ALIENAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL

A população brasileira é vítima da alienação política imposta sob diversos modos, por certos veículos e por poucos interesses. A televisão, sem dúvida, é o veículo de publicação em massa mais poderoso no Brasil e se encontra na mão da elite financeira nacional. Historicamente, esta nunca se ateve a resolver os problemas sociais e contribuir com a liberdade democrática real do país nem esteve nem está disposta a usar a TV para ajudar nisso.

Isso se mostra nos últimos anos, ainda remontando da época da ditadura militar brasileira (1964-1985), neste período foi cedida a concessão para emissoras – inclusive à Rede Globo – que de nenhuma forma construtiva para a população agiram e agem até hoje. Na chamada redemocratização do país, a TV mobilizou-se a fim de eleger candidatos de seu interesse e fez, da morte de Tancredo Neves, alarde. Nos anos seguintes, onde Lula e Fernando Collor concorreram à presidência da república, a TV Globo editou de modo conveniente e favorecedor ao seu candidato preferido, Collor, um debate assistido em rede nacional, o que contribuiu de modo cabal para a vitória deste candidato.

Lula foi líder sindicalista no conhecido ABC paulista e, entre suas ações, convocou grandes greves e eventos envolvendo os operários daquela região, em pleno período ditatorial, o que foi pouco destacado naquela emissora, na época. No meio de seu mandato Collor sofreu impeachment, em parte, pressão da mesma mídia que o colocou no poder.

Bem, de lá, meados de 1989, para os dias atuais não ocorreram discussões realmente populares sobre o uso da televisão, e a maioria esmagadora do povo brasileiro nem sequer soube e até hoje não sabe sobre os episódios das edições “Globais”; e assiste à programação daquela rede de televisão como se realmente visse seus interesses e si própria na tela; o que não ocorre.

Sobre estas últimas afirmações, analise-se a conjuntura atual: o Big Brother – programa importado do exterior, que nem de nome mudou (mudariam para o inglês, se já não fosse) – é um Reality Show no qual, segundo a proposta, reunir-se-iam pessoas diversas, supõem-se: de diferentes lugares do país, tipos, origens, cores, religiões, profissões, interesses, idades etc. Pois bem, este discurso de diversidade é mantido, porém o programa não faz jus ao que divulga. É notória a predominância de pessoas da região sudeste ou sul, de famílias de classe média (em diante), brancas, jovens, “bonitas”¹ e que pretendem ser atores, atrizes ou modelos.

Os telespectadores, contudo, parecem não notar tamanha contradição ou, se notam, não têm consciência de que a televisão – como instrumento essencialmente público – deveria representá-los. Se a mesma emissora – TV Globo –, entretanto, diz em seu slogan “A gente se vê por aqui”, não é de se estranhar que os telespectadores acreditem, já que muitos a têm como detentora da verdade. Esta crença é comprovada por pesquisas recentes, nas quais os brasileiros apontam as instituições de mídia como as mais confiáveis do país.

O quadro manipulador da mídia hoje não mudou, na verdade, a TV Globo – a do episódio de Collor – perdeu pequena parte do seu espaço, mas não para uma televisão pública democrática, e sim para a concorrência, também com interesses próprios e privada.

De sorte que a televisão ainda elege candidatos, fabrica heróis políticos etc., contando, em essência, com a falta de educação política² dos brasileiros. A TV privada: esconde assuntos que lhe desinteressam serem discutidos (como concessões de radiodifusão e as regras que as regem); omite informações; é porta voz de certas religiões, como a TV Globo é do catolicismo e a TV Record, do protestantismo; mostra um país que se resume ao Leblon e Copacabana, quando muito, ao Sul e Sudeste. As outras regiões do país são apresentadas como exóticas e pitorescas, são generalizadas e estereotipadas. E há grande apelo para o exterior.

E, outros meios de mídia, – revistas, jornais e rádios –, ocorre o mesmo, porém deve ser observada a atenção dada a estes veículos para assuntos fúteis, como notícias sobre famosos – geralmente atores das televisões. O que não impede que façam campanhas políticas, como a revista de maior circulação atualmente em território nacional, a Veja, que faz ferrenha campanha contra o governo.

Para ilustrar, um projeto atual de televisão pública – o da TV Brasil (RBC, Rede Brasil de Comunicação) –, foi difamado por esta revista como uma televisão que faria campanha para o governo – chamando-a pejorativamente de TV Lula –, acusou sem avaliação racional, profunda e sem se interessar em discutir o monopólio da comunicação – da qual é agente ativo.

Nestes métodos de controle ideológico, espontaneamente são criadas estas campanhas, podem sofrer vicissitudes e serem findas ao sabor de seus interessados. Assim, aqueles transmissores da informação fazem uma espécie de “prato feito” de opinião, a qual convencem ser a do interlocutor (leitor, telespectador etc.), como no caso da opinião da Veja – conservadora e elitista – sobre a TV Brasil e tudo mais que envolva o governo atual e o Partido dos Trabalhadores.

Estes meios de comunicação também retransmitem ideologias históricas, como preconceitos de cor, de região, religião...

A colônia, império e república brasileiros também sempre foram vítimas das ideologias de caráter histórico e religioso histórico. Ora, a elite do Brasil – classe dominante –, no período colonial, era, obviamente, seus colonizadores. Naturalmente seu discurso ideológico carregava, dentre outras concepções, a superioridade da Europa e de seus povos brancos e a verdade da Igreja Católica.

O Estado, como de costume, foi, no período, porta-voz e praticante daquelas concepções, que nunca foram difíceis de ser cumpridas. Veja-se, por exemplo, a escravização do negro, a população jamais teria a consciência de se opor, em grande parte pela idéia da qual era convencida – a da superioridade branca –, pois, por mais que titubeassem, consideravam, em essência, o negro como inferior, e, portanto, deveria ser subordinado. Desta forma os habitantes da colônia agiam como polícia, já que, quando havia um negro fugido, denunciavam-no sem pensar (ou achando que pensavam: papel da ideologia).

Ao longo da República, a elite, que não mudou de linha sucessória familiar, mas, de atividade econômica – essencialmente latifundiária e eventualmente burguesa-industrial-comercial (e mais atualmente) –, entretanto seu domínio sobre as idéias nunca se extinguiu, tanto que até hoje temos evidências da ideologia escravocrata: o grande preconceito tácito no Brasil (veja-se Big Brother).

Refletem-se nos dias atuais, como ecos daquele passado: a concepção preconceituosa de que os discursos de esquerda são infantis; de que o capitalismo é o melhor modo de produção, visto que houve uma suposta falência do socialismo (associada à falência do Stalinismo da URSS) é a prova da impossibilidade de vigorar o socialismo e qualquer outro modo de produção que não o capitalista; a idéia de que o que vem do exterior é melhor do que o nacional, hoje a referência é o Estados Unidos da América do Norte, ontem foi a Inglaterra, anteontem, Portugal... Será a China daqui a alguns anos?; a concepção de que a poligamia é imoral, de que para existir amor deve existir “fidelidade monogâmica” e todas as teorias morais infundadas; a presunção de que os EUA é irmão do Brasil por sua posição geográfica – estar na América³.

Essas concepções ideológicas influem na política diretamente, como no fato de os eleitores não apoiarem certo candidato por ele ter tido um relacionamento extraconjugal; deixarem de votar em um candidato por achá-lo, previamente, uma piada, por ser de esquerda; não votarem num negro ou, o contrário, votar em alguém só por ele ser de sua cor, de sua religião etc4.; não é menos por motivos como estes que, nas “democracias”, a eleição de uma mulher é fato histórico ou tabu5.

É notável também o papel significante do Marketing na confusão da consciência geral e, desde o governo de Getúlio Vargas, com o DIP (Departamento de Impressa e Propaganda), na política brasileira.

Um modo como é apresentado um produto pode ser mais vantajoso para os interessados em vendê-lo do que outro (modo), deste princípio parte a propaganda. Esta apresentação, então, não deve revelar todos os aspectos de certo produto: deve omitir as desvantagens (ou apresentá-las com eufemismos) e destacar as vantagens (ou inventá-las, ou relevá-las demais etc.), entre outras estratégias de Marketing.

No caso político, o produto é o candidato, o partido ou o regime e a “compra” de produto X é o ato do voto em candidato e/ou legenda X ou apoio ao regime X.

Quanto ao apoio a regimes, a publicidade é usada diretamente em regimes autoritários, tanto de esquerda (distorcidos6) quanto de direita, assim foi no Estado Novo e na Ditadura Militar (do golpe de 1964), no III Reich na Alemanha – nazismo – e no Fascismo; assim é em Cuba7, foi na União Soviética pós-leninista.

Indiretamente a publicidade é usada para os regimes “democráticos” liberais. De que forma? Os veículos midiáticos tentam convencer – diariamente e de forma branda – seus cidadãos de que o regime que lhes rege é a própria plenitude democrática. No entanto, é mais primordial a esta altura, discorrer-se sobre a função da publicidade, nas “democracias”, para eleição de candidatos e do apoio às suas legendas, que é direta.

No início da redemocratização brasileira a publicidade agiu para a eleição de Collor, não estamos nos referindo apenas àquelas edições de que falamos, mas ao modo qual o candidato era mostrado ao público brasileiro. Sua juventude era ressaltada e associada à suposta mudança que provocaria na conjuntura brasileira; a sua beleza8 foi assimilada pelas senhoras e senhoritas, ascetas das telenovelas e do efeito esperançoso de um final feliz que um galã lhes traria; o seu governo em Alagoas chegava aos olhos dos brasileiros como excelente. A saber, alagoas era e é um estado pobre9, da periferia10 de uma região periférica do Brasil, – a mais pobre do país11 –, foi um trabalho excepcional de publicidade fazê-lo parecer o contrário ou, mais simplesmente, Collor tenha sido apresentado como salvador daquele estado e, assim, seria também o messias da nação.

Mais recentemente, o presidente atual, Lula, – que hoje exerce seu segundo mandato –, deve aos “marketeiros” a sua eleição. Lula disputou, antes da de 2002, várias eleições para presidente. Naquelas aparecia discursando de modo tenaz e esquerdista, mas predominantemente verdadeiro, e se apresentava simples e com sua famosa barba. Na campanha política para eleições presidenciais de 2002, contratou uma empresa de publicidade (do publicitário Duda Mendonça) e, após, não coincidentemente, amornou seu discurso – que virou de centro-esquerda –, retocou sua barba, o layout da propaganda política era belo, harmonioso; o Vermelho do PT permaneceu, porém brando como no discurso. Entre slogans, artistas e singles, elegeu-se o Presidente12.

Se há dúvidas ainda sobre poder da publicidade na consciência dos brasileiros, então, o que pode explicar a adesão de todos – itera-se, todos – os políticos às empresas de publicidade ou à estratégias próprias de?

Não se quer dizer, com o apresentado nas linhas anteriores, que a propaganda – no sentido de divulgação – deva ser recurso negado aos candidatos e bandeiras; apenas, que não se deve transformar o candidato ou partido em um produto, com músicas de campanha, ofensas infundadas, apelos às religiões respectivas, ritos (como receber crianças no colo ou andar de jumento – como o fez Fernando Henrique Cardoso) etc.

O ideal, para uma população sem educação política, como é a brasileira, e na qual uma reforma educacional encontra resistência, seria uma padronização das propagandas políticas. Entretanto, uma vez que os trustes (grupos grandes de empresas privados) fazem também propaganda política, embora velada, perfeito seria distribuir uma parcela maior do espectro de freqüência, ou seja, dos canais de TV e rádio, para o povo brasileiro em geral e para produções independentes.

Na prática, primeiro seria necessário criar uma legislação que cobrasse mais conteúdo democrático na programação, – ou seja, programas regionais cruzados13, programação independente geral, programação didática etc. –, e fortalecer a fiscalização. Se isso funcionasse, estaria democratizada a informação, porém, se não, seria a primeira etapa do processo, no qual em segundo lugar: o Estado não renovaria as concessões das emissoras imprudentes e tomaria para si a concessão legal delas, disponibilizando-as para as produções democráticas ditas acima.

Quanto ao que deveria ser feito nos países onde a educação esclarecedora é oferecida e assimilada pela maior parte da população? Nada. Pois, primeiro, esta população se encarregaria de democratizar a informação conscientemente. Em segundo lugar, nos indivíduos daquela população as propagandas não têm efeitos tão catastróficos, desde que não se divulgue mentiras – na verdade, ainda assim, não lhes serão tão danosas, visto que eleitores politicamente educados aprendem a ter diversas fontes de informação.

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1. Aqui entender o belo como padrão estético europeu, não somente quanto à magreza, mas quanto à cor branca da pele.

2. Por ser humano educado politicamente não entender nem tão-somente nem necessariamente o portador de uma opinião política. Mas aquele indivíduo que, em plena consciência democrática, sabe que o estágio democrático deve ser alcançado. E que, quando este estiver em vigência: que todos são políticos (não existe uma “classe política” separada e eterna); que as condutas pessoais de cada cidadão devem ser distinguidas do seu comportamento político, e que como ser humano igual aos outros, deve usar a política, associando-se ou contrapondo-se aos seus iguais em opinião e movimento em favor desta, mas sem jamais discordar dos seus iguais quanto à democracia que os permite discordar entre si.

3. A esse respeito: “O fato de o Brasil e os Estados Unidos se acharem no mesmo continente é um acidente geográfico ao qual seria pueril atribuir uma exagerada importância.” (PRADO, Eduardo. A Ilusão Americana. E-livro, digitalização da edição de 1917).

4. Votar num candidato de sua região não denota alienação, quando são cargos essencialmente locais, como senadores, por exemplo.

5. Vide Argentina: só no século XXI, onde Cristina foi pioneira, nos EUA: onde a mulher de um ex-presidente é candidata, e no Brasil: onde a mulher ainda não foi candidata significativa.

6. Porque a verdadeira esquerda se funda no esclarecimento, e não na alienação.

7. Em Cuba isso se dá de forma muito especial, devido à alta escolaridade geral da população. Deve-se estudar mais profundamente isso, o que seria tema de outro artigo.

8. Beleza relativa aos padrões dominantes vigentes à época (que não diferem muito dos atuais).

9. Pobre economicamente.

10. Periferia relativa também à economia.

11. Periferia e pobreza econômicas também. A região é o Nordeste do país.

12. Sobre Lula e os demais políticos citados, aqui não se avalia a conduta política dos quais.

13. Programação regional cruzada deve-se entender como aquela que faz o povo de um país conhecer-se, ou seja, a veiculação mútua e eqüitativa de conteúdos das diversas regiões do país. É dizer, uma região vê todas as demais.