pista e reduzi-lo no ponto em que há fiscalização? E não é isso que acontece em nosso país?
Ainda no trânsito, você nunca passou por um ponto de uma estrada em que a ultrapassagem é absolutamente possível, mas a faixa pintada no asfalto é contínua? E nesse ponto não costuma estar um policial escondido para multar quem ultrapassa ali? Isso é honesto?
Nas cidades, é honesto colocar uma câmera para multar quem passa por um sinal vermelho, mas não colocar um policial para proteger quem pára num cruzamento? Aqui em Curitiba isso não ocorre mais. Não, não foi colocado um policial em cada esquina. Eles preferiram desativar as chamadas 'ratoeiras', mas foi preciso morrer gente em assaltos para que essa medida humanitária fosse tomada.
Saiamos do trânsito. É honesto aumentar a carga tributária se o povo não aguenta mais pagar impostos?
É honesto aumentar impostos para os cumpridores de seus deveres porque não se consegue receber dos descumpridores?
É honesto estabelecer uma carga tributária tão elevada que inviabilize a sua prática? Que transforme cidadãos honestos em sonegadores?
É honesto dar aos amigos as benesses da lei e aos inimigos os rigores da lei?
Quando o Brasil era colônia de Portugal, reclamava-se da lei que impunha a obrigação de pagar imposto de vinte por cento à coroa. Era o chamado 'quinto dos infernos'. Hoje a carga tributária é o dobro daquela que levou, entre outros fatores, o país a buscar sua independência. Alguns até brincam que seria melhor devolver o comando aos portugueses e pagar-lhes o 'quinto abençoado', pois sairia mais barato voltar a ser colônia.
Proponho, para finalizar, uma reflexão profunda às pessoas de bem. Fiscalizemos, sempre, além da justeza, da ética e da moralidade, este conceito que parece estar implícito em todos os outros: a honestidade.