O SUCATEAMENTO DA PALAVRA ESCRITA EM PROL DA MEDIOCRIDADE ATUAL

Amigos, sou escritora nata. Por amor da coisa; de toda alma e de todo coração!

Além da publicação de artigos em revistas eletrônicas, e n'alguma ocasião propícia em exemplares impressos, produzo livros, cujo tema gira em torno das questões espiritualistas. Em verdade, desde a infância escrevia com desenvoltura.

Venho de um tempo de estudos em que a escola pública - ainda! - era exemplar! Tive grandes professoras no que então se conhecia como o primário. Só passei a estudar em escolas particulares a partir do chamado ginásio, em época em que o vendaval da derrocada do ensino público já se fazia suficientemente notório pelos problemas sócio-educacionais que hoje em dia todos conhecemos bem: o sucateamento proposital da educação; a desvalorização galopante de um profissional de suma importância como o professor, de caso pensado - a fim de se atender a investimentos de interesse de outra ordem, beneficiadores da competitividade reinante no universo gigantesco das escolas e universidades da rede particular, não necessariamente interessadas em qualidade de ensino, mas em volume de mensalidades pagas!

O que testemunhamos em relação a isto, caros, encontra o seu eco, o seu desdobramento inevitável na qualidade cultural da qual nos fazemos portadores hoje em dia.
 
Assim como no mundo da moda feminina figurinistas e comerciantes de vestuário enaltecem o uso mínimo dos tecidos em calças cotós da cintura para baixo e das bainhas para cima, cobrando por elas o mesmo preço de quando então eram comercializadas completas - com pernas no devido tamanho e cós no devido lugar, na cintura! - julgou-se, progressivamente, conveniente que, especificamente atendo-se ao uso da língua portuguesa, se extirpasse o que hoje se considera como "excrescências" linguísticas, obsoletas, em prol de uma modalidade de escrita mais cômoda, mais descolada - porém mais medíocre! -incorrendo-se, assim, num processo lastimável e irreversível de banalização da língua! 

Afinal, por que se estimular o uso pleno do português correto, bem empregado, rico de nuances, largo, elástico, elegante, quando se pode cair no agrado e no entendimento do leitor substituindo-se o vocabulário mais elaborado pelo mais econômico e de uso coloquial?! Por que continuar se atendo ao uso pode-se mesmo dizer que artístico e belo da língua - porém voltado a quem de fato sabe o português! - quando a praticidade e a superficialidade de conceitos imperam não apenas na linguagem oral e escrita - mas no todo das mentalidades?!

Vejam bem: minha biblioteca é vasta, e antecipo que não pretendo aqui incorrer no pedantismo de erudição que excluí valores e estilos da hora que passa! Entre meus mestres se encontram cronistas que aprendi a venerar justamente durante a leitura de seus textos mais descompromissados, quais sejam as crônicas, leves, redigidas com linguagem direta e acessível a todos. Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Luiz Fernando Veríssimo - todos foram excelentes referências para a minha formação literária, acerca da arte de se escrever bem e objetivamente - sobretudo, porém, acerca de se escrever bem, meus amigos!

Uma coisa é se escrever bem e objetivamente, num estilo de literatura mais descontraída que agrada a todos, especialmente as gerações mais jovens - outra coisa é se sucatear a língua escrita de forma sorrateira, em nome de se atender não a este estilo de linguagem, mas à deficiência crassa que hoje em dia, lastimavelmente, sobressaí na formação cultural do povo, em grande parte não por sua culpa - pela irresponsabilidade escandalosa com que a formação cultural do brasileiro foi tratada e negligenciada no decorrer das últimas décadas! 

Meu estilo de escrita já foi criticado por alguns, mesmo pelos de meu círculo mais íntimo, em decorrência de n'alguns momentos espelhar um grau de erudição que  extrapola - e para alguns intoleravelmente, eis o cúmulo! - as exigências dos leitores atuais. Já fui comparada por um crítico benevolente ao estilo de Machado de Assis. Todavia, se é verdade que não devemos perder o foco de que o que se escreve visa acima de tudo o leitor, por outro lado raro é o escritor que cai no agrado de todos, exatamente por essas idiossincrasias. 

O romancista será detestado pelos adeptos dos textos sobre economia, e talvez que vice-versa. Tudo se relaciona e obedece aos diferentes modos e estilos de linguagem. Dentre os apreciadores dos textos jornalísticos, mesmo neste universo restrito alguns autores agradarão a uns e não aos outros - o que acaba tornando tudo muito subjetivo.
 
Mas que se faça a diferença: a escrita humorística, a escrita leve, a escrita erudita - todas elas atendem a estilos próprios que encontram o seu público. A nenhuma delas, contudo, e a meu ver, justifica reivindicar que sejam produzidas com um português chulo, rasteiro e errado, somente porque apraz ao modernismo o uso coloquial de palavrões, da pobreza das gírias, das expressões eivadas de incorreções e de vícios de linguagem.

De sorte que é necessário frisar: até mesmo a linguagem escrita coloquial, sincrônica com a riqueza conotativa da atualidade, pede elegância e correção de trato. Ou muito em breve seremos tomados como os escritores mais fluentes, mais objetivos, mais eloqüentes do mundo - ao passo que também os mais desbocados e mais pobres de estilo, por não conhecerem nenhum modo de expressão para além de um "já é!", em lugar da graciosidade simples de um
"tudo vai correndo de vento em popa!"

Eu prefiro encerrar mandando o meu abraço a todos os meus leitores e amigos do Recanto. É melhor - é mais amigo, mais simpático do que um simples e seco
"fui"!

 

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 31/05/2008
Reeditado em 31/05/2008
Código do texto: T1013405
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