Narizes e eugenia

Não sou daqueles que engrossam o coro em repúdio a televisão; não atribuo a ela um poder maquiavélico de manipulação de nós espectadores como se fossemos todos condenados à passividade - como bonecos de marionete desprovidos de lucidez crítica. Mesmo assim, acredito que a televisão seja em parte a grande responsável pelo “amesquinhamento” do imaginário do povo brasileiro. Incoerência? Não. A questão é mais complexa. Porém, matéria para outra ocasião.

Outro dia, há algum tempo atrás, ligo a tv em busca de algo que me satisfaça, mudo de canal diversas vezes e, para meu espanto, constato que em três programas de auditório – quase simultaneamente – em canais diferentes, oferecem uma fantástica gratificação para o eventual vencedor: cirurgia plástica no nariz.

O curioso é que nenhum dos participantes do programa era o Michael Jackson, ou detentores de um nariz adunco com verruga peluda na ponta – típicos das bruxas – ou de qualquer outra anomalia que justificasse a tal cirurgia. Eram apenas pessoas aparentemente “normais” não satisfeitas com seus narizes, que desejavam substituí-los por uma versão mais nova.

A necessidade de se enquadrar num determinado padrão estético leva homens e mulheres a ir cada vez mais longe na busca do corpo escultural e do rosto perfeito – o mito de Narciso é uma dessas fábulas que mostram até onde pode ir a vaidade humana. O culto ao corpo é expressão da cultura do eugenismo que propõe a eliminação dos imperfeitos em busca de uma raça pura e perfeita. Tal ideal levado às últimas conseqüências já teve resultados desastrosos: seis milhões de judeus foram exterminados pelos alemães nazistas, valeram-se da idéia de superioridade para justificar a escravidão e, constituindo-se assim um campo fértil para práticas discriminatórias. Ainda hoje a eugenia pode servir como justificativa para atos atrozes: abortos de fetos com deficiência física ou mental, eutanásia de doentes terminais ou afetados por doenças incuráveis etc.

E, tão cruel ainda, é o risco que se corre de que todos os bons sentimentos venham a falecer. O ser amado difere-se de todos os outros. Como reconhecê-lo na multidão de rostos homogêneos ausentes de identidade? Como experimentar a expectativa do encontro se o indivíduo a se encontrado estará sempre ao nosso lado, já que todos são iguais? Andar nas ruas será um verdadeiro tédio. Surgirá uma raça de homens “perfeitos” como se saídos de uma produção em larga escala, porém, como máquinas, completamente desprovido de sentimentos.

A diversidade seja ela de que tipo for, é o maior patrimônio da humanidade e toda tentativa de exterminá-la deve ser prontamente reprimida.

Davidson Davis
Enviado por Davidson Davis em 06/07/2008
Reeditado em 06/07/2008
Código do texto: T1067737
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