Análise dos Contos de Fadas

Nunca fui chapéuzinho, nem tive medo do Lobo mau.

Das histórias que ouvi na infância sempre fui levada a observar com olhos críticos antes mesmo de pensar em estudar a psicánalise.

"Não vejo homens como lobos, que me metem medo e que deva tomar cuidado.

Mulheres não são as tolas que as histórias quizeram mostrar, orfãs precisando de proteção, ou do príncipe que viria no cavalo branco lhes resgatar.

Acho que interpretar os contos de fadas desde menina teve um lado bom e um mal.

O mal é que a inocência, a fantasia logo ficaram pra trás.

O lado bom é que o ser humano ficou mais transparente na minha óptica .

Essa semana em um bate papo com um amigo fui de encontro ao passado que deu origem a minha formação. Recordamos a importância dos Contos de Fadas na nossa formação psíquica e de autores como Jung e Bruno Bettelheim. Uma viagem às minha memórias e a leitura de pesquisas sobre o tema.

Trabalhei muitos anos em Psicoterapia Infantil o que motivou meu estudo sobre a Interpretação dos Contos de Fadas para entender o processo do Desenvolvimento Humano.

Me encantei por Carl Gustav Jung e seu estudo sobre os mitos e contos de fadas.

Jung, disse certa vez, que é nos contos de fada onde melhor se pode estudar a anatomia comparada da psique. Nos mitos, lendas ou qualquer outro material mitológico mais elaborado obtém-se as estruturas básicas da psique humana através da grande quantidade de material cultural. Mas nos contos de fada, existe um material consciente culturalmente muito menos específico e, conseqüentemente, eles oferecem uma imagem mais clara das estruturas psíquicas.

Divididos entre o bem e o mal, representados por príncipes, fadas e também por monstros, lobos e bruxas apavorantes, os contos de fadas encantam as crianças e os adultos desde a sua criação, que data da época medieval. Mas a sua função não pára aí, pois além do entretenimento, transmitem ainda valores e costumes e ajudam a elaborar a própria vida através de situações conflitantes e fantásticas. “Mitos e contos de fadas expressam processos inconscientes. A narração dos contos revitaliza esses processos e restabelece a simbiose entre consciente e inconsciente” - Revela Carl Gustav Jung em sua obra.

Segundo Bruno Bettelheim, que analisa as histórias dos Contos de Fadas mais conhecidas, todos os problemas e ansiedades infantis, como a necessidade do amor, do medo e do desamparo, da rejeição e da morte, são colocados nos contos em lugares fora do tempo e do espaço, mas muito reais para crianças. A solução geralmente encontrada na história e quase sempre leva a um final feliz, indica a forma de se construir um relacionamento satisfatório com as pessoas ao redor.

Mas evidentemente, para se chegar ao final nem tudo são flores. Os contos estão repletos de problemas como a presença do bem e do mal, e partindo desse ponto pretendemos desenvolver uma reflexão sobre a fantasia e suas imagens simbólicas nos contos de fadas como recursos fundamentais no desenvolvimento humano, o que constituem o conteúdo do presente trabalho.

A luz da psicanálise, os contos de fadas revelam os conflitos de cada um e a forma de superá-los e recuperar a harmonia existencial. Assim a tão famosa dicotomia entre o bem e o mal, presta-se numa terapia, a uma análise mais contundente da personalidade, na qual se permite trabalhar com sentimentos inconscientes que revelam a verdadeira personalidade.

Bruno Bettelheim dá sua contribuição e diz:

"Para dominar os problemas psicológicos do crescimento - separar decepções narcisistas, dilemas edípicos, rivalidades fraternas, ser capaz de abandonar dependências infantis; obter um sentimento de individualidade e de autovalorização, e um sentido de obrigação moral - a criança necessita entender o que se está passando dentro de seu eu inconsciente. Ela pode atingir essa compreensão, e com isto a habilidade de lidar com as coisas, não através da compreensão racional da natureza e conteúdo de seu inconsciente, mas familiarizando-se com ele através de devaneios prolongados - ruminando, reorganizando e fantasiando sobre elementos adequados da estória em resposta a pressões inconscientes. Com isto, a criança adequa o conteúdo inconsciente às fantasias conscientes, o que a capacita a lidar com este conteúdo. É aqui que os contos de fadas têm um valor inigualável, conquanto oferecem novas dimensões à imaginação da criança que ela não poderia descobrir verdadeiramente por si só. Ajuda mais importante: a forma e estrutura dos contos de fadas sugerem imagens à criança com as quais ela pode estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida."

Já dentro do enfoque oferecido pelo psicanalista Carl Gustav Jung a análise terapêutica tem por base os sonhos que fornecem uma indicação precisa da problemática. Analisando os sonhos o terapeuta consegue precisar ou localizar o conflito do paciente, ou o “conto de fadas” que está vivendo, orientando-o para enfrentar os obstáculos à sua realização.

A psicanálise freudiana propõe que, numa análise, confronta-se o aqui e agora do paciente com sua história passada à luz dos contos de fadas. Tal sistemática permite que se reviva a primeira impressão, aquela que causou o trauma, a base do conflito (edipiano) que assemelha-se sempre a um conflito existente em um conto de fadas. A partir da localização do problema, o paciente pode ser tratado adequadamente - explica Sophia Caracushansky, psicóloga e psicoterpeuta Doutora em psicologia pela USP.

Para a Dra. Sophia, a análise junguiana propicia ao analisando uma visão mais lúcida sobre os bloqueios que impedem sua felicidade, muitas vezes resultantes de um parto difícil, uma rejeição do sexo da criança no nascimento e outros. Além disso, desmascara no indivíduo a “persona”, a fachada social, destinada a agradar e coloca em relevo o eu interior, levando em conta sempre a problemática individual e o momento de vida da pessoa.

Lidar com a fantasia nos contos de fadas é um recurso fundamental no processo do desenvolvimento humano porque favorece a comunicação via imagens simbólicas com as dimensões mais profundas da Psiquê. Através dos contos de fadas adentramos magicamente a penumbra misteriosa do nosso inconsciente, condição básica para se conhecer o significado profundo de nossa vida.

Finalmente, cabe salientar que este estudo permite constatar que a força criadora e a sabedoria profunda presentes nos contos de fadas e seu conteúdo arquetípico, pode ajudar os homens a encontrar o caminho para a realização de seus poderes criativos latentes.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Sugiro à todos os leitores deste texto a leitura dos seguintes livros:

BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise nos contos de fadas. Trad. Arlene Caetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

CEZARETTI, Maria Elisa. Nem só de fantasias vivem os contos de fadas. Família Cristã. São Paulo, p. 24-26, maio 1989.

FRANZ, Marie-Louise Von. A Interpretação dos Contos de Fada. 3ª ed. Trad. Maria Elci Spaccaquerque Barbosa. São Paulo: Paulus, 1990.

A Sombra e o Mal nos Contos de Fadas. São Paulo: Paulinas, 1985.

GIGLIO, Zula Garcia (org). Contos Maravilhosos: Expressão do Desenvolvimento Humano. Campinas: NEP/UNICAMP, 1991.

THOMPSON, Clara. Evolução da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.