Notícias de um fratricídio

A Lei da Selva narra histórias e estórias que a História do Brasil tenta em vão esquecer, mas que jamais conseguirá apagar... E, coincidentemente seu recente lançamento ocorre justamente num momento em que as tropas do Exército Brasileiro ocupam favelas à procura de seu armamento recém-roubado no Rio de Janeiro...

A obra nos revela um perfil de governo da época, não só baseado na força, no punho de ferro mas, sobretudo, lança um comovente apelo pela abertura de arquivos militares e, pelo direito de informação das famílias dos desaparecidos que foram despojados até de seus próprios cadáveres e não puderam ter a dignidade de ao menos enterrá-los, já que não conseguiram salvá-los. Alguns desses brasileiros deixados para trás, ficaram insepultos, como se amaldiçoados fossem.

A enorme mobilização e aparato militar para combater a guerrilha do Araguaia ,nos idos dos anos 70, mostrava que as tropas, com algum empenho, poderiam capturar os guerrilheiros vivos e, até levá-los aos quartéis presos, mas a custódia do Estado só era deferida apenas em alguns casos honrosos e especiais e quando havia alguma preciosa razão para tanto, como por exemplo, a extração cirúrgica de informações...

O próprio obscuro suicídio de Herzog até hoje serve para demonstrar que tanto a versão dos militares quanto a dos militantes nunca convenceu plenamente a ninguém.

Mais do caminhar sobre precisas reticências, o livro traz uma profícua abordagem histórica, sociológica, psicológica e jurídica de todo um momento delicado, de enfrentamento e violência, onde com imparcialidade, salienta o autor Hugo Stuart, houve excessos de ambos os lados. Atrocidades regadas e desregradas.

Além disso, a obra traz relevantes remissões à filosofia e mitologia grega nos explicando como o sentido da morte afeta muito o sentido da vida.

Na verdade, o livro além da narrativa envolvente vem a preencher um vazio indigesto dentro da literatura histórica brasileira, trazendo sagazes depoimentos e, mostrando até a terceirização da luta.

Toda a saga heróica e espartana na defesa da pátria ou dos radicais idealistas que fizeram da força armada seu principal argumento, serve para abrirmos uma reflexão sobre o país que tivemos naquela época e das contradições palpitantes que ainda hoje não sanamos.

É mesmo uma leitura imperdível quer pelo tema, quer pela abordagem e, sobretudo pelo primoroso trabalho de pesquisa que nos permite deslumbrar a "cara do Brasil".

Na verdade, ao desvendar a ética da selva, romanticamente, colocamos um fim num desfecho trágico, e talvez desse modo possamos abreviar pelo menos um pouco a tragédia dos anos da repressão militar.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 23/07/2008
Código do texto: T1094662
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