Utopia
A análise da obra “Utopia”, de Thomas Moro, constitui um óptimo pretexto para repensar as utopias.
A ilha imaginária para onde somos conduzidos pelo marinheiro Hitlodeu é “Lugar Algum, isto é, ela pode estar em qualquer lugar, e é do presente, quer dizer, é sempre possível. Utopia significa antes de tudo a negação do facto, o afastamento do que é dado, a revolta ou a crítica”. Se esta é a mensagem primeira e última que podemos colher do livro de Moro, tal significa, em consequência, que as utopias são necessárias, e são-no, simultaneamente – insista-se nesta ideia força -, enquanto investem sobre o real para o contestar e enquanto idealização de um projecto algures alternativo. É nesta tensão, sempre presente, que Paul Ricoeur vê a função libertadora da utopia: “Imaginar o não-lugar é manter aberto o campo do possível. (…) a utopia é aquilo que impede o horizonte de expectativa de se fundir com o campo de experiência. É aquilo que mantém o afastamento entre a esperança e a tradição”. Ora, as esperanças que as utopias nos propõem, inscrevendo-se no imaginário colectivo de um determinado contexto epocal, são a expressão dos desejos que mobilizam as sociedades para outras formas de existência. No nosso tempo, contrariamente aos que afirmam o fim de qualquer pensamento utópico, ou os que o temem como premonição de novos totalitarismos, outros, mais optimistas, reconhecem-no como fecundo a uma atitude social e politicamente crítica e progressiva face aos problemas com que se depara o mundo contemporâneo: super-industrialização, clivagens países desenvolvidos / países em vias de desenvolvimento, deterioração do ambiente, explosão demográfica, progresso científico e novas tecnologias, manipulação da informação, uniformização cultural… O campo de experiência, de que falava Ricoeur, está aí, alimentado a criatividade libertadora, por muito que esta seja imaginação difusa de projectos radicais alternativos.
Voltar à utopia ou às utopias, não é, hodiernamente, pensar em concretizá-las, mas utilizá-las como instrumentos válidos de pressão sobre a realidade, sobre a experiência, forçar o campo do real para abrir todas as possibilidades a novas invenções sociais. As utopias mobilizam o imaginário, individual e colectivo, no sentido de assumir um efeito de “ libertação criadora”.