O que é ler? O que é escrever? – “As faces de uma moeda”
O que é ler? O que é escrever? – “As faces de uma moeda”
ANDRADE, Cinthia de Oliveira. 1
...um livro, uma página de livro apenas, por menos ainda, uma simples gravura em um exemplar antigo, herdado talvez da mãe ou da avó, poderá fertilizar o terreno no qual a primeira e delicada raiz desse impulso começa a se desenvolver. Walter Benjamin
A leitura e a escrita estão, intimamente, relacionadas. Cognitivamente, funcionam como faces de uma mesma moeda, porque a leitura acadêmica ou de mundo é registrada em nossa produção textual e, ao ler como construímos, parceiramente, o significado do texto, estamos registrando a nossa palavra.
O exercício da leitura exige concentração. É uma atitude que põe em diálogo o leitor e o escritor numa relação de falas sem som. A leitura também pode ser compreendida como um exercício cognitivo solitário de refinação do raciocínio ( constitui o pensar através do processo de intersubjetividade).
A referida atividade, além de exigir silêncio e escuta, é uma busca da luz interior. Quando feita continuamente, contribui para o auto-conhecimento, pois o leitor vai elaborando suposições e as confirma ou as refuta ao longo do texto, portanto, verifica e/ou expande seu conhecimento.
Para SMITH 2 ( 1999:9), a leitura é a associação do que está atrás dos olhos com o que está a frente dos olhos, apenas descodificar e não encontrar sentido não é leitura. Então, a leitura é uma atividade que acontece por meio da antecipação, realizada através do conhecimento prévio e exige do leitor uma atitude reflexiva, a qual lhe favorece compreender e explicar as coisas .
O exercício da leitura nos tira da situação de conformidade diante dos acontecimentos sócio-históricos. Essa omissão inibe a inteligência, gerando no escritor o terror da página em branco e no leitor a indolência da página escrita. Assim, pode-se dizer que o ato de ler e o ato de escrever são atividades coincidentes que exigem do sujeito, decisão e vontade para superar a inércia cognitiva, que é o emperramento da inteligência.
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1 graduando Letras ( IV período). Professora do Ensino Fundamental I
2 SMITH, Frank. Leitura significativa. Trad. NEVES, beatriz Affonso. 3ed. Porto Alegre: Editora artes Médicas Sul Ltda. 1999.
Nesse contexto, GATÉ 3 diz que a leitura é uma atividade inteligente de construção de sentido. Ler é dar sentido a partir da escrita. Então as primeiras exigências da relação leitura/escrita é compreender e fazer-se compreender
O ler é o exercício cognitivo de captar o conhecimento, o desfecho de um raciocínio manifestado em um signo ou num escrito. Já o escrever é a manifestação externa da inteligência como resultado de elaboração da mente.
Ler e escrever são atividades que exigem: silêncio, concentração, raciocínio, solidão, etc. É muito difícil exercer estas atividades no meio de uma sociedade do ruído como a nossa. O silêncio e a escuta estão sendo cada vez mais escassos e exigentes para a realização das atividades de leitura e escrita. Essas atividades exigem imaginação e sensibilidade .
O exercício de escrever é, acima de tudo, aprender a cortar palavras. Já o ato de ler é, na verdade, o ato de reler. Por isso, o ato de ler, para ser completo, deve exigir o ato de escrever, que é sempre uma tarefa lenta e gradual. Não existe leitura rápida. Ler é uma arte. E toda arte exige tempo e ritual. No entanto, se a prática da leitura exige tempo, a prática de escrever não é diferente, exige também tempo e paciência.
Um texto bem escrito é fruto de muito treino e de muita teimosia, o que significa muitas horas de leituras atentas. Escrever bem não é só dom, mas dedicação empenhada de quem se põe na arte da escrita. Assim, o ato de escrever precisa de cultura, de conhecimento, de pensamento e de qualidade crítica. Esta bagagem de conteúdos só se consegue com muitas e cuidadosas leituras.
Para GATÉ, ler do mesmo jeito que escrever é uma atividade sociocomunicativa (...), é introduzir o universo do outro, do conhecimento do mundo e da cultura; escrever é alargar suas possibilidades de expressão e comunicação.
Ler e escrever são duas “faces da mesma moeda”. Assim, como a arte de ler exige assiduidade, a arte de escrever exige perícia. Para escrever bem não é determinante ter o domínio total da gramática ou das regras ortográficas. Se isto fosse o último critério todos os gramaticólogos seriam escritores, o que na experiência não confere. Há pessoas que não conhecem as regras da gramática e são excelentes escritoras.
Na verdade, escrever bem é sempre reescrever, o que significa achar as palavras adequadas para expressar com coerência o pensamento. Mas muita atenção nisto tudo: a base do ler e do escrever é o ato de pensar bem. O aprendizado não é simples e automático, ou seja, não se aprende a pensar a leitura e escrita, sem esforço e dedicação.
O cotidiano é uma escola permanente. Um ponto de apoio salutar para quem trabalha com a palavra escrita ou falada é adquirir o hábito de antes de falar organizar o raciocínio. Na relação entre emissor e ouvinte, escritor e leitor, isto seria uma prática importante. No dia-a-dia, deveríamos ser observadores atentos das formas de nossa comunicação e das formas de comunicação das outras pessoas do nosso convívio. Isto significa ter consciência da adequação ou não de nossas atitudes enquanto leitores/falantes/produtores ou ouvintes.
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3 GATÉ, Jean ~Pierre . Educar para o sentido da escrita. Ed: INEP
Pensar/ observar/ refletir são ações que nos dão condições de não corremos risco de sermos pegos de surpresa pela lógica clandestina ao ler/produzir um texto, de construir um significado superficial . É como nos diz Bartolomeu Campos Queiroz:
“(...)Não há liberdade maior e mais duradoura do que esta do leitor ceder-se à escrita do outro, inscrevendo-se entre as suas palavras e os seus silêncios. Texto e leitor ultrapassam a solidão individual para se enlaçarem pelas interações. Esse abraço a partir do texto é soma das diferenças, movida pela emoção, estabelecendo um encontro fraterno e possível entre leitor e escritor. Cabe ao escritor estirar sua fantasia para, assim, o leitor projetar seus sonhos (...)”
Referências bibliográficas
CAMPOS, Maria Inês Batista. Ensinar o prazer de ler. São Paulo: Olho d’água, 1999.
EVANGELISTA, Aracy A. M. Literatura Infantil na escola: leitores e textos em construção. Belo Horizonte: Formato. Cadernos CEALE. Vol II, Ano I, maio/96.
KAUFMAN, Ana Maria & RODRIGUEZ, Maria Helena. Escola, Leitura e Produção de Textos. Porto Alegre: Artmed, 1995.
KLEIMAN, Angela. Texto e leitor – Aspectos cognitivos da leitura. 2 ed. Campinas: Pontes, 1992.
MARTINS, M. H. O que é leitura. 19 ed., São Paulo, Brasiliense, 1994.
PRESTES, Maria Luci de Mesquita. Leitura e (Re) escritura de textos – subsídios teóricos e práticos para o seu ensino. 4ª ed. Catanduva, SP: Editora Rêspel, 2002.
SILVA, Ezequiel Teodoro da. Leitura na escola e na biblioteca. 5ª ed., Campinas / SP: Papirus, 1995.
_______________. Elementos de pedagogia da leitura. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998 (Texto e Linguagem).
SUASSUNA, Lívia. A leitura extraclasse: necessidades e possibilidades. Cadernos de extensão. Centro de Educação UFPE. n° 2, maio/1999. P. 93-98.