Enquanto as férias não vêm.

Enquanto as férias não vêm.(Susana Bueno)

Depois de mais uma semana intensa, trabalho, casa, família, etc, etc...Aquela coisa de sempre, noticias chocantes, mortes, bombas, políticos corruptos, presidente negligente, roubos de carros, acidentes marcantes, algumas socialites bancando “Alices no País das Maravilhas” nas Daslus da vida, uma notícia se destaca – “Aconteceu novamente – Pai esquece criança no carro”.

Desta vez, uma criança de um ano e quatro meses, um pai participativo, presente, que estava num dia diferente do comum e....bum! Esqueceu seu filho trancado no carro na garagem do prédio por um período de quatro horas.

Tarde demais para todos daquela família, que passarão o restante de suas vidas machucados, culpados, amargurados, se é que uma família ou um casal se sustente após uma situação dessas.

O que chama a atenção nesse caso é justamente o fato de que esse pai estava num dia incomum, estava fora de sua rotina, entretanto, manteve seu “piloto automático” ligado. Que forma trágica de nos fazer refletir sobre nossas atitudes repetitivas, automatizadas, nossos cotidianos e rotinas já demarcadas por compromissos e horas; tão arraigados que não nos permite um desligar, um olhar ao redor, olhar no banco de trás numa hora diferente daquela que geralmente olhamos... É isso! Bastava esse simples movimento de cabeça, um “olhar geral” no carro e ele teria visto seu filho.

Entre amigos no final de semana o tal assunto do “piloto automático” foi abordado com destaque, todos justificando a trágica notícia e sentindo na pele a necessidade de fazermos nossas ações mais conscientes.

Os exemplos não foram poucos do quanto o “corre corre” diário pode nos colocar em armadilhas ou atitudes “malucas”.

Um amigo nos contou que certo dia ao escovar os dentes, cuspiu na gaveta do armário em vez de usar a pia... Será que a tal gaveta estava mais próxima que o ralo da pia???? Fica aqui a questão.

Eu mesma sou “expert” nesses movimentos sem reflexão, mas posso dizer que a vinda dos filhos modificou muito isso, me deixou mais “ligada”, talvez por saber o quanto automaticamente costume agir, tenho um medo enorme que alguma atitude dessas coloque as crianças em risco.

Já fui bem pior. Recordo-me certa vez que ao sair de um estacionamento, em vez de dar o comprovante ao guarda, saquei uma nota de um Real, deixei na palma da mão do rapaz e quando estava fechando o vidro do carro e acelerando enlouquecidamente em direção a rua, olho pelo retrovisor e vejo o guarda correndo e me acenando. Imaginando ter algum pneu murcho, parei, ele chegou todo sem graça e disse _ Olha moça (naquele tempo ainda não me chamavam de senhora! Bons tempos... louca, mas abordada como moça!) agradeço o dinheiro, mas não posso aceitar, é regra do estacionamento, preciso mesmo é do comprovante. Ainda bem que não tinha jogado fora o tal papelzinho e nem estava perdido em minha bolsa.

Conheço muitas histórias de gente que não tem o hábito de ir de carro ao trabalho; certo dia resolve ir, na volta larga o carro lá e chega à casa de ônibus ou a pé, se assusta com a falta do carro na garagem e daí recorda-se de que fez um “dia diferente” e que de tão diferente, vai ter que voltar ao trabalho de ônibus para buscar o carro esquecido.

Prejuízo grande. Perda de tempo e dinheiro.

Quantos de nós não costumamos estacionar o carro sempre num mesmo lugar, um dia mudamos; pronto! Ao chegarmos na “antiga vaga”, gritamos ou nos desesperamos achando que roubaram o carro?! Eu já fiz isso diversas vezes... Peço desculpas aos que me consideravam quase normal, até ler isso.

Quantas vezes não ouvimos uma determinada informação, mas como não prestamos atenção, logo nos esquecemos ou até dizemos que nem sabíamos de tal fato?

Num grande jornal, saiu um bom artigo sobre a importância da atenção para a memória, o quanto o cérebro é limitado em armazenar varias informações ao mesmo tempo e o quanto entramos no “automático” como forma de economizar neurônios. Tudo isso é verdade, mas não sabemos como colocar isso em prática e continuamos os mesmos repetidores de cotidiano.

Com filho é uma coisa muito séria, porque criança não tem repetição, sempre inventam algo novo e não dá para repetir os padrões. Também penso o quanto temos os filhos tão grudados que esquecemos certos detalhes da lei ou da individualidade deles.

A primeira vez que viajamos com nosso filho mais velho de avião, fora de um pacote turístico ele tinha um ano e meio, estávamos tão habituados a sair com ele de carro ou por agências turísticas aonde já vem tudo documentado no voucher, que nem nos tocamos da necessidade de levar a certidão de nascimento dele ao aeroporto para o embarque. Ao chegarmos lá e sermos questionados sobre a documentação, me recordo de nossa cara de indignação e de meu pensamento quase psicótico. Documento? AH! Não basta dizer que ele é nosso filho? Puxa! Como esse mundo anda desconfiado! Não se pode nem viajar para outro estado sem comprovar filiação.

Lógico que eles estavam super corretos, e graças à carteirinha do convenio médico que estava comigo, conseguimos embarcar. Depois recebemos por sedex o documento para podermos retornar. Que coisa hein? Ter que comprovar que o filho é seu e não roubado!

Um mero detalhe.

Não pensamos em detalhes, não refletimos nada, simplesmente vamos tocando a vida, repetindo rotinas, fazendo e pagando contas, freqüentando os mesmo lugares, justamente para não ter surpresas desagradáveis e esquecemos que poderíamos ter alguma agradável, se nos permitíssemos ao novo.

Admiro as pessoas que fazem tudo devagar, dormem oito horas por noite, não se angustiam em saber os novos lançamentos literários ou quais os novos filmes que entraram em cartaz na última semana, que estão desligados desse mundo globalizado, informativo demais e “aberto 24 horas” para o consumo. Admiro as mentes quietas, os corações tranqüilos e os passos lentos. Pessoas que não acumulam tarefas em curtos espaços de tempos, obrigando-os a correr para dar conta de tudo. Pessoas que se contentam com pouco e que não gostam de conhecer coisas novas, praticar esportes, artes, teatro ou viagens.

Admiro, mas como sei que não sou assim, não me angustio mais quando perco o papelzinho do estacionamento dentro de minha bagunçada bolsa que mais parece com o poema de Cecília Meireles do Chico Bolacha que diz – “Na chácara do Chico Bolacha o que se procura nunca se acha”!

Aprendi também que o importante é ter foco e prioridade. A bolsa pode ficar bagunçada uns dias, não têm importância, mas meu dia a dia precisa ser funcional e organizado, meus documentos bem guardados, notas, papéis etc.

Acima de tudo não posso esperar pelas férias para descansar ou organizar meus armários, nem para curtir meus filhos, meus amigos ou minha família. Tenho que fazer isso em meu dia a dia, em minhas vinte quatro horas diárias, em minha semana mais comum. Isso para mim é importante e não pode esperar, isso é prioritário para a vida não ficar mais pesada do que já é normalmente.

Não podemos esperar pelas férias para desestressar, mas precisamos encontrar formas anti-stress diariamente, não basta apenas sonhar com dias mais folgados, horas a mais de sono; maridos ou esposas melhores, mais dinheiro, mais isso ou mais aquilo e sim, termos força e coragem para vencermos nossas preguiças e fraquezas para um dia melhor, mais vivo e não apenas vivido e repetido.

Ver os detalhes nesse mundo tão global é realmente uma tarefa árdua que temos que enfrentar, acionar nossos comandos perceptivos e desligar os automáticos é uma urgência se queremos nos manter sãos.

Talvez a chave seja o verdadeiro envolvimento em cada uma de nossas ações, é estarmos inteiro no que fazemos, é pensar uma coisa de cada vez e ser capaz de olhar tudo ao mesmo tempo sem perder o foco, é trazer compromisso e paixão nas tarefas mais chatas, repetitivas ou costumeiras, é viver com sentimento e não apenas com obrigação.

É às vezes, simplesmente, olharmos para o banco de trás.

Susana Bueno
Enviado por Susana Bueno em 13/07/2008
Código do texto: T1078602
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