Coetzee na Flip

Coetzee estava lá.

Na FLIP, muitos nào vao em busca de livros, mas de "celebridades literárias".Talvez por isso, a reaçao de desaprovaçao por parte de alguns entre o publico que assistia sua leitura de "Diario de um ano ruim", um misto de ensaio e livro de ficçao estruturado a partir da divisao dos textos em 55 reflexoes divididas em 2 categorias: opinioes fortes e opinioes brandas.

Um cara perto de min gritou " vai aprender a escrever ! ", talvez desapontado por nao ouvir naquela noite um autor, realmente, bom como, quem sabe, Dan Brown autor de Codigo Da Vince, esse sim, um livro normal.

Um misto de perplexidade e satisfaçao percorreu meu pensamento naquela hora, Afinal, isso parecia confirmar o vigor e a qualidade de uma literatura que nao faz concessoes e a originalidade de um escritor que nao esta interessado em publicidade.

Em livros como DESONRA, VIDA E EPOCA DE MICHAEL K, ELISABETH COSTELLO ou A ESPERA DOS BARBAROS, Coetzee discorre com uma prosa limpida e sem grandes experimentaçoes sobre a barbarie e a banalizaçao do mal, sobre as consequencias descabidas do "politicamente correto" e da vida universitaria no mundo anglofilo.

Tais temas, realmente ardos e nao, necessariamente, conforntantes e faceis como gostaria nosso amigo da plateia, faz de sua

obra um profundo questionamento do papel do escritor e da palavra num mundo em inescapavel declinio.

So para lembrar, Coetzee é especialista em Beckett, o escritor do silencio, da impotencia da palavra, e que teria sido culminaçao do Canone Ocidental, ou seja, de toda tradiçao literaria desde Gilgamesh, segundo Harold Bloom.

Esse olhar sobre a condiçao humana nao é apenas mais um grito inconformado contra tudo ou contra todos, seu olhar critico

é combinado com a elegancia estilistica de um escritor que tem uma voz e uma originalidade adquirida à muito tempo.

Minha primeira impressao ao ler DESONRA foi e de estar diante de um autor que era uma mistura de Camus e Nabokov. Sei

que isso pode parecer estranho, muitas associaçoes mais adequadas podem ser feitas, mas naquele momento a prosa erudita e

elegante aliada a uma descriçao "natural "de um fato tao tragico, me remeteu direto a esses autores tao dispares.

David Lurie cai por causa do seu envolvimento com uma de suas alunas de literatura e da sanha "Politicamente Correta" do

meio universitario anglofilo, mas isso é apenas estopim para um reaçao em cadeia de proporçoes desmesuradas.

Vemos um homen de meia idade e com serto charme, divorciado ha algun tempo e com uma carreira solida como professor universitario em uma Africa do Sul sob o signo do Apartheid. Ele visita uma prostituta a muito tempo, uma vez por semana e

isso o satisfaz completamente. Um dia, devido a um encontro indesejavel, sua fiel concubina desiste de trabalhar na casa em que

o professor a encontrava. Lurie se ve vulneravel aos charmes de uma garota imatura e confusa, é acusado de assedio e é obrigado a ir morar no interior do pais ao lado de sua filha, que ja, se acostumou a degeneraçao humana pela luta de terra.

Esse homen sofisticado e sensivel vai se deparar com a força de uma terra hostil e regida pela barbarie onde parece nao

haver condiçoes de resistencia ou reaçao.

O que mais surpreende é a formidavel capacidade de coetzee de falar de um episodio, aparentemente, convencional

mas que em suas maos tomam uma perspectiva muito maior e mais densa.

DESONRA colocou Coetzee em um lugar de honra, para aproveitar o trocadiho, no panteao da letras mundiais e

suas outras obras confirmam isso.

Pessoalmente, nao tenho duvida de que, ao lado de SARAMAGO, ROTH e SEBALD, Coetzee já é um dos melhores

escritores do nosso tempo.

Voltarei a falar dele..

E aqui, começo a achar que minha associaçao nao parece tao absurda assim.