Pequena divagação sobre a sexualidade feminina
É curioso aperceber-se de que a História geralmente segue em “ritmos” – como diria um grande mestre – que muitas vezes desenham contornos ou traços muito semelhantes em épocas extremamente distintas; como se a “história se repetisse”. Não se trata, no entanto, de fatos históricos, mas de mentalidades, hábitos, e conceitos que sofrem marchas e contramarchas; ora sendo combatidos, ora sendo estimulados.
No caso de que trato – a sexualidade feminina – isto torna-se nítido no momento em que voltamos nossos olhos ao passado, especificamente até a primeira metade século XIX, quando a mulher era tida como gênero mais frágil, inferior e essencialmente maternal; teoria esta endossada por pensadores do século anterior, como Diderot, D'Alembert, Roussel, Cabanis. Além disso, o prazer sexual estava estritamente desvinculado do casamento e do ato reprodutivo, principalmente pelos homens, que procuravam satisfazer seus anseios “carnais” fora do seio conjugal, relegando a esposa o mero papel de rainha do lar – enquanto ele é senhor – e de mãe, sua principal e mais nobre função. Algumas teses defendiam que a natureza masculina era tipicamente racional, enquanto que a feminina era baseada em emoções. Firmino Junior, em sua tese de 1840, diz que "as mulheres são mais sensíveis, mais impressionáveis, extremosas, em tudo, dadas as coisas de pouca ou nenhuma consideração, mais eloqüentes, mais sujeitas a serem vencidas, graciosas em todos os seus atos; finalmente, é no sistema nervoso que reside toda a vida da mulher". No entanto, a segunda metade deste século reservou algumas mudanças que alteraram profundamente tais estruturas de pensamento.
Acentuado avanço tecnológico, mudanças no quadro socioeconômico, político e cultural, no mercado de trabalho, no estilo de vida e o surgimento de um ideário feminista colocaram em debate a posição social ocupada pela mulher, o papel dos gêneros e suas reais diferenças. Entretanto, qualquer manifestação feminista contrária ao pensamento vigente era tida como um atentado à ordem burguesa, e essas mulheres eram classificadas como "espécies híbridas", "degeneradas", "vampiras" ou mesmo "assassinas". Entretanto, este processo não pôde ser estagnado e as mulheres alcançaram espaços antes inimagináveis.
A mulher ultrapassou os limites da casa, da família, das tradições, e no século XX a mulher perde o estigma de “mulher-Bela Adormecida”, despertando para sua própria sexualidade. Não se sujeita mais a casamentos arranjados, e se o aceita, jamais será apenas por conveniência. O amor deve estar presente. O casamento passa a ter relação direta com o amor e o amor com o ato sexual. Uma conquista feminina.
Hoje, com a tecnologia ainda mais avançada, com as mulheres ocupando cada vez mais espaços dantes masculinos, com os métodos contraceptivos, a democratização das informações e tudo mais quanto o advento da modernidade nos faz viver, a mulher mais uma vez usa de seu direito e volta a separar o que ela mesma juntou. Quem disse ser necessário amor para se fazer sexo? É razoavelmente possível separar amor e sexo, ou amor e casamento. Se há casamentos por conveniência, este processo não é mais encabeçado pelos pais, mas pela própria mulher que o faz conveniente para si. A mulher assume o espaço masculino não só no mercado de trabalho ou na sociedade, mas também em sua própria mentalidade masculina, ou machista, enfatizando seu direito sobre o próprio corpo e sentimento, tendo aprendido a maestria de separar desejo e amor.
São os “ritmos” meu caro. São os “ritmos”.