O tempo passa, o tempo voa.

O tempo passa, o tempo voa.

Como de costume os pais foram chegando, buscando uma cadeira para se acomodar e os que já se conheciam iniciaram um bate papo sobre os filhos.

O trabalho com grupo de pais naquela escola, iniciado em 1999, acontece no mínimo três vezes no ano, em geral conseguimos nos reunir bimestralmente, dependendo sempre da disponibilidade de todos, inclusive a minha de mediadora do grupo.

Os grupos não são fixos e têm a intenção única de integração dos pais com a escola, dessa forma, o convite é aberto e vem quem pode e deseja.

Naquela noite, a rotina se manteve, até que segundos antes de iniciarmos o encontro, entra um homem com aparência envelhecida, senta-se discretamente numa cadeirinha ao canto da sala, pega o texto sugerido para leitura e dá um suspiro. Sua expressão parecia de cansaço e pouca esperança. Uma pergunta sobre escola foi levantada e aos poucos alguns pais se manifestaram sobre o que motivou cada um deles a colocar o filho na escola e que expectativas tinham no aprendizado e socialização das crianças.

Esse pai inicia sua fala como num pedido de socorro, pois seu filho de 5 anos estava com um comportamento muito difícil, totalmente sem limites, apresentando ações vergonhosas junto às pessoas estranhas. Narra com semblante frustrado e agoniado que no dia anterior esteve em uma palestra e seu filho jogou os sapatos pelos ares, derrubou café em outros convidados, enfim, como ele descreveu “ uma criança totalmente sem controle e educação no meio das outras pessoas”.

Esse mesmo pai justifica no grupo que a mãe coloca o trabalho à frente da criança, dando pouca atenção para a mesma, deixando-a desde pequena integralmente na escola, não se importando em estabelecer limites ou regras e que mesmo em casa o comportamento se repete.

Também afirma sentir-se culpado, pois não esteve muito presente na vida da criança porque “tinha as próprias coisas a cuidar”, não sendo possível ser babá do filho.

Os assuntos prosseguem e no final da discussão esse homem retorna o aspecto de sua decepção com o comportamento da criança e também com o da mãe e da avó que são muito permissivas, responsabilizando-as indiretamente pelo mau comportamento da criança. O grupo então silencia e ele finaliza “ sinto uma tristeza tão grande, porque percebo agora que ele foi abandonado e não tem culpa de estar assim totalmente sem limites e educação. Não quero isso para ele, será que tem algo a fazer?”

Ninguém responde por que não há respostas possíveis para tal dor desse pai, que durante esses cinco anos passou mais dias alcoolizado do que sóbrio, passou mais tempo bebendo nos bares do que junto de seu filho, esteve inúmeras vezes desempregado em decorrência da bebida e gastou seu dinheiro com o álcool em vez de carrinhos para seu filho.

Difícil uma única resposta quando esse homem sabe que esteve mais ausente do que presente, que agrediu a mãe na frente da criança e saiu incontáveis vezes de casa, permanecendo dias distantes e sem dar noticias, deixando seu filho sempre agoniado sobre a volta do pai, deixando-o inseguro e com medo.

Finalizamos com um texto de orientação e depois que todos já tinham se retirado e eu me preparava para sair, esse homem se aproxima e diz “ desculpe se falei tudo aquilo de meu filho, mas estou realmente preocupado. Sei que sou muito culpado também, mas gostaria de participar mais da vida dele agora e tentar corrigir esse comportamento dele, será que ainda dá tempo?”

Naquele momento ficou claro o medo desse pai de ver seu filho repetindo o mesmo comportamento dele, de um futuro sem esperança para uma criança sem educação e atenção, ou como ele mesmo colocou uma criança abandonada.

Seu rosto marcado e sofrido pelos anos de alcoolismo parecia mais leve agora que partilhava sua dor e encontrava um lugar que o acolhia e ouvia suas queixas, mas que também acredita que nem um minuto mais deva ser desperdiçado no amor a essa criança; amor com compromisso, lealdade, responsabilidade, coerência, pois, como já dizia um antigo comercial, de um banco que já nem existe mais, “ tempo passa, o tempo voa...” e assim como o banco, se não cuidarmos bem dessa criança, ele não crescerá numa boa! O momento é agora!

Que viva a possibilidade de um amanhã melhor para essa família e que esse homem possa se despir de suas culpas e verdadeiramente investir em seu filho, com responsabilidade e amor, pois só assim haverá tempo de vida útil e rica para os dois.

Susana Bueno
Enviado por Susana Bueno em 13/07/2008
Código do texto: T1078606
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