O verdadeiro progresso

É muito comum nos dias de hoje, tempos de grandes transformações tecnológicas e sociais, considerar elementos como o desenvolvimento científico (medicina, informática, etc.) ou ainda o desenvolvimento econômico (PIB, nível tecno-industrial, etc.) como indicadores de um tão almejado progresso. No entanto, visto o problemático contexto global em que vivemos, composto em maior ou menor grau por crises ecológicas, violência e conflitos urbanos, problemas na educação, corrupção em larga escala, má distribuição de renda, sensacionalismo abundante, exploração trabalhista, intolerância étnica e cultural, disputas geopolíticas no campo internacional; frente a tudo isso e muito mais, surge diante de nossos perplexos olhos a questão: podemos mesmo falar em progresso, em desenvolvimento humano, tomando como referência questões meramente técnicas e econômicas? Até quando continuaremos a crer neste “progresso”, enquanto nossos corações choram e se desesperam diante de notícias cada vez mais tristes e alarmantes, notícias estas que apenas jogam muitos de nós para um micro-mundo de frustração, desesperança e impotência diante de uma realidade cada dia maior e mais complexa? Correndo o perigoso risco de perdermos a nós mesmos diante disso tudo, encantados com uma idéia de progresso que nosso coração não pode aceitar em hipótese alguma – ao menos como ela hoje se encontra.

Afinal, quem neste mundo gostaria de arrancar um dente com um alicate, quando atualmente temos um aparato instrumental e um conhecimento cirúrgico muito mais sofisticado, além da anestesia? Ou, pelo contrário, quem gostaria de despertar pela manhã e ouvir que uma bomba H foi detonada sobre alguma cidade enquanto dormíamos? A questão que fundamentalmente se nos coloca é com que sentido vamos nos relacionar com todo este universo que se afigura ao nosso redor? Pois a existência humana é constituída por um mundo de valores e concepções que nos relaciona a tudo o que existe. Hoje se vê muitas pessoas acompanhando os progressos científico e econômico como se eles tivessem vida própria e independente, deixando de lado pessoas que necessitam de uma maior atenção social e institucional. E, indo mais longe, deixando muitas vezes de lado os nossos próprios sentimentos, sonhos e ideais, como se tudo o que nos restasse fosse apenas os progressos técnico e econômico. Nunca vivemos um tempo mais rico, do ponto de vista científico; mas talvez também nunca nos sentimos tão solitários, indivíduos em uma multidão, anônimos que muitas vezes se entregam de mãos atadas a um consumismo alienante e egocêntrico – lugar este onde estamos todos separados e sozinhos, apesar de quase todos sentirmos uma idêntica falta no âmago de nosso ser, e quem sabe uma idêntica aspiração: a de um mundo melhor, mais justo e razoável.

É a ética que nos faz humanos. Ética para com os outros, e para consigo. Um valor ético pode salvar vidas, como também sua falta pode transformar um homem em um escravo ou em um mero recurso para fins alheios. Em termos globais do que constitui nossa existência no mundo, não é possível falar em progresso sem que o campo ético esteja centralizado neste complexo universo de relações, a fim de que os seres humanos, os seres viventes para ser mais exato, não sejam ofuscados pelo brilho ocasionado por outras áreas humanas – áreas subalternas que compõem as nossas vidas e o nosso cotidiano, e não o contrário. Ser ético é agir em prol da vida, consciente de que toda ação reverbera tanto na natureza e sociedade, das quais fazemos parte, como também em nossos mais sutis valores culturais – transformando inclusive nossos sentimentos e concepções do que é afinal a humanidade e de qual é a nossa responsabilidade diante desse imenso e rico cenário mundial. O conhecimento gera poder, mas é a ética que faz nascer a sabedoria. E o mundo clama por essa sabedoria, a qual se irmana com a própria poesia do viver, com a possibilidade de um mundo mais belo e humano – repleto de sentido. É aqui que mora o núcleo do verdadeiro progresso, de onde tudo o mais pode vir como bom ou mau acompanhamento. Lugar onde a vida, em suas múltiplas e diversas manifestações, se vê profundamente reconhecida e venerada.

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