Sobre o ofício de historiador
Tendo em mente que a dúvida é o ponto de partida para a busca do conhecimento. O historiador atento sabe que o processo de uma construção historiográfica perpassa inevitavelmente por labirintos de incertezas, questionamentos, ambigüidades, paradoxos que circundam o pesquisador em seu complexo e muitas vezes solitário oficio. No caso da pesquisa histórica, o confronto com o documento é acompanhado de todo o espectro de mistérios vinculados às idéias do tempo presente. O historiador deve lembrar-se de que toda fonte histórica está sob a influência direta de quem a produziu, sendo assim, o produto final de sua pesquisa terá sempre um vínculo com o presente e com interesses relacionados ao pesquisador. Não existe a pesquisa histórica na qual o historiador se anula completamente como imaginavam e desejavam os positivistas no século XIX.
Devemos sempre que formos realizar uma pesquisa com levantamento de fontes primárias - aquelas fontes diretas, e não as interpretações destas - termos em mente as circunstâncias em que estas foram produzidas, sua época, sua especificidade, sua função quando produzida e quem produziu e com que intenção. Levando isto em consideração, o pesquisador está apto a estudar tais fontes de uma forma menos superficial e mais crítica, podendo aprofundar-se no estudo das formas circunstanciais e indiretas muitas vezes ignoradas a primeira vista, mas, com as quais vários documentos do cotidiano na época analisada foram preenchidos.
O historiador cuja pretensão seja recolher todas as provas possíveis de todos os fatos que poderiam ser de interesse para a sua pesquisa, corre serio risco de se perder num infindável quebra cabeça. A ilusão de que a quantidade de dados são a garantia de que a sua parcela de invenção encontra-se apoiada em dados que poderiam comprovar a ocorrência real do que descreve deve ser evitada. Talvez se concentrarmos nossas buscas mais na periferia do passado poderíamos descortinar acontecimentos que se apresentassem no seu desenrolar original.
Refletir sobre o discurso por meio do qual tempo e história se revestem de inteligibilidade requer por parte do aprendiz de historiador um mergulho profundo e incessante nos textos produzidos pelos grandes autores da historiografia. Desde Homero, Tucídides e Heródoto passando pelos metódicos no século XIX, pelos marxistas influenciados pela obra de Marx e Engels, pela escola dos Annales fundada em 1929 tendo como principais mentores Marc Bloch e Lucian Febvre e ainda Braudel, Lee Goff, Certeau, Foucault e tantos outros igualmente indispensáveis para uma boa formação intelectual de um historiador.
Todavia, existem ainda infinitas historias a se contar. E é possível que por mais que as criamos ou recriamos o resultado não nos traga convicções. O peso do presente nas definições das formas a partir das quais o passado será interrogado, nos leva a crer, que a História e o historiador são objetos cujas transformações e mutações revelam uma inevitável imprevisibilidade tornando impossível de se adivinhar um futuro para o historiador e a historiografia.