Sabatina da arte...

SABATINA da ARTE

Por Poet ha, Abilio Machado.

Aos vinte e dois dias de um outubro estranho, que passou assim meio cinzento, nem frio e nem chuva, algo perdido no centro de um céu, ermo, solitário. Um ponto nostálgico, que teimava a trazer recordações.

Por algum motivo que ainda não havia tomado a oportunidade de manifestar-se, sai de casa, carregado com duas bolsas de viagem com bandoleira, mais uma de mão, uma caixa com velas vermelhas e claro a minha de lona costurada à mão, respiro arte em todas as formas.

Pessoas olhavam para mim com um ar esbugalhado, comentários mesquinhos, referindo-se à minha cardiopatia e o fato de estar carregando os pesos. Em baldeação, mas carregados. E prontamente atendido o meu pedido de guarda, até a tardinha, no Supermercado Druziki, meus amigos e de quem me orgulho de ser a muito cliente.

À tarde no trabalho, uma benção de alunos, meus alunos, minhas crias, meus rebentos. Na saída quase perdi o ônibus não fosse à providência do motorista me reconhecer no cansaço da corrida na ladeira ao ouvir o motor ruidoso arrancando de seu momento de coleta. Depois de hora estava no centro de Champs Largè (Campo Largo), minha cidade maravilhosa ao pé da Serra e da fina louça e porcelana. Terra onde já encarnaram e desencarnaram inúmeros artistas, em passagem a este período e não foram reconhecidas, vãs almas mortais.

Encontro amigos ao ficar parado em frente à farmácia a espera da condução para que cheguemos a tempo no 5º FEMAC Eliseu Voronkoff . E alguns tiram lascas de risos com suas gracinhas, pois acham que estou me preparando para ir à Aparecida, outro que acabei de chegar do Paraguai. A um deles comentei da dor do parto que foi conseguir a condução.

Enviado ofício para todo lado, telefonemas então... Nem quero olhar o dia em que chegar a conta, levamos um chá de espera e passagem de ramais e outras secretarias. Foram nomes e mais indicações, fale com fulano e com cicrano e beltrano, totalizando doze pessoas e nenhuma com a disposição a oferecer até parar na Secretaria da Promoção Social, imagine um grupo de teatro pedindo arrego para o serviço social para obter um transporte. Para resolver única maneira ir até lá em tarde atribulada, chuvosa, indivíduos de risos nervosos e pensamentos melindrosos. Conseguimos. Mas, ainda assim, queriam que pagássemos a diária do motorista que não ganham hora-extra... Ria-me muito. Perguntava a cada um que tentava justificar este pagamento: __ Então quer dizer que tenho que fazer arte sem apoio, ir representar ‘praticamente’ minha cidade e esta minha cidade ainda vai me cobrar por isso? Não há lógica, principalmente quando sabemos que veículos são usados para buscarem pessoas de fora para apresentarem-se na cidade, quanto ao uso pelas denominações religiosas, por times de futebol, pelas idas e vindas de partidos a sofregarem a busca de votos em suas reuniões e mini-comícios, acompanhando às crescentes manifestações.

Ao cúmulo de a mesma pessoa, o Seu Lourival que havia atendido ao telefone trinta minutos antes jurar que de nada sabia à minha frente. Outra perguntar quantos faziam parte do grupo e sem saber que ainda estava ao telefone dizer para alguém que não valia a pena, ‘oito nem pesa na urna’, disse. Outra jurava que de nada recebera. Mas o que mais incomodou foi uma moça ao telefone perguntar quem éramos e que nunca ouvira falar de nosso grupo de arte, ao perguntar a ela qual era o setor que a mesma trabalhava quase fui ao chão da cadeira que me escorava, tamanho foi o susto. Na hora não me contive e gargalhei ruidosamente. Como sempre, havia alguém trabalhando na área cultural e não sabia que existíamos, retornava a mesma inquisição: Por quê?

Mas enfim, passado est.

Horário marcado. Começam a surgir os holofotes da equipe, chega Michel, chega logo depois Natasha e Hélo, Alini, o motorista na Kombi e Nicolle que teve que deixar o trabalho da escola quase pronto. Faltava Célia que já estaria no Teatro da Praça esperando e a nossa bebê Alexia não estaria presente.

Caminho da arte, a Kombi só tinha o banco da frente e o último de trás, gente sentada ao chão, estrada de terra, porta que abria no caminho, até pararmos para amarrar e descobrirmos que fecharia se batêssemos pelo lado de fora e trancássemos. A jornada prossegue até o encanto, teatro é o lugar absoluto da arte, pois nele juntam-se todas as artes, no teatro encontramos a união de todas as ramificações artísticas. Encontramos o escritor ao texto, encontramos ator à dramatização, encontramos a plástica ao cenário, encontramos a dança aos movimentos, encontramos a música à sonoplastia, o canto em cada frase da personagem, o estudo acoplado à montagem. Teatro é o tudo.

Perguntei se teria sido aquela Kombi que fora buscar os dançarinos no Guairá, ou os tais grupos da Federal. Chateados ficamos ao saber que o motorista reclamou da demora do encerramento da programação, reclamou que imploramos para que não voltasse pelo meio do mato e pela estrada de chão e viesse pela cidade industrial, e soubemos que não relatou o fato de que não tinha banco, que a luz do óleo acendia sem parar, que a porta só fechava por fora, que os jovens estavam com fome, frio e cansados, pois alguns trabalharam o dia todo, outros estiveram na escola e estavam ali mostrando uma das artes que nossa cidade tem, feita com sacrifício e muito trabalho, pois nem mesmo temos local de ensaio. Ensaiamos na sala de casa mesmo, montamos o cenário na garagem.

Chegamos e iniciamos a montagem, as lembranças batiam forte. A última vez que me apresentara ali fora com ‘O Jantar’, dirigido pela Edna Gubert, uma coletânea de textos de Nelson Di Córdova e outros. Onde pela última vez conversei e vi o Zeu, pois fiz um monólogo que ele havia realizado muitos anos antes, ’Feliz Aniversário’. Como um filme passou, todas as vezes que estivemos no palco, em todas elas esteve presente, o lugar em que ensinava-nos, eu e Jester a cair da escada para que a cena ficasse boa e não houvesse feridos, me ensinou os primeiros passos do tango e sempre tinha algo a oferecer.

Com ajuda de três meninos colocamos nosso espetáculo em cena, depois da famosa espera de abertura. Sempre que artistas se reúnem a reclamação é a mesma, pessoas chegando durante os espetáculos, mas quando temos a oportunidade de ensinar deixamos a desejar, jogamos politicamente esperando que uma autoridade ou outra venham prestigiar a trabalho artístico que digamos em passagem: é muito difícil. ‘A pontualidade é difícil de alcançar sem a disciplina’, falava Cap. Edson no CIEX-BSB. A ponto das meninas descerem na sala de som e tirarem uma música ao público que já esperava, mas a surpresa era ainda o final.

Um debate em que o texto quase nada foi discutido, deixaram de lado os signos que usamos, as cores, nossos olhos pintados. Os debatentes estavam preocupados com nossa formação acadêmica. Questionamento ao autor sobre da mistura de drama e comédia no texto,nada nenhuma indagação, queriam saber mais das particularidades do grupo que do espetáculo. O grande barato é que no momento somos pegos de surpresa e meio atônitos não respondemos a contento. Parecia que eram rivais a procura apenas dos erros, coisa que depois tirou-nos a atenção na volta, no nosso debate. Era comum, voltar-me para trás, chateado com aqueles jovens sentados no chão da Kombi e dizer: __Poxa podia ter respondido assim. E dava então o maior discurso, em vão.

Muitos porquês antes indagados ficamos sem respostas:

Por que ter que exigir uma declaração de que é o autor do texto, mas não o autor declarar e sim uma entidade sindical oferecer esta declaração?

Já acabaram no Paraná com o FITAP, logo depois da morte de Laerte Ortega, há muito e agora querem acabar com a arte, esmigalhando-a em taxas, em obrigações que nada provam, basta pagar que você é, basta ser universitário na área que é. Eu digo que não. Nada substituirá o talento, aquilo conquistado fazendo. Nosso grupo em nenhum momento quer os louros, a equipe só tem uma única pretensão: FAZER ARTE. Por isso é ARTEMOSFERA, usamos todas as áreas da cultura, artes plásticas, arte cênica, música e pesquisa.

Nosso espaço é qualquer um, mas jamais faremos arte sem valor, sem oferecer alguma coisa a aqueles que nos prestigiarem. Só lamentamos nossa casa nos abandonar e valorizar o que é de fora. Nelson Rodrigues já dizia: ‘O brasileiro é um Narciso às avessas’. Mas onde começa esta visão tão pouco patriótica? Mesmo termos nos cadastrado nestes últimos vinte anos de trabalho na área, eu mesmo já me cadastrei nestes levantamentos artísticos duas vezes a cada gestão, que somados dão dez vezes ou mais. E cada gestão nos rebelam como se eternamente fôssemos parte da oposição.

Ouço amigos que desistiram e mudaram a outros lugares, eles dizem ‘saia desta cidade e mude-se, aqui é difícil, mas onde está é nadar na areia movediça’, culturalmente.

Ouço de outros que abandonaram as artes dizerem ‘ você é louco, deveria aprender que a cidade não merece trabalhar arte para ela, veja-se sempre quem colocam para organizar coisas, ou é por indicação ou é de mesmo partido, jamais em ação ou com relação com a arte’. Geralmente pessoas certas em lugares errados.

Lamentamos apenas isso.

Lamentamos ir fazer uma apresentação em nossa casa e os funcionários e responsáveis não nos verem, entrarem em suas salas e dizerem: Eles chamam isso de teatro, a gente tem de suportar porque é de graça.

Surpreende-nos ver alguém que é ligado à cultura em nossa cidade estar no mesmo ambiente e pouco antes do início do trabalho esta pessoa retirar-se, como se com este gesto viesse a desacreditar o que íamos fazer.

Mas em si, como fazemos arte, fomos, fizemos e voltamos. E iremos de novo.

“Para dominar a morte é preciso vencer a vida; é preciso saber morrer para reviver imortal; é preciso deitar aos pés a natureza escravizada para transformar o homem em sábio e o túmulo em altar.” (mgAM)

ARTEMOSFERA

Cia. de Teatro, bonecos, máscaras e playback