POR QUE CHIFRE É SINÔNIMO DE TRAIÇÃO CONJUGAL?
Quantas vezes já não se ouviu dizer que determinado marido é “chifrudo” e quantas tragédias já ocorreram em função do que esse adjetivo representa? Sabe-se que todo significado que uma palavra adquire em nossa língua, fora do seu sentido natural, está ligada a fatos, circunstâncias ou situações, posteriores ao sentido original da palavra - é o caso das "gírias", por exemplo. Denomina-se de chifre, no seu sentido original, os apêndices córneos que guarnecem a fronte de certos animais. Mas, especialmente na nossa cultura, a palavra também pode significar traição conjugal.
As explicações acerca do segundo significado da palavra chifre em língua portuguesa costuma cair no campo das especulações: estaria ligado à figura do demônio tal qual na visão do catolicismo medieval – um ser monstruoso, de aspecto humano, porém com chifres e cauda terminada em tridente –, por ser a traição conjugal uma atitude contra os mandamentos de deus; ou estaria ligado à própria espécie bovina, por analogia ao fato de a fêmea não se sentir presa a um único macho da espécie como prevê as regras sociais que regulam os comportamentos humanos. Nada disto, no entanto, é verdade: o emprego da palavra chifre para denominar traição conjugal tem origem legal.
O Código Filipino, ou Ordenações Filipinas, editado em 1603, a pedido do rei Felipe II, que vigorou no Brasil desde a sua criação até a Independência, rezava explicitamente que o marido que flagrasse a esposa em adultério, cujo adúltero não fosse nobre, o marido "ofendido" deveria matar o seu desafeto. Caso dispensasse essa prerrogativa de matar, deveria usar em público algo semelhante a um chapéu ornado com dois chifres para que todos o reconhecessem como um homem que não “honrou” a sua condição de homem. Quando o adúltero fosse nobre, o marido traído nada poderia fazer.
O Código Filipino era apenas uma reformulação do Código Manuelino que vigorou em Portugal e no Brasil de 1513 a 1569, porém, praticamente manteve a mesma estrutura das Ordenações Manuelinas, sofrendo vários acréscimos – a questão do adultério foi mantida. Era, o Código Filipino, composto de cinco livros que continham os regimentos dos magistrados e oficiais de justiça, regulava as relações entre Estado e Igreja, continha processo civil e comercial, direito das pessoas, das coisas e direito penal.
A mentalidade instituída em lei pelo Código Filipino prevaleceu ao longo dos tempos, mesmo quase dois séculos depois de sua extinção. Até recentemente (estamos falando do final do século XX e início do século XXI) a mulher adúltera poderia até ser presa; o homem que, após casar-se, descobrisse que a mulher não era virgem poderia devolvê-la à família e anular o matrimônio.
Esse instituto jurídico se tornou sem efeito legal, mas a mentalidade que o permeava ainda não se extinguiu no todo. Muitos de nós, por mais “modernos” que nos julgamos ser, quando se trata da questão aqui discutida, temos comportamentos que não se afastam muito daquele do período medieval.