DEMOCRACIA DE CÃES E GATOS
A esquerda, para quem milita nessa corrente ideológica de base marxista, é a vertente política que defende uma atuação em prol das camadas populares, com participação ativa e efetiva destas, sem qualquer assistencialismo ou paternalismo de quem está na condição de dirigente. A questão, entretanto, é que, na prática, as coisas nem sempre funcionam assim.
Marx previu que o capitalismo se autodestruiria ao exigir uma massa cada vez maior de operários que se conscientizariam politicamente e tomariam o poder, estabelecendo um regime de transição (o socialismo) para um sistema que teria como base a solidariedade ampla, geral e irrestrita entre os cidadãos (o comunismo).
Partindo dessa tese, teríamos nos partidos de esquerda de um modo geral, em qualquer época, uma relação de solidariedade, de busca de uma convivência interna harmônica mesmo em se tratando de um convívio de pessoas com posições diferentes – os conflitos seriam administrados de forma saudável, visando um objetivo comum à agremiação partidária. Ledo engano. A luta interna pelo poder dentro de alguns partidos de esquerda vem se transformando ao longo dos tempos numa disputa que não difere muito da que ocorre no interior dos partidos de direita.
Há embates internos que chegam a ser tão estressantes quanto os pleitos eleitorais: entram em jogo estratégias de cooptação, articulações de bastidores, barganhas. Quem não entrar no jogo de investir no enfrentamento dos adversários internos é tragado por uma onda inexorável que lhe arrebata o espaço e as oportunidades.
A administração de um partido de esquerda, via de regra, dá-se por composição de um coletivo de representações dos grupos concorrentes. Ou seja, os grupos que concorrem à direção, mesmo se derrotados no pleito, mantêm representantes na composição da diretoria, observando-se, neste caso, a proporcionalidade da votação obtida para ocupação dos cargos.
A prática da administração da agremiação partidária por um coletivo de membros, de per se, é altamente democrática. Contudo, o que ocorre, com freqüência, é o estabelecimento de uma democracia de cães e gatos – a aparente convivência harmoniosa entre as tendências internas de alguns partidos, muitas vezes esconde o jogo em que um lado está sempre pronto a colocar em prática alguma estratégia que possibilite derrubar o grupo opositor.
Os comentários maliciosos vão mais além: há quem fale da existência, inclusive, de casos em que militantes chegam a vender, literalmente, seus votos em encontros e convenções destinados à definição de candidaturas e coligações. Verdadeiros ou não, o simples fato da existência de tais comentários já é, em si mesmo, motivo de decepção para quem sempre militou na esquerda sonhando com uma sociedade mais justa e igualitária.