AGRICULTORAS FAMILIARES E A REFORMA AGRÁRIA

LEANDRA CRISTINA DA SILVA FERREIRA

TÍTULO: AGRICULTORAS FAMILIARES E REFORMA AGRÁRIA

PALAVRAS-CHAVE: MULHER, TERRA, EMPONDERAMENTO, RESPEITO.

RESUMO

Neste trabalho tentar-se-á fazer uma breve discussão de como a mulher esteve inserida no meio social, ou não, de como era vista e em especial a mulher trabalhadora rural que muito mais que a mulher urbana, pobre e muitas vezes negra, sofreu e ainda padece de muitos preconceitos e discriminações.

Será um esforço extra dadas as limitações encontradas ao procurar fontes que falem exclusivamente sobre o tema em tela. Como serão descritas nas linhas seguintes, a maioria das produções intelectuais, ou outros gêneros literários, foram produzidas sob o prisma de uma visão completamente masculinizada, obras feitas por homens e para os homens (que neste caso estariam inclusas as mulheres).

Inicialmente, veremos, de modo geral, como a mulher era vista na Pré-História. No capitulo I objetiva-se mostrar que o olhar sobre ela garantia-lhe lugar de privilégio no meio das comunidades.

Leitoras e os leitores irão perceber como aconteceram mudanças significativas na vida das mulheres nesses períodos antecedentes à vida contemporânea, que neste caso, não foram muito boas, observadas as conseqüências que trouxeram para essas mulheres dissabores e outras sortes lamentáveis de vivência, as quais serão vistas nas linhas desenvolvidas neste trabalho.

Nessa transição da Pré-História, passando rapidamente pela Grécia, tida como berço da civilização, e também noutros períodos da História, a exemplo da Idade Média, observar-se-á que para as mulheres o tempo não foi gentil no sentido de que os homens, machos, quando passaram a não mais vê-las como privilegiadas pela força espiritual que carregavam e continham, passaram a desprezá-las ou excluí-las, como queira. Serão vistas, então, como aquelas que não têm mais parte com o Divino; estarão sempre rotuladas como alguém por quem vem o pecado servindo enquanto provocadoras de escândalos. Serão vistas, jocosamente, como as que se deixaram enganar pela Serpente. A marca do atraso do desenvolvimento das produções e riquezas perseguidas pelo mundo dos homens.

Nesse debate sobre a mulher trabalhadora rural, seus impasses e conquistas, faz-se necessário vermos um pouco como era dividida a terra no Brasil, para camponeses e camponesas, se era, ao menos, igualitariamente repartida. Como se deu essa partição e se, de fato, aconteceu; que experiências foram desenvolvidas; como a mulher esteve inserida nesses processos todos enquanto personagem a exigir respeito por sua condição e garantia de direitos.

INTRODUÇÃO

Discorrer acerca da questão do papel da mulher através da História é tarefa, além de difícil por conta da escassez de material, também é proposta árdua, pois a própria mulher sempre foi retratada oficialmente como pessoa secundária nas relações mundo afora.

As próprias fontes historiográficas apontam para a mulher como alguém que, na maioria das vezes, não protagonizou a história, mas foi apenas coadjuvante.

Na questão da luta pela terra não tem sido diferente. As mulheres sempre participaram ativamente das ações, atividades referentes às questões agrárias, desde a formação de grupos de resistência a exemplo do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais e Movimento de Mulheres Camponesas, a participação nos sindicatos de trabalhadores rurais, associações comunitárias, nas Ligas Camponesas e até outros movimentos de maior projeção nacional como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento de Libertação dos Sem Terra, Movimento dos Atingidos por Barragens, Movimento dos Pequenos Agricultores, Comissão Pastoral da Terra, entre outros.

As resistências travadas por parte das mulheres trabalhadoras camponesas são detectadas no tempo bem como a reação violenta por parte da classe patronal que sempre se valeu de sua condição machista e poder de mando para impor sua vontade e regras, sempre de forma arbitrária e associada à violência.

É, pois, proposta deste trabalho mostrar que a mulher nem sempre esteve passiva ante as imposições dos maridos, dos senhores ou da sociedade em que viviam baseadas em valores morais ditados pela Igreja Católica ou outras ideologias dominantes.

Como ontem, hodiernamente a mulher vem se organizando e reagindo às formas de submissão que lhe tentam impor e participando de uma nova proposta de trabalho no campo, baseada no ideário da auto-sustentação a partir de novos modelos de agricultura como a agroecologia.

Por fim há uma pretensão de apontar caminhos que redirecionem os pensamentos e consequentemente as posturas, frisando-se sempre o papel que a mulher tem e deve aprimorar na sociedade, na implementação de seus direitos e na conquista de outros vislumbrados, mas, ainda não alcançados.

OBJETIVOS:

• Apontar dados da agricultura familiar dando ênfase à participação da mulher camponesa nas discussões acerca da questão agrária;

• Analisar o papel da mulher trabalhadora rural e sua relação com a problemática da Reforma Agrária;

• Despertar para um novo olhar direcionado à trabalhadora rural, percebendo-a enquanto protagonista na transformação do seu meio social;

• Propor uma mudança de postura e de consciência sobre a importância da mulher camponesa nas lutas pela terra.

CAPITULO I

MULHERES: DA PRÉ-HISTÓRIA À IDADE MÉDIA - BREVE HISTÓRICO.

NA PRÉ- HISTÓRIA.

A relação da mulher com a terra é de longa data. Alguns estudiosos falam na invenção da agricultura datando de 10 mil anos a.C., quando a terra passou por uma significativa mudança climática, o que acarretou várias mudanças na vegetação e nos hábitos dos humanos “... a agricultura e a domesticação de animais acentua a divisão do trabalho já existente: as mulheres, que até então se ocupavam da colheita, passaram a dedicar-se também ao cultivo e à colheita de vegetais...”(Figueira, p. 11- 2005).

Se reportamo-nos aos tempos em que a mulher era a cuidadora da terra, cultivava-a, plantava cereais e outros produtos, os quais complementavam a alimentação do grupo familiar juntamente com a carne provinda da caça, tarefa tipicamente masculina. “As bases econômicas ampliam-se no Neolítico com a domesticação de animais e com a agricultura (Giordani, 1997)”. Vimos que na pré-história, por exemplo, era praxe esse comportamento, como também era de costume a mulher ser equiparada a uma figura divina. A mulher grávida trazia consigo a fertilidade.

A terra é aquela que alimenta, dá vida, não podia, portanto, ser cultivada por qualquer pessoa, mas, por quem tivesse boa relação com ela já que todos dependiam totalmente dela para se alimentar.

A fêmea humana grávida era a metáfora central dos poderes da vida para povos que dependiam totalmente das forças espontâneas da terra a fim de juntar comida (...) nesse sentido é interessante constatar que a Deusa Doadora de vida era representada em posição de parto e com a vulva dilatada (Cardoso. 131).

Adiante, nas antigas civilizações, vamos ter a mulher equiparada ao homem. Ambos são relacionados a figuras divinas, de modo que os humildes podiam recorrer tanto a um quanto ao outro de acordo com seu poder. Já não é só da mulher o “privilégio” da divindade bem como o poder de resolução dos problemas humanos.

E mais adiante, na história, vamos perceber uma inversão, onde a mulher não mais é vista como uma figura relacionada a uma divindade, ou que traduza fertilidade.

Os homens passam a cultivar a terra, não mais com o mesmo olhar feminino. Se antes na Pré-História e mais adiante a mulher tinha lugar de privilégio, entre os séculos XVI e XVIII essa posição se modificou sensivelmente. Vinha se justificando o poderio humano sobre a natureza e junto com esta, a mulher era vista com temor.

Pensamentos similares são encontrados também noutros momentos da História, traduzindo o ideário defendido por aqueles que detinham o poder de mando, inclusive sobre a mulher que sempre esteve relegada à segundo plano no meio social, quando não a uma condição quase que servil, principalmente no periodo medieval onde homem e mulher tinham seus papéis bem definidos pela sociedade calcada no pensamento machista em voga constituído a partir das relações com variadas culturas, entre outras, a judaica.

Dadas as características peculiares à mulher, sempre aquela de semblante frágil e meigo necessitando a cada momento da proteção masculina, especificamente, e que só participava das decisões quando convocada - fato que raramente acontecia nos períodos mais remotos da História -, pois sempre foi o Homem o regente e senhor, que tinha poderes sobre a vida e sobre a morte daqueles que o cercavam. “Ao homem, um símbolo de força, virilidade e violência; à mulher, um símbolo do trabalho doméstico (Macedo,p32).

A postura de homens e mulheres, ao longo dos anos, vem reproduzindo esse comportamento contribuindo para a efetivação da marginalização da mulher na sociedade, especialmente a mulher camponesa, excluída de quaisquer processos de formação existentes e consequentimente relegada aos estados de ignorância e miséria.

Diferentimente do pensamento corrente, a mulher camponesa trabalhava com afinco no seu núcleo de convivência, desenvolvendo atividades ligadas aos trabalhos domésticos quando também ajudava nos afazeres do campo caracterizando já à época, o trabalho em regime de economia familiar ou simplesmente agricultura familiar.

CAPITULO II

AS CAMPONESAS E SEUS TEMPOS

Quando alguém se propõe a discorrer acerca da mulher, logo percebe-se que não é fácil tal empreitada, dada a dificuldade na localização de fontes ou registros fidedignos acerca de sua atuação na sociedade, fruto da preponderância masculina na historiografia.

Muito pouco se sabe como era o dia-a-dia das mulheres na linearidade da História, principalmente as camponesas, por serem estas ainda mais esquecidas pela sociedade. As mulheres nas áreas urbanas - encostadas a seus maridos ricos, de nome e renome, posses, status - eram mais fáceis de serem ao menos vistas, dada a sua posição de “enfeite” dos belos e grandes castelos e casarões.

Embora haja poucos escritos sobre essa personagem tão importante na vida da humanidadade - a MULHER - existem aqueles que trazem informações importantes para a compreensão da vida destas singularidades, criativas e persistentes

Sabe-se, contudo, que sua força de trabalho era importante na economia rural, e que uma camponesa deveria, quando casada, participar - ao lado do marido - de quase todas as atividades realizadas na tenência - a parte do domínio feudal explorada pela família: plantava ervilha e feijão, pescava, colhia e batia o trigo, ordenhava as vacas, tosquiava os carneiros.(Macedo. 2002)

De acordo com Macedo, além do trabalho no roçado, as mulheres desempenhavam trabalhos domésticos, quer em seus lares ou na casa de seus senhores. Eram forçadas a pagar certas obrigações na forma de serviços: fiavam, teciam, confeccionavam tecidos, lavavam... também desenvolviam atividades artesanais como o fabrico de sabão, cosméticos, pentes e artigos de luxo, os quais, é claro, eram usados pela alta nobreza. E ainda trabalhavam com moínhos manuais - pilão ou mó giratória - os quais exigiam muito esforço para serem movidos, ambos mantidos com a força da mulher por longas datas.

Esse comportamento vem se estendendo até os dias atuais nas mais distantes comunidades do interior dos países da América Latina e de outras partes do orbe terrestre.

No Brasil, desde a colonização, a mulher vem sendo tratada como um ser sem muita importância. Desenvolve atividades por vezes subumanas como o trabalho nas carvoarias do Mato Grosso, na colheita do sisal na Bahia, na palha da cana-de-açúcar em São Paulo ou noutros Estados nordestinos, nas olarias ou mesmo nas casas de farinha do Agreste pernambucano.

Durante o período dos engenhos, a mulher servia para cuidar da casa, dos filhos, da comida do seu senhor e sua ama e, quando em vez, servir seu “dono” sexualmente, a exemplo das mulheres negras escravizadas trazidas a ferros da África para o trabalho nos grandes latifúndios.

A imensa quantidade de africanos que chegou ao Brasil era enviada aos campos para trabalharem nas plantações e minas. As primeiras grandes fazendas do Brasil escravista dedicaram–se à agro-manufatura açucareira. Esses latifúndios possuíam milhares de hectares. Além do açúcar os engenhos produziam praticamente tudo o que os proprietários e os cativos consumiam. Nos engenhos, viviam os amos e seus familiares, alguns moradores e agregados e, em média uns oitenta cativos.(Ferreira –2004).

Não demorou muito para que os escravos e as escravas se rebelassem contra o sistema de dominação e procuraram viver em outras localidades chamadas de quilombos, embora que, para isto, fosse preciso fugir, lutar e até morrer. Mas a liberdade era o que mais se apreciava entre os “subordinados” e as “subordinadas”. O tempo foi passando trazendo consigo mudanças na sociedade brasileira e noutras sociedades também, tais como a libertação dos escravos e escravas, revoluções de cunho econômico, industrial e a mais famosa dentre todas, a Revolução Francesa ambientada no ano de 1789.

Novas idéias provindas de renomados pensadores foram surgindo e novos sistemas ditatoriais de variadas ideologias. Novas formas de sobrevivência. As regiões brasileiras - Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro- Oeste - foram se tornando altamente povoadas, principalmente as regiões litorâneas.

Formaram-se grandes centros urbanos. E o campo brasileiro como fica focalizado nessa história, nesses tempos de tantas e importantes mudanças? E a mulher, nosso principal foco de estudo, como está situada e como esteve inserida neste contexto e se realmente houve sua inserção no meio social.

As trabalhadoras rurais, em especial, são um dos exemplos de resistência. Embora não sejam muito reconhecidas em suas lutas têm um papel fundamental na vida do povo. O Brasil é um país que se apresenta muito difícil para quem trabalha na agricultura camponesa - principalmente a classe feminina - pois, por ainda não serem as mulheres totalmente valorizadas ou por ser este um país, embora com maioria de sua população feminina, ainda é pensado a partir do ideário machista.

No campo, os fazendeiros e os grandes donos de conglomerados e imensos lotes de terra - os latifúndios - são os que mandam no trabalho; quem dita o quê, quando, por quem e por quanto será produzida determinada mercadoria, numa clara demonstração de força na relação capital versus trabalho.

Nesse contexto as mulheres trabalham ganhando menos que os homens, legado cultural que nos acompanha desde os tempos em que a mulher era vista como aquela que impedia o cultivo da terra, fato já citado anteriormente.

Contudo, embora tenham encontrado muitos e duros obstáculos, trabalhadoras e trabalhadores rurais excluídos do sistema que sempre lhes impôs formas e leis, não se intimidaram e partiram para a luta que tinha como um dos objetivos resgatar a valorização do trabalho e a dignidade no campo.

Com o grande êxodo causado pela industrialização na década de 1930, o campo já não era o mesmo. Perdeu força de trabalho para as empresas das cidades. O Nordeste e a cidade de São Paulo são os personagens principais dessa história.

Talvez tenha sido isso um dos fatores contribuidores que levaram a mulher a assumir mais o trabalho na sua realidade, no campo, não querendo dizer com isto que o êxodo rural foi bom ou ruim e nem que a mulher antes não se dedicava aos afazeres do campo ou coisa dessa natureza.

Além do trabalho de casa, continuava-se com a labuta na agricultura, apenas com maior intensidade dada a situação de variadas dificuldades existentes. O que o marido mandava de São Paulo não era suficiente para cobrir as despesas da família deixada em solo nordestino até que se pudesse transportá-la até o Estado de São Paulo.

Muitos dos filhos, às vezes menores, viam-se obrigados a trabalhar também, muitas vezes deixando de estudar, quando tinham essa prática em seu torrão natal. Quando não era suficiente ou quando mesmo vinham as secas castigando o semi-árido, os filhos mais velhos seguiam o mesmo caminho do pai, retirante em terras do Sul, quando não, famílias inteiras faziam esse mesmo lamentado percurso.

As mulheres mães de família, solteiras, viúvas e alguns homens que resistiam por ali mesmo, contavam com ajudas governamentais que não resolviam muito suas vidas por serem ações paliativas para uma espera de solução definitiva que jamais chegaria. Foram surgindo então novas formas de viver e conviver com o meio rural seco. Muitas pessoas e organizações não-governamentais, as chamadas ongs, ocuparam-se em estudar maneiras e formas de organizações, e foram desenvolvendo discussões de como sobreviver numa área onde as chuvas eram escassas e a terra, além de insuficiente por conta dos latifúndios existentes, extremamente árida.

Desde as últimas décadas, vem sendo travada uma árdua luta entre alguns setores da sociedade, movimentos, organizações não-governamentais, sindicatos e outros contra os Governos municipais, estaduais e Federal, no intuito de mudar a forma do sistema vigente na intenção de melhorar a qualidade de vida das famílias e minorar os seus sofrimentos.

Nessas discussões são preferencialmente debatidas como o Poder Público pode melhor distribuir a riqueza do país com seus habitantes, através de uma redistribuição das terras dos latifúndios improdutivos, através de uma reforma agrária que venha fixar o homem e a mulher na terra promovendo, assim, justiça social no campo.

Entenda-se por latifúndio imensas fazendas que não cumprem sua função social que, de acordo com a Carta Magna, a Constituição Federal vigente, no seu artigo 186 diz: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos”:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (Constituição da República Federativa do Brasil – Senado Federal, p. 124 – 2006)

Nesse processo de Reforma Agrária, muitas mulheres trabalhadoras rurais estão diretamente ligadas, pois, é de interesse delas ter acesso a terra para poder cultivar seus produtos, podendo, além de subsidiar a casa com farta alimentação, vender o excedente para custear despesas domésticas, filhos e filhas, entre outros. Isso mostra também o quanto elas têm sido protagonistas de uma nova corrente de pensamento acerca da agricultura camponesa ou agricultura familiar.

CAPÍTULO III

A REFORMA AGRÁRIA

Um dos primeiros sistemas de distribuição ou concessão de terras no Brasil foram as capitanias hereditárias, seguidas pelas sesmarias. Ao depor na CPMI da Terra, em março de 2003, o então presidente do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) Rolf Hackbart, disse que, ao instituir o regime das sesmarias, garantindo a cessão de grandes glebas aos amigos do rei, “o colonizador português deu origem ao latifúndio no País” (Melo, p. 240).

Por longos anos foram sendo editadas leis, decretos, medidas, que ora legalizavam, ora não, formas de obtenção de terras.

A cada medida governamental os pequenos agricultores ficavam impossibilitados de tocarem suas terras. Isto porque o Governo sempre se postou do lado dos grandes produtores e latifundiários, mesmo porque estes sempre financiaram as campanhas eleitorais daquele e lhe serviram de base e apoio, a exemplo dos barões do café.

Na década de 1960 o Brasil passava por uma forte crise econômica e o então ministro do Planejamento (ministro extraordinário para assuntos de desenvolvimento econômico) Celso Furtado, apresentou um Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social.

Mal sabia ele que o plano seria abandonado quase três anos depois, por questões políticas. Tal plano trazia, entre outros objetivos, a realização de reformas de base, entre elas, a reforma agrária “... que se supunha serem indispensáveis ao desenvolvimento de um “capitalismo nacional” e “progressista” (Alencar, p. 380-1994).

A “luta anti-imperialista” e contra “o latifúndio semifeudal” era vista como uma etapa necessária do progresso de transformação da sociedade brasileira, que deveria, através de uma “revolução democrático -burguesa” e de forma prática, comandada pela burguesia nacional.(Alencar, p.380).

As soluções apresentadas por Furtado, não eram do agrado de todos. Segundo Alencar, se por um lado a burguesia nacionalista se interessava por reformas democráticas e nacionalistas, por outro, não apoiava a reforma agrária baseada na redistribuição de terras. Era um momento de fortes contradições políticas e transformações sociais.

Os burgueses temiam tanto as políticas de Getúlio Vargas, quanto a ascensão dos movimentos populares e movimentos de reivindicações dos trabalhadores rurais, a exemplo das Ligas Camponesas oriundas da luta dos “galileus”, como eram chamados os membros das Ligas, numa alusão ao Engenho Galiléia localizado no município de Vitória de Santo Antão, interior pernambucano.

A Lei das Terras nº 601 de 18 setembro de 1850 vem dar um certo ar oficial ao surgimento do latifúndio e aprofunda sensivelmente a concentração da terra nas mãos dos grandes proprietários em detrimento da pequena propriedade por esta não dispor de recursos até para o registro da terra em cartório, dado os altos custos para tal procedimento, tudo sob as bênçãos do Império brasileiro que sempre teve a aristocracia rural como um dos seus pilares de sustentação.

Também se fortalece a idéia do cercamento da terra com o fito de se delimitar os espaços físicos, quando o latifúndio avança de forma voraz e implacável sobre aqueles detentores de pouca terra, os minifundiários, geralmente herança paterna.

O Estado brasileiro vem ao longo de sua História se colocar de forma contrária aos interesses da classe camponesa e postando-se do lado daqueles que sempre foram os donos do poder em todas as suas facetas. O uso da violência contra camponeses e camponesas funcionou – e ainda funciona – como uma coisa institucionalizada.

Inúmeros são os movimentos de milícias que combatem a organização dos trabalhadores no campo. E o que mais se destaca é a União Democrática Ruralista – UDR – promotora de assassinatos de lideranças sindicais, religiosas e de trabalhadores comprometidos com a causa da reforma agrária em todo o País, segundo o Relatório Vencido da CPMI da Terra. De tão truculenta essa entidade é sinônimo, hoje, de violência no campo.

Estigmatizada pelo carimbo de entidade promotora da violência por usar de métodos os mais absurdos na luta contra a reforma agrária em todo o País. (...) é acusada pelos crimes de várias lideranças do meio rural ligadas à questão da terra... Irmãs Adelaide Molinari e Dorothy Stang (SILVA -2007).

Os conflitos continuaram a existir no Brasil na luta pela melhoria de vida dos pobres da terra. Surgem então, por volta de 1980, os movimentos feministas e de mulheres na área rural, com o apoio de organizações de luta pelos direitos e acesso à terra, que questionavam as injustiças sociais, exclusão e preconceito contra a mulher, entre essas entidades a CPT (Comissão Pastoral da Terra) e as CEB’s(Comunidades Eclesiais de Base) ambas oriundas da Igreja Católica Romana e com atuação lastreada no ideário marxista.

Nesse momento surgiam também outras organizações como o MST (Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) movimento pensado a partir das divergências havidas no seio da Comissão Pastoral da Terra - CPT - relativas aos encaminhamentos de outras formas de garantir a luta que não fosse somente a conscientização da classe camponesa.

Outras formas de conquista da terra deveriam existir, a exemplo das ocupações de terras improdutivas. Essas ocupações ou invasões, como querem alguns, deveriam ser feitas com todos aqueles que estivessem prontos a defender a bandeira da reforma agrária. Tudo a partir da inspiração nas antigas Ligas Camponesas de Francisco Julião que pregava a reforma agrária “na lei ou na marra”.

A CPT e as Comunidades Eclesiais de Base não se portavam de modo similar ao Movimento dos Sem Terra, dada a sua condição de movimentos ligados à Igreja Católica e entrada em outras denominações cristãs a partir de idéias ecumênicas, caso específico da Comissão Pastoral da Terra.

Segundo Deere, os sindicatos de trabalhadores rurais da época faziam o cadastro de apenas uma pessoa da casa e sempre era o do chefe da família, geralmente um homem. As mulheres não eram reconhecidas como arrimo de família, pois, embora trabalhassem no roçado não eram remuneradas, valendo apenas o trabalho da casa, que também não era remunerado.

Por isso não se aposentavam como trabalhadoras rurais, pois não eram reconhecidas pelos órgãos governamentais e como não havia o reconhecimento da profissão de doméstica ou do lar ou mesmo dona de casa, como era mais identificada, ficavam a mercê do marido e, quando viúvas, dos filhos homens, geralmente os mais velhos. Na ausência destes, sua vida ficava ainda mais difícil, insuportável, por vezes.

Não tardou para que as mulheres, não aceitando essa condição de submissão, ingressassem em movimentos para irem em busca de seu reconhecimento e pela garantia de seus direitos. Como mencionado anteriormente, os movimentos de mulheres trabalhadoras rurais aproveitaram a própria estrutura dos sindicatos rurais (tidos como defensores dos trabalhadores rurais) para pôr em prática sua luta na busca de reivindicações tais como: o ingresso da mulher nos sindicatos, aposentadoria, salário maternidade, entre outras conquistas na área previdenciária.

Essas reivindicações acabaram por garantir e acelerar o ingresso da mulher em outros setores da produção agrícola, a exemplo dos empréstimos em bancos oficiais, feitura de projetos a partir do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF., em suas variadas categorias, ainda que em menor proporção. No Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA – travou-se uma batalha no sentido de que os títulos emitidos pelo próprio INCRA fossem também em nome das mulheres por serem estas partícipes na luta pela terra e cidadãs com direitos e deveres iguais e não somente em nome dos homens, prática costumeira da Entidade.

"... A discriminação contra a mulher era tal que os funcionários do INCRA tomaram por certo que mulheres sem marido ou companheiro eram incapazes de administrar uma gleba, a menos que elas tivessem um filho maior, e não era incomum para mulheres que enviuvavam com crianças pequenas perderem seu direito a permanecer no assentamento de reforma agrária. Além disso, quando o filho mais velho da viúva era nomeado beneficiário, ela algumas vezes perdia o acesso à terra quando ele casava e formava sua própria família.72 ...” (Deere- p. 184 – 11 de 30- 2004)

A partir da citação acima, não é de estranhar que o Brasil é tão lento em resolver seus problemas e quando se fala em tratar de problemas de exclusão, isto piora, a exemplo da forma de como se assegurar os direitos da mulher, principalmente da mulher rural, no acesso a créditos e no acesso a terra.

Como no Brasil, hoje, é opcional o nome no título do lote, muitas vezes, ou na maioria das vezes, as mulheres são vítimas do legado cultural de forte apelo viril. Sendo, portanto, uma sociedade machista, os homens saem na frente nesses casos, mesmo sendo a mulher, casada. Mas, podemos dizer que, hodiernamente, muitas mulheres já estão se emponderando. Ser dona de suas decisões, darem rumos diferentes para suas vidas. A buscar outras alternativas de sobrevivência que venham garantir uma melhor qualidade de vida; um bem estar social de fato e de direito.

Embora ainda haja muito a se fazer para que isso seja garantido em plenitude e para que a constituição seja respeitada completamente, garantindo a igualdade social entre homens e mulheres.

Nesse sentido, muitas mulheres vêm se organizando e desenvolvendo alternativas de convivência com o semi-árido, que em muito casos merece destaque, com o apoio de entidades e organizações do Agreste e Sertão do Estado. São iniciativas de mulheres que, preocupadas com a segurança alimentar de suas famílias, como também, com uma melhoria na renda e na qualidade de vida em suas comunidades, partiram para um novo debate no campo.

São as experiências agroecológicas, que discutem, além de uma produção sem agrotóxicos, o reaproveitamento de materiais, a reciclagem, a proteção e preocupação como meio ambiente, conseqüentemente, a preocupação com o aquecimento global, que acaba por provocar grandes e irreparáveis danos para a sociedade em todo o orbe terrestre na tentativa de garantir melhores condições de vida para as novas gerações.

É claro que esse debate precisa ser travado por todas as nações do globo, desde as menos desenvolvidas até aquelas que vivem na opulência de uma riqueza que teima em não perceber a miséria que grassa em muitas partes da Terra.

CONCLUSÃO

Após longos anos de luta, como a mulher se reconhece hodiernamente no meio da sociedade? Quais os percalços precisaram e precisam enfrentar para serem aceitas de fato e de direito como mulheres, com toda sua essência feminina, aquela que se maquia, se perfuma, pinta as unhas, os cabelos, mas também aquela que trabalha em casa e fora dela, sem exigir mais por isso, embora tenha direito e seja merecedora; aquela que tem força, coragem, enfrenta sol e chuva, mas não deixa de cumprir com seus compromissos seja qual for a natureza? São questionamentos pertinentes que, nos fazem refletir e tentar compreender a necessidade de as mulheres se organizarem para a retomada de seus espaços, de valorização da sua condição feminina, daquela que, enquanto agente garantidora da vida por meio da maternidade, é também, por excelência, detentora das transformações no meio da sociedade em que vive respeitando os direitos dos outros e resgatando o seu papel privilegiado no meio do seu povo, como era nos primórdios.

A emancipação das mulheres se faz importante, pois o mundo continua pensado por homens e para os homens.

Desmistificar essa idéia foi a proposta apontada neste trabalho que se pretende um contributo à reflexão da situação por que passam as mulheres nos mais variados prismas.

Fazer-se perceber como as mulheres são importantes para o crescimento do país, quando participam do mercado de trabalho na geração de riquezas, quando exercem sua cidadania escolhendo por sufrágio universal aqueles que conduzirão os destinos da sociedade.

Dizendo “não” à violência sexista entranhada nos lares do mundo e bradando “sim” pelos direitos daquelas e daqueles que há muito não têm vez e muito menos voz.

Teremos que, desta forma, rever nossos conceitos acerca da força feminina voltando-nos para uma nova cultura de renovação de nossas posturas, consequentemente, de outras tomadas de posição em favor da Justiça pelo direito da mulher.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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