NETOS DE PORTUGUESES: A DISCRIMINAÇÃO EXISTE E TEIMOSAMENTE PERSISTE
Temos lido algumas manifestações sobre a concessão da nacionalidade portuguesa aos netos de cidadão português. Algumas manifestam sua solidariedade ao movimento em prol da igualdade de direitos a todos os netos de portuguesas, direitos esses que estão aviltados pela actual legislação que rege a matéria. Outras, procuram justificar que o projecto encaminhado pelo governo e aprovado pela Assembleia da República atende ao que é questionado.
É importante que hajam manifestações diversas, pois é através do diálogo e da troca de impressões que se pode chegar a um consenso, a um entendimento e às correções que se fizerem necessárias.
Não há dúvida que a actual legislação nos oferece um tratamento que beneficia uns e pune outros e isso deve ser corrigido. Eu, por ocasião da aprovação da nova lei da nacionalidade, afirmei:
“Ainda agora, quando se pretendeu conceder a nacionalidade originária aos netos de portugueses, cujos pais (filhos de portugueses) já tenham falecido, verificou-se a aprovação pela Assembleia da República de uma alteração à Lei da Nacionalidade das mais indesejadas, pois surgiram várias situações para os netos de portugueses:
a) aqueles que nasceram em território português e portanto, dotados de todos os direitos como qualquer outro português nato;
b) os que, nascidos no estrangeiro, filhos de pai ou mãe, origináriamente estrangeiros e que, por serem filhos de português(a), tenham obtido a nacionalidade originária, obtiveram também a nacionalidade originária, por atribuição;
c) os que, nascidos no estrangeiro, filhos de cidadão (ã) português (a) cujo pai ou mãe sejam estrangeiros e tenham obtido a nacionalidade portuguesa por aquisição (naturalização);
d) os que, nascidos no estrangeiro, filhos de cidadão (ã) português (a) cujo pai ou mãe sejam estrangeiros e não sejam detentores da nacionalidade portuguesa.
Enquanto que os dois primeiros têm o direito à nacionalidade originária, sendo portugueses por inteiro, os terceiros, que perante o princípio do “jus sanguinis” estariam exactamente na mesma condição dos anteriores, somente obtiveram a nacionalidade portuguesa por aquisição (naturalização), o que é altamente discriminatório e injusto, ferindo os princípios básicos do direito e de isonomia, criando uma situação bastante negativa. Os últimos, dependendo da sua situação própria poderão obter a nacionalidade portuguesa por atribuição ou aquisição, mediante a devida comprovação. É preciso chamar a atenção dos senhores legisladores que a legislação interna de grande parte dos países em que existem comunidades portuguesas relevantes, pune com a perda da sua nacionalidade de origem aqueles que, residindo no seu próprio país, obtenham outra nacionalidade por naturalização. O mesmo não ocorre quando lhes é atribuída a nacionalidade portuguesa originária que os outros netos de portugueses podem obter. Deve ser mencionado o exemplo que o Estado espanhol nos deu recentemente, quando, por decisão unânime do seu parlamento, acaba de conceder esse direito aos netos de seus cidadãos, a exemplo do que os italianos já concedem há muitos anos.
Se é que pretendemos dar ao nosso país uma dimensão maior cujos nossos antepassados procuraram nos conferir com a epopéia das navegações e com a difusão da nossa cultura e a nossa língua pelas sete partidas do mundo; se quisermos que os 4.500.000 portugueses existentes além fronteiras possam se sentir integrados na grande nação portuguesa a que tanto amamos e ver o conceito da nossa universalidade receber o reconhecimento internacional que os foi legado, devemos adoptar as providências necessárias para a correcção de tão grande injustiça, fazendo inserir nos nossos princípios programáticos e na nossa legislação, as determinações que se fizerem necessárias, pois certamente que os nossos compatriotas residentes no exterior saberão reconhecer tais providências, passando a contribuir mais decididamente para o futuro de Portugal, muito além dos 6,7 milhões de euros diários que as remessas oficiais nos revelam.”
É argumentado que os netos de portugueses que se naturalizem com base nessa nova legislação podem vir a perder a nacionalidade originária brasileira, sendo tal procedimento apresentado como uma constante nos mais diversos países sempre que haja previsão dessa penalidade nas suas respectivas leis. Isto baseia-se num princípio do Direito Internacional incorporado às suas legislações e a sua aplicação poderá penalizar os beneficários dessa concessão. Segundo este mesmo princípio (e os tratados assinados nesse sentido), todas as pessoas têm direito a uma nacionalidade e, preferivelmente, apenas uma, de forma que a naturalização é entendida como uma manifestação expressa no sentido de fazer opção por outra nacionalidade, abandonando-se a originária.
Não podemos esquecer que quando um neto de português, cujo pai ou mãe, filhos de portugueses e já detentores da nacionalidade portuguesa, for atribuída a mesma nacionalidade, a mesma tem o carácter de originária como se o seu beneficiário tivesse nascido em Portugal, e outro cujo pai ou mãe, filhos de portugueses, não tenha sido atribuída a nacionalidade, fica impossibilitado de pleitear a atribuição da nacionalidade portuguesa, restando-lhe, pela nova legislação, o direito de aquisição da nacionalidade por naturalização. Da mesma forma, o primeiro neto, que obteve a nacionalidade originária, poderá a qualquer momento transmiti-la a seus filhos, enquanto que o segundo somente poderá fazê-lo enquanto seus filhos estiverem na menor idade. Ademais, a naturalização nunca é um direito pleno de nacionalidade, estando o seu beneficiário sujeito a várias restrições legais.
Por outro lado, a legislação interna de muitos dos países onde Portugal possui comunidades emigrantes, pune com a perda da nacionalidade aquele cidadão nacional que obtiver outra nacionalidade na constância da sua residência em território nacional. É, ou não, um factor de risco dos mais relevantes? Embora que no Brasil, por exemplo, já exista uma emenda constitucional que permite a manutenção da nacionalidade brasileira ao cidadão que a obtiver por concessão de outro país em razão do vínculo sanguíneo e também àquele que, com residência legal em outro país, peça a sua naturalização. Há, no entanto, controvérsias quanto à possível perda da nacionalidade brasileira àquele que, continuando a residir no Brasil, obtenha outra nacionalidade por naturalização. Apesar de o Ministério da Justiça do Brasil ter se manifestado quanto a não formalizar a perda da nacionalidade nesse caso, pelo que dispõe a Constituição Brasileira esse risco persiste e poderá ser argüido a qualquer momento pelo Ministério Público. Em outros países defrontamo-nos com legislações até mais severas em que a perda da nacionalidade originária de seus cidadãos que se naturalizem portugueses é clara.
Não seria mais lógico e menos discriminatório que a lei portuguesa de nacionalidade desse um tratamento isonómico a todos os netos de portugueses, acabando de uma vez por todas com todo esse imbróglio e esse tratamento diferenciado?
Todos nós, que conhecemos um pouco do que é a nossa emigração e sabemos das características que formam a nossa universalidade e a nossa forma de estar no mundo, só podemos nos contentar quando a legislação seja corrigida, eliminando essa anomalia que precisa ser eliminada, para que não continuemos a ter netos de portugueses diferentes, uns beneficiados pela legislação e integrados na nação e outros, de segunda categoria, punidos por uma lei injusta e discriminatória. Havemos de chegar lá!
Eduardo Artur Neves Moreira
Ex-Presidente Mundial do Conselho das Comunidades Portuguesas
Ex-Deputado na Assembléia da República