APROXIMAÇÕES ENTRE "A MONTANHA MÁGICA" DE THOMAS MANN E "AS MONTANHAS MÁGICAS" DO BRASIL

A marcha do tempo global capitalista terceiro-mundista nos domina.

Principiemos, destacando, aqui, algumas observações de Hans Castorp, personagem central de “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann, com respeito ao tempo:

“É mesmo curioso como o tempo, no começo, parece longo a quem se encontra num lugar estranho. Quer dizer... Absolutamente não me aborreço; nada disso! (...) Mas, quando olho para trás - em retrospectiva, sabe? - tenho a impressão de estar aqui há não sei quanto tempo já (...) isto me parece toda uma eternidade. Essas coisas não têm que ver com as medidas e raciocínios. São puramente questões de sentimentos. Claro que seria tolice, dizer: ‘Tenho a impressão de estar aqui há dois meses’; isto seria um absurdo. Só posso dizer;‘Há muito tempo já’ (...)” (Mann 1980, p.121)

Em “A Montanha Mágica” (1924), imagem simbólica da decadência burguesa, do espírito moderno cientificista totalmente esvaziado de valores espirituais, da alienação tornada coletiva, de doenças e de morte - a decisão do escritor alemão Thomas Mann é a de caracterizar, mediante o personagem Hans Castorp, a trágica situação da arte e do artista no caos do nosso tempo. Ironia manniana? O próprio Mann apresentou diversas versões sobre a busca de Mann. Duas delas:

“Seria, segundo ele, uma viagem à decadência; contudo, ele também a qualificou como a busca da ‘idéia do homem, o conceito de uma humanidade futura que vivenciou o mais profundo conhecimento da doença e da morte’...” (Bradbury 1989, p.110)

Do ponto de vista crítico de Malcolm Bradbury (1989), as duas idéias, não completamente contraditas, podem afetar a concepção que formamos de nossa leitura de “A Montanha Mágica”, visto que o livro pode ser interpretado como um romance de decadência romântica, a exemplo de “Morte em Veneza” (1912), ou como uma obra otimista (?!), rumo ao conceito de uma humanidade futura. Porém, permanece a questão: doença de uma época ou história de sua cura? Ironias e ambigüidades do Modernismo e de Mann?

Acreditamos ser indispensável levar em conta tais considerações da crítica literária composta de argumentos dessemelhantes, visto que o processo de sair-se do tempo histórico e fechar-se em um tempo pessoal é a atitude típica do homem moderno, com os olhos habituados à sombra, e de sua situação, no nosso tempo de crise, de vazio e de estranhamento da solidão. Ademais, independentemente da leitura que se faça da referida obra, sobretudo do uso ideológico dos clássicos da literatura, ainda nos debatemos com questões e com situações semelhantes nela (“A Montanha...) apresentadas.

Com freqüência, lamentamos, em tom choroso, a desglorificação - ou a crise - que experiencia a cultura ocidental. Como vítimas heróicas de um processo lento, mas inevitável de decomposição, nossas lamentações são insuficientes para impedir a verdadeira tragédia que pertence a todo mundo.

Apatia e mutismo são os elementos que compõem a constelação sombria, cujo resultado é o retraimento intelectual frente às grandes questões do nosso tempo, como bem ressalta Hannah Arendt em seus escritos político-filosóficos.

Paradoxalmente, numa vida que se estende e se projeta no vazio, enquanto a crítica filosófica silencia, a tecnologia desenvolve uma espetacular imagem do futuro, no sentido de um mundo integral, constituído de uma parafernália de artefatos, de uma segunda natureza total: o “Admirável Mundo Novo”, isto é, a chamada era do computador, da sociedade de consumo, global, digital, na qual, desafortunadamente, poucos têm informações para percebê-las de um ponto de vista filosófico, porque já nem mesmo pensam. Sobre isso Walter Benjamin (1985) dizia, já nos anos 30 do século XX, que “uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos viu-se abandonada, sem teto, numa paisagem diferente em tudo, exceto nas nuvens, e em cujo centro, num campo de forças de correntes e explosões destruidoras, estava o frágil e minúsculo corpo humano”.

Desse modo, nas trilhas da reflexão benjaminiana, entendemos que, em tempos indecorosos, a exemplo do nosso tempo, o homem e a máquina se abraçam num rito panteístico. Assim, o triunfo da máquina é digno de um histérico louvor; junto à convicção cega em toda a sua ferocidade “ uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento da técnica, sobrepondo-se ao homem”, acrescenta Benjamin (1985). Saltando algumas décadas, Leandro Konder (1988), debruçando-se sobre o espólio do filósofo alemão, diz o seguinte: “não podemos deixar de reconhecer que, nas condições atuais, estamos vivendo, com crescente intensidade, sob o signo da “Erlebnis” [em alemão = experiência como mera vivência, destituída de sabedoria] (p.72).

Por conseguinte, o silêncio da Filosofia frente a este futuro, coincide com a massificação e a compartimentagem das Universidades, voltadas a sacrificar seus elementos inovadores em benefício de interesses corporativistas e de políticas departamentais, que geram, ao mesmo tempo, a “eficiência” tecno-econômica e a apatia intelectual... E é fato! (já nem mais nos referimos aos centros universitários de excelência!) É manchete da “Folha de São Paulo”, de 22/01/2006 (Cf. Folha-Cotidiano, por Antônio GÓIS): “UNIVERSIDADE PRIVADA DOMINA RANKING” ... “As Universidades privadas dominam o ranking das maiores instituições do Brasil em número de alunos na graduação, segundo levantamento feito pelo Ministério da Educação a partir do Censo da Educação Superior de 2004 (...) As duas instituições que mais se destacaram pelo ritmo de crescimento foram a ‘Universo’ (Universidade Salgado de Oliveira), do Rio, e a ‘Uninove’ [estranho, parece nome de Casas de Bingo] (isto é, Centro Universitário Nove de Julho, em São Paulo). Foram 11.838 novos estudantes de 2003 para 2004 [!!! /o susto é nosso], em crescimento de 33,1%. A ‘Uninove’ [Ops, que sigla estranha... agora nos parece nome de Cassino] teve o maior crescimento proporcional: 35,9%, com acréscimo de 10.557 alunos...” [!!!!!!!!!!!!! Pausa, pois perdemos o fôlego!]

Hum... como dissera o melancólico Hamlet de Shakespeare: “Há algo de podre no reino da Dinamarca.”;

ou, parodiando:

Há, no Brasil, mais coisas entre as autênticas Universidades e “As Montanhas Mágicas” do que supõem nossas vãs e pífias informações na ERA DA INFORMAÇÃO.

A Montanha Mágica Estácio de Sá, por exemplo, é a única a ter mais de 100 mil alunos (eram 104.346, em 2004!).

O desempenho no Provão (exame do MEC que avaliou cursos até 2003) das quatro maiores instituições privadas de ensino [ou melhor, das “Quatro Montanhas Mágicas”], isto é, “Universo”, “Uninove”, “Unip” e “Estácio de Sá”, é muito inferior ao da USP (Universidade de São Paulo) que, em 2006, conta com 75.962 estudantes e 4.953 docentes; a referida universidade foi a primeira do Brasil, fundada em 1935!! Trata-se de um autêntico centro de excelência no ensino, na pesquisa, na extensão etc. etc.

As cifras das “Montanhas Mágicas” (“descobertas” na década de 90, do século passado) indicam 4.357 docentes (para mais de 100.000 alunos, isso na Estácio!) ...

Basta! Pois, indignados, perguntamos: _Será o Brasil algo de podre? Oh, dúvida cruel e trágica... sem citarmos, ainda, o “CIRCO DE HORRORES” em que se transformaram as faculdades isoladas, ou melhor, as “FACULDADES NANICAS” (faculdades regidas, geralmente, por diretores (as) autoritários, despóticos; alguns semi-analfabetos, incapazes até mesmo de redigir uma única frase gramaticalmente correta. Além dos alunos, em sua maioria: autênticos tiranos, a colocar os professores a deriva de seus mais obscuros objetos do desejo. Em suma, nem ensino, nem pesquisa, mas $$$$... muita tagarelice e TERROR!

De outra parte (ou de parte nenhuma?!), desafortunadamente, mais especificamente as faculdades de "Filosofia" (DEVE ENSINAR A PENSAR!) parecem ter adquirido o caráter de instituições periféricas para conhecimentos obsoletos. A este propósito, não se deve esquecer uma problemática complementar: o desnorteamento da Filosofia em refletir a fragmentação do próprio saber, a separação entre domínios científicos e reflexão filosófica, e a separação entre disciplinas do mesmo domínio, falando com Cornelius Castoriadis (1).

Conjunto de coisas estilhaçadas? Desordem, crise, sociedades de massa, de abundância e de serviços no embalo das ondas radiosas de sedução. Novas estratégias destronam o primado das relações de produção e instauram apologéticas relações de sedução. A sedução repercute na linguagem. Segundo Antônio GÓIS, “AS MONTANHAS MÁGICAS” “... agem no mercado financeiro por meio de uma política agressiva de Marketing e preço baixo...”; nisso consiste suas expansões concomitantes às seduções que causam nas massas alienadas.

Assim, levando tais considerações na devida conta, consoante Baudrillard:

“Hoje é a própria informação, o excesso de informação, que nos leva pelas vias de uma involução geral (...) O reunir do máximo de informação sobre o universo pode acarretar o fim do mundo; É como na fábula dos nove bilhões de nomes de Deus: quando, graças ao computador, for possível enunciá-los todos, o mundo acaba, as estrelas apagam-se”. (Baudrillard 1990, p.77)

Nossa crise parece ser, antes de tudo, cultural e espiritual (?!!):

“Imaginem um bem que resplandece com toda a potência do Mal: seria Deus, um deus perverso, criando o mundo como num desafio e ordenando-lhe que se destruísse a si próprio ...” (idem, p.12)

É neste cenário, composto de profundas relações de conflito entre sujeito e objeto e condenadas a antagonismos radicais, que o gênio maléfico e vitorioso do objeto se instala e impõe sua estratégia sobre os sujeitos, sobre as massas.

NOTA

1. Cf. CASTORIADIS, Cornelius. “As encruzilhadas do labirinto”. v1. Tradução Carmen Sylvia Guedes, José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Paz e Terra, 1987, p.214.

BIBLIOGRAFIA

BAUDRILLARD, Jean. “As Estratégias Fatais”. Tradução Manuela Parreira. Lisboa: Editora Estampa, 1990.

BENJAMIN, Walter. “Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura”. Tradução Sergio P. Rouanet. In ‘Obras Escolhidas I’, v 1, São Paulo: Brasiliense, 1985.

BRADBURY, Malcolm. “O mundo moderno: dez grandes escritores”. Tradução Paulo H. Brito. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

BRADBURY, Malcolm, McFARLANE, James. “Modernismo: guia geral 1890-1930”. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

CASTORIADIS, Cornelius. “As Encruzilhadas do Labirinto”. Tradução Carmen S. Guedes, José O. de Almeida Marques. 2 v. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

KONDER, Leandro. “Walter Benjamin: o marxismo da melancolia”. São Paulo: Ed. Campus, 1988.

MANN, Thomas. “A Montanha Mágica”. Tradução Herbert Caro. 10 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

verão de 2006