A palavra na tradição africana

A história investiga como os homens pensavam sentiam e agiam em outras temporalidades diante das problemáticas como as que nos defrontamos no presente. As continuidades e as rupturas que constituem o processo histórico são frutos da ação humana. Seu estudo interessa para a formação da identidade, cidadania e autonomia, na medida em que permite avaliar as heranças e identificar a necessidade de manter ou modificar as formas de vida com vistas à construção de um futuro diferente.

Com base nessas informações, podemos estudar e avaliar a importância da palavra para as sociedades africanas, a origem divina da palavra e a fala humana como poder da criação.

A África só pode ser entendida e sua história só terá validade se apoiada na história oral. Nada prova a priori que a escrita resulta em um relato da realidade mais fidedigna do que o testemunho oral transmitido de geração em geração. O que se encontra na verdade, por trás do testemunho é o próprio valor do homem que faz o testemunho, o valor da cadeia de transmissão da qual ele faz parte, a fidedignidade das memórias individual e coletiva e o valor atribuído à verdade em uma determinada época e sociedade. Isso supõe um elo entre o homem e a palavra.

Nas tradições africanas a palavra falada se reveste além de um valor moral, mas também de um caráter sagrado vinculado a sua origem divina e as forças tidas como ocultas nela depositadas. Muitos fatores relativos à religiosidade e a sociedade africana concorrem de fato, para a preservação fiel da transmissão oral. Assim, a tradição africana não se limita apenas a histórias e lendas, ou mesmo a relatos lógicos ou históricos e os griots estão longe de ser seus únicos guadiães e transmissores qualificados. Os griots são os contadores de histórias acompanhados de músicas e instrumentos.

A tradição oral é a grande escola da vida. Ela permite a preservação da memória histórica através do tempo. Nesse contexto é importante ressaltar que a história oral possui uma certa concepção do seu lugar e do seu papel no seio do universo. Sendo dessa forma, o material e o espiritual se mantêm unidos, associados. Podemos dizer então que nas sociedades orais a ligação entre o homem e a palavra é mais forte, mais intensa. O homem está ligado à palavra que profere, está comprometido por ela. Ele é a palavra e a palavra demonstra aquilo que ele verdadeiramente é. Portanto, a tradição africana concebe a fala como um dom de Deus, como algo divino e sagrado e dá efetivamente dinamismo as potencialidades humanas.

Maa Ngala o ser auto criado, o mestre divino, o deus do universo é reverenciado e ninguém pode situá-lo no tempo e no espaço. Ele representa a síntese de tudo o que existe. Maa, o homem recebeu de herança uma parte do poder criador divino, o dom da mente e da palavra. Iniciado por seu criador, mais tarde, Maa (homem) transmitiu aos seus descendentes tudo o que havia aprendido. Esse fato marcou o início de um grande círculo de transmissão oral, e das quais muitas ordens religiosas africanas são continuadoras. Sendo Maa Ngala um ser divino, as palavras também eram isto porque ainda não tinham entrado em contato com a materialidade.

Logo, a fala pode criar a paz e a guerra. Uma única palavra imprudente pode desencadear uma explosão de negatividades, assim como um cigarro aceso pode provocar um incêndio. Portanto, a palavra possui o poder criador e ao mesmo tempo destruidor, possui a dupla função de conservar e demolir. Nas sociedades africanas a fala é o grande agente ativo da magia.