Voyeurismo social
De uns tempos para cá virou moda espionar a vida alheia. Não que seja coisa nova, mas as formas de abordagem e os objetos da investigação é que evoluíram. Há quarenta anos as pessoas só compravam a Revista do Rádio para ler os “Mexericos da Candinha”, onde eram devassadas as vidas de cantores e artistas, tudo ao estilo recatado da época.
Há dias eu li uma matéria de um antropólogo canadense, na qual ele comentava o surgimento no Primeiro Mundo dos “instant celebrities”, ou seja, pessoas que se tornam celebridade de uma hora para outra. Esse tipo de meteórica ascensão social é fruto de exposição acelerada aos holofotes da mídia, como “novos ricos”, emergentes, ou pessoas que se destacaram em reality shows (como o nosso infeliz “Big Brother”). São pessoas que, segundo o intelectual canadense, têm uma carreira de celebridade com duração de duas semanas. Ou menos.
É interessante destacar a evolução notável das ciências sociais e humanas no Canadá. O que antes era puramente técnico, hoje se apresenta com grandes desdobramentos no campo do pensamento filosófico, sociológico, antropológico e das áreas afins.
Voltando à espionagem da vida alheia, lá também como aqui e em outros países, é notório o interesse de conhecer detalhes da conduta das pessoas. Como as celebridades propriamente ditas mantêm uma certa blindagem quanto à sua vida privada, o alvo das fofocas e do voyeurismo social são os emergentes, os artistas de segunda linha, os jogadores de futebol e aquelas pessoas que se celebrizaram, de uma hora para outra, porque saíram da “casa mal-assombrada” do Big Brother, ou que foram descobertas como amante do Senador, ou que, ao fim da novela começou um caso com o artista tal.
Essas pessoas passam a freqüentar a mídia, a serem assediadas por inúmeros veículos de comunicação, que produzem reportagens – as quais o público está ávido para consumir – sobre suas preferências sexuais, como foi sua “primeira vez”, quantos casos já teve, com que idade começou, e coisas desse gênero.
Embora seja uma prática ridícula, que eu costumo chamar de babaquice, a verdade é que essas reportagens agradam ao grande público, sequioso de detalhes escabrosos. Tem gente que contrata o Big Brother por vinte e quatro horas por dia, e se diz decepcionado porque não viu a fulaninha pelada, ou o carinha fazendo cocô. Mas ficam orgásticos ao escutar os diálogos (??!) altamente culturais sobre as abobrinhas de suas vidas sem estrutura.
O que dizer de pessoas que se dedicam a esse voyeurismo? Para mim (e estou repetindo o antropólogo canadense) se trata de gente com certa náusea de vida, com uma ponderável perda de identidade, que decepcionada com mediocridade em que vive, se dedica a espionar a vida dos outros, na busca, quem sabe, de uma projeção, de se realizar com atos e fatos que ele/ela não teria coragem ou meios de assumir. A náusea de vida dessa turma (para usar uma expressão sartriana) pode ser minorada quando se constata a mediocridade das “instant celebrities”.
o autor é Filósofo e escritor