Abstêmios ou criminosos?
O Brasil é um país de extremos; sempre fomos assim. É oito ou oitenta. Em termos de legislação contra motoristas alcoolizados passamos de extrema condescendência à absoluta intolerância. Não é assim que se combate um problema.
Paradoxalmente, na mesma data do lançamento da “tolerância zero” liberaram a venda de bebidas na parte urbana das BRs. Parece brincadeira! No último domingo, como sempre faço, fui almoçar fora e constatei que as pessoas, motoristas ou não, continuam bebendo caipirinha, vinhos e cervejas na mesma quantidade. Talvez em atenção ao velho jargão que ensina que “lei besta não se cumpre”.
Os jornais dão conta que no primeiro fim-de-semana da “intolerância” prenderam no Rio Grande 45 infratores. Vai faltar presídio! Vão ter que recolher os bebuns, sabe lá para onde. Talvez para o Palácio Piratini. Por falar nisto, a Governadora está preocupada com as instalações dos presídios, talvez objetivando mais conforto para algum amigo, correligionário mou financiador de campanha.
Mas voltando ao assunto da bebida, o cidadão fica numa sinuca-de-bico: ou se torna abstêmio, só tomando guaraná ou corre o risco de ser enquadrado como criminoso, por tomar o usual cálice de vinho ou o inocente chope acompanhando a refeição. As leis no Brasil continuam ineficazes. Não quero defender a embriagues criminosa que ceifa vidas inocentes, mas há que se ter o bom senso de identificar o beber socialmente e o ficar bêbado.
Nosso Congresso, à miúde colocado sob suspeita moral, não teve o bom senso de identificar essa diferença. É oito ou oitenta: ou porta arrombada ou tranca de ferro. Ou não fazemos mais refeições fora, ou não bebemos, ou levamos motorista. Ou corremos o risco?
Isso é pernicioso até para a credibilidade das leis e das ditas “autoridades competentes”, pois quem bebe não vai deixar de beber, apenas porque fizeram uma lei radical e apressada. Se essa determinação for levada ao pé da letra, aos fins de semana teremos milhares de prisões. É só montar uma blitz à porta dos grandes restaurantes e churrascarias, das cidades e das estradas, que vão ter que recolher infratores em ônibus. E colocá-los, onde, em um país que quem deveria estar preso anda por aí posando de importante e dando entrevistas?
Tem outro problema: eu conversava esta semana com um padre amigo meu. No domingo, depois de celebrar duas missas, ele já ingeriu perto de trezentos mililitros de vinho. Se for apanhado vai preso? Ora, senhores das leis, orientem-se! Os agentes das polícias rodoviárias já são prepotentes por natureza, com mais essa faculdade, ficarão impossíveis de aturar. Depois, recorrer a quem?
Ademais, dentro desse contexto ridículo, haverá mais motoristas para transgredir do que agentes para fiscalizar, e a coisa vai cair no descrédito da letra-morta, como tanta coisa no Brasil. Não se cria consciência social abaixo de paulada. A busca da solução vai mais além do que ações fascistas. No Brasil, infelizmente é assim: se o filho cresceu, ao invés de comprar uma cama maior, se manda cortar as pernas da criança.