UM PONTO DE VISTA

Dos laudos periciais do nosso dia a dia...

A bem da verdade, eu não sei muito bem classificar o texto que segue.

Talvez seja um conto cotidiano, um artigo, um ensaio, ou um desabafo do ceticismo.

Mas o meu intuito é propor aos leitores uma reflexão que servirá de analogia para muitos acontecimentos do nosso dia a dia, sendo que semelhanças podem não ser meras coincidências.

Mas foi um fato que ocorreu conosco.

Não mais que uns dois anos atrás, tive que internar minha filha às pressas.

Motivo: Uma gastroenterocolite aguda por intoxicação alimentar.

Horas antes, ela havia ingerido uma empadinha numa lanchonete duma grande rede de supermercados aqui de São PAulo.

Nada mais justificava a contaminação, posto que a última refeição tinha sido feita em casa, com alimentos cozidos que todos ingeriram.

Portanto havia chance do tal "nexo causal".

Mas precisaria ser provado.

O quadro foi grave.E é bom lembrar: Pode matar.

Desidratou em menos duma hora, febre alta com alteração importante dos exames do sangue.

Fiquei assustadíssima.

Valeu-nos tres dias de hospitalização, e os mesmos dias de perdas, dela na faculldade e minhas no trabalho.

Horas depois do ocorrido, achei por bem notificar a gerência do supermercado, na única intenção de que outras pessoas não se contaminassem.

Fui recebida com ironia, por uma gerência que me caiu o queixo, posto que não entendia muito bem o básico da minha colocação, muito menos das responsabilidades dum gerente frente à loja e à população.

Parece que é a regra...no país. Cargos ocupados por quem voa de pára quedas...e caí em terreno estranho.

São poucos os que entendem de cidadania...e de responsabilidades.

Porém notificaram-me que as empadinhas seriam retiradas da vitrine, e o lote seria encaminhado para o exame microbiológico.

É claro que percebi prontamente que minhas palavras ressonaram ao vento.

Quinze dias depois voltei ao local para alguma explicação,pois sequer me deram um telefonema para saber da menina, ou para esclarecimentos outros. Afinal era só uma...diarréia.

-Senhora, nada constava naquelas empadinhas.

Nunca vi o laudo.

E mesmo que ele existisse e eu o tivesse visto, eu pergunto:

Alguém, algum cidadão que me lê, acredita em sã consciência que um laudo para uma rede riquíssima de supermercados, que provavelmente paga pelos serviços e pela consultoria jurídica, viria...a nosso favor?

Alguém teria coragem de "laudar", ainda que veridicamente, que lá constaria uma bactéria enteropatogênica, que poderia contaminar...a mídia?

É claro que eu já sabia que nem adiantava brigar pelos "meus direitos", não é assim que dizem por aÍ? Como iria eu capturar o bichinho? Se já tinham sumido com todo o lote das empadas?

DIZEM TAMBÉM QUE O DIREITO SÓ SOCORRE A QUEM O PROCURA.

O difícil é saber como e quando, já que tudo pode ser desvirtuado por uma boa eloquência...e por um "dinheirinho'.

É óbvio que sei que daria uma boa briga, sei que houve danos, morais e materiais cabíveis de indenização, porém já percorri um tanto de estrada de vida para discernir e ponderar todos os custos e os benefícios... até os de se procurar pelos teóricos "direitos".

Quem sabe meus bisnetos desfrutariam da ação indenizatória...

O que mais me intriga é que sequer pensei em acionar a empresa.

Eles é que me receberam como quem já intencionava procurar uma briga.

Porque por aqui ainda vigora a lei de Gerson, mesmo que levar vantagem implique em desfrutar direitos...

É isso. Acho que me fiz entender.

Estamos num mundo de cartas marcadas, aonde a corda, ainda arrebenta do lado mais fraco, ou seja, do lado da honestidade.

RUI BARBOSA tinha toda razão, quando disse que um dia sentiríamos vergonha de sermos honestos.

E eu acrecento: Mais vergonha do que ser ou ser obrigado a se fazer de néscio...