a disciplina e a classificação

A disciplina como meio de classificação

Nas sociedades modernas, um dos fundamentos principais para se estar bem estabelecido e classificado é a disciplina. O sujeito como um fundador de idéias, como responsável, como bom funcionário tem que ser disciplinado. Sem esta, o indivíduo já é de forma diretiva e desprezível, taxado como um louco, ou no mínimo, um rebelde e, como tal, não pode ser aceito na escola, na empresa, e até mesmo em casa. Mas, não pensemos que isso é uma criação de nossa cultura contemporânea. É algo que já tem seus fundamentos clássicos, já desde a antiguidade. Quantas pessoas não foram de modo brutal na idade média, suplantadas pela configuração de comportamentos que não tinham mais uma postura de “ordenamento” e que, por esse fim, eram vistas com descriminação e desprezo pelo simples fato de não corresponder com o sistema vigente na época?

A disciplina moderna é tida como uma propagação apenas do modelo antigo, ela assume suas facetas, e de modo muito sutil, a mascara com o propósito de tentar de forma mais abrangente, enclausurar os “homens”. Suze comentando Foucault apresenta: “o indivíduo é disciplinado, por meio, principalmente, do controle de seu espaço e de seu tempo. De forma sutil, nem necessidade de violência explícita sobre o corpo, cria-se uma forma de violência implícita, invisível, muitas vezes simbólica (...)” (2008, pg33). O indivíduo não é mais autor de seu “tempo” nem de seu “espaço” é submetido aos comprometimentos dos outros - juízes, professores, pedagogos, entidades privadas etc. - não tem direito de se declarar, de expressar seus pensamentos – a não ser em benefício dos órgãos aos quais ele representa – não tem direito de exercer seu estatuto de mudança.

O indivíduo moderno foi, aos poucos, se declarando possuidor de uma opinião que, ao mesmo tempo em que vem dele a ele é alheia, não pertence mais, não tem poder sobre ela. Apenas os diretores, os presidentes... Estes têm poder de definir quem pode ou não permanecer na instituição, quem vai exercer este ou aquele cargo e os demais estão, não mais, apenas submetidos aos conceitos e determinações destes. E para isso devem estar, na medida do possível, ao menos dentro dos parâmetros de seu superior. Isso em se tratando de uma análise corporativa. Onde só quem está apto a exercer essa função são os diretores da instituição ou os indivíduos que assumem cargos de alta responsabilidade. E a partir daí pode-se estabelecer também aos outros segmentos da sociedade. Não é nada diferente dentro de uma escola, de um presídio, de uma instituição religiosa etc.

É nesta perspectiva que Bilouet diz: “O aparelho disciplinar inteiro é o poder, e ninguém o detém como uma coisa. Ele sustenta com seus próprios mecanismos, que lhe permitem ser ‘na aparência’ tanto menos “corporal” quanto é mais sabiamente ‘físico’” (Pierre Billouet, 2003 pg. 136). É nesta circunstancia que podemos perceber que não apenas o disciplinado tem uma função de responsabilidade consigo mesmo, como também, ele deve assumir uma responsabilidade que o compromete e o deixa enclausurado dentro de um sistema que não se justifica pela maioria, mas, por si próprio. As pessoas que não têm uma atitude comportamental que corresponda a esse modelo de vivencia são, de uma vez por todas, obrigadas a se enquadrar, a se tornar dóceis ao sistema. De modo que, não assumindo esta postura, é preciso ser punido e afastado da sociedade.

É preciso estabelecer métodos que, em funcionamento, possam proporcionar a todos uma reincidência formal e comprometida. Uma saída prática e decisiva, pelo menos em se tratando de atualidade, que seria de fundamental importância para se obter um bom andamento na sociedade. Na verdade, não é o que se percebe na realidade, segundo as perspectivas do mercado, das leis da economia capitalista etc. as quais, não tem nenhum fim objetivo que possa aplicar um valor direto ao ser humano como tal, mas, o reduz ao estatuto de coisa, de matéria, que serve apenas para produzir e gerar lucro.

O ser humano é posto diante de uma formal combinação de estratégias onde ele mesmo não tem nenhum subsídio para se tornar livre. É um ser condenado aos princípios materialistas, é submetido a um termo de disciplina que lhe causa angústia, tédio, horror, mas, no entanto, “não pode” de maneira alguma fugir dele. Não pode se manifestar, pois estaria de uma vez por todas destinado ao labirinto da exclusão. A disciplina como meio de serviço da economia, tem reduzido o indivíduo ao seu mais baixo nível, ao seu patamar mais inóspito de que se tem notícia até hoje na história da humanidade.

É ele um ente que não pode, na escola, se sentar nas carteiras das salas de aula com pés levantados, que não pode se sentar de costas para a lousa; em casa não pode corrigir os pais quando erram, ou se não corrigir, ao menos adverti-los; na empresa, não pode ir contra seu chefe, e assim por diante. O indivíduo que segue a idéia desses básicos modos de atuar na sociedade não se enquadra nos padrões da economia. Para que esse indivíduo possa realmente assumir sua vaga na empresa, na sala de aula, em casa, ele tem que se submeter ao regimento da formatação, tem que se deixar moldar, do contrário, não serve. E o que dizer dos “jornalistas”? Estes, sim, são quem tem em si, uma grande e ampla magnitude de controvérsias, pois, é a serviço do sistema capitalista que se justifica tudo.

Pode-se dizer de modo mais direto e definitivo, que não apenas a possibilidade de se apresentar a notícia torna-se um vinculo com a teoria da dominação, mas também, a forma de como esta é abordada e transmitida ao público. Então, o profissional que não se enquadrar aos padrões do órgão ao qual representa, está, de um todo, dispensado do ofício no qual exerce. Não pode discordar do seu superior, com uma determinada notícia, não pode de forma alguma objetar sua postura ética e responsável, pois está aprisionado aos interesses do qual são representantes, ou seja, da audiência, etc. Não é de minha parte, nenhuma pretensão em aqui criticar os jornalistas, mas sim, de apresentar como se submetem aos pretensos interesses do mercado midiático, como se tornam de forma indiscriminada, submissos aos interesses de seus diretores, etc.

A disciplina apresentada por Foucault, segundo Suze, assume uma política do detalhe, onde se desenvolve a microfísica do poder que vem se evoluindo cada vez mais com sutilezas e sofisticação. O indivíduo submetido ao olhar atento de seu superior, de seu mestre, do guarda, tem que permanecer no seu lugar, parado, obedecendo ao que se lhe mandam fazer ou praticar. Deve se manter em ordem, sempre obediente. Não está, de maneira alguma, dispensado de obedecer ao que lhe é imposto.

A obediência, a organização, a ordem, o que são, senão, uma forma pacífica de exercer o controle (poder) sobre os demais? E estes, não têm em si o direito de, sequer, fugir da regra, pois, se assim proceder, receberá sanções que podem interferir definitivamente no seu comportamento. E seu espaço na sociedade estará, enfim, comprometido, estará de modo sutil e imparcial, julgado pela própria sociedade que já se con-formou com o sistema vigente. Enfim, a vida segundo Foucault, não teria outra saída, senão, a ruptura com esse sistema – numa perspectiva marxista é claro – para um novo modelo de sociedade que derivasse da sua força de vontade, onde seus objetivos pudessem ser alcançados por sua própria liberdade em vista de um bem sublime, ou seja, a liberdade objetiva do humano.

O ser humano mais do que um ser dado à existência, como queria Heidegger, é um ser de responsabilidades e, porque não dizer, de decisões. Decisões que podem muito mais do que se pensa, transformar o seu próprio comportamento, seu modo de vida, tanto pessoal quanto social-universal. É ele um ser de comprometimentos que o torna livre de todas as indissociáveis pretensões psicológicas do sistema capitalista moderno em vigência. Basta, no entanto, tomar sua postura de liberdade e desejo de querer mudar o sistema. Não é coisa de modo algum fácil, se for apenas um indivíduo, mas em conjunto de forças, tudo pode acontecer tudo pode ser mudado. Mas é necessário sair do casulo e despertar para a vida, para uma nova vida fundada no desejo de transcendência da pessoa humana.

Referencia bibliográfica:

PANSARELLI, Daniel; PIZA, Suze. Filosofia e Modernidade, Reflexão Sobre o Conhecimento. São Paulo: Metodista, 2008.

BILLOUET, Pierre. Col. Figuras do Saber, Foucault. São Paulo, Estação liberdade, 1999.

Joseiton Nunes
Enviado por Joseiton Nunes em 08/07/2008
Reeditado em 08/07/2008
Código do texto: T1070438